A falta de celeridade na execução dos estudos preocupa as pessoas atingidas, que destacam a urgência de respostas em relação à saúde, ao meio ambiente e à reparação dos danos

Atingidos das cinco regiões da Bacia do Paraopeba estiveram presentes na audiência de contextualização do ERSHRE | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Na última segunda-feira, 16 de dezembro, foi realizada uma audiência para a contextualização dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), e sobre o acompanhamento, por parte da UFMG, do andamento desses estudos. O evento ocorreu no Auditório do Fórum Cível e Fazendário, em Belo Horizonte. 

O encontro teve como objetivo esclarecer dúvidas em torno dos estudos, conduzidos atualmente pelo Grupo EPA, e coletar subsídios técnicos para contribuir com o desenvolvimento das próximas fases.    

Esses estudos visam identificar os riscos potenciais à saúde humana e ao meio ambiente devido à presença de rejeitos no solo e nas águas, além de definir estratégias integradas de intervenção na bacia do Paraopeba. No entanto, há divergências no entendimento sobre a execução desses estudos e no processo de acompanhamento por parte da perícia judicial (CTC-UFMG). 

A audiência foi convocada pelo juiz Dr. Murilo de Abreu, que destacou a urgência da situação: “Chegou ao meu conhecimento que havia populações atingidas enfrentando problemas sérios em relação à água e contaminação de um modo geral. O ERSHRE estava parado e, segundo algumas informações, esse atraso estaria prejudicando uma série de outros projetos e compromissos previstos no acordo judicial”, afirmou. 

Estiveram presentes na audiência representantes do grupo EPA, responsável pela execução dos estudos até o final de 2025, o Comitê Técnico Científico do Projeto Brumadinho da UFMG, que atua como perita do juiz para acompanhar a execução do ERSHRE e a AECOM, auditora socioambiental contratada pelas Instituições de Justiça para acompanhar o trabalho do grupo EPA e andamento da reparação socioambiental.  

A auditora AECOM indicou que muitas coletas realizadas pelo Grupo EPA não foram aprovadas no início do ano, mas que seria possível realizar a fase 2 de forma mais rápida contando com uma nova instituição e com equipes em campo.

Também participaram representantes da Vale S.A., das Instituições de Justiça, das Assessorias Técnicas Independentes do Paraopeba e lideranças atingidas das cinco regiões da Bacia. Contudo, as lideranças não tiveram espaço de fala durante a audiência, somente as ATIs. 

O juiz Dr. Murilo de Abreu afirmou que a audiência teve como objetivo coletar subsídios técnicos para embasar decisões futuras | Foto: Felipe Cunha – Aedas

O juiz Dr. Murilo de Abreu explicou que a audiência foi convocada após o CTC-UFMG manifestar dificuldades para acompanhar o andamento do ERSHRE, alegando falta de informações necessárias como, por exemplo, a ausência de cronograma para realização dos estudos. A partir dessa situação, a audiência teve como propósito compreender os entraves no desenvolvimento dos estudos e colher subsídios técnicos do que já foi identificado e que possam embasar decisões futuras. 

Durante a sessão, o juiz questionou ao grupo EPA sobre o andamento dos estudos e manifestou dúvidas quanto o papel dos diferentes levantamentos no processo da reparação, como o trabalho do grupo EPA e as análises já realizadas pelo CTC-UFMG. Segundo o juiz, é fundamental alinhar as informações para garantir o avanço dos estudos e a efetividade dos resultados.  

Os representantes responsáveis pelo Estudo responderam ao Dr. Murilo que iniciaram o projeto em 2019, que o trabalho teve impacto diante do contexto da pandemia de Covid-19 e que a previsão da entrega dos resultados das 4 fases estava prevista até 2024.  

As lideranças atingidas vêm apresentando problemas durante a execução dos estudos, conforme relatado em ofícios e produtos encaminhados pelas ATIs, com destaque para produto J.

Os compromitentes divulgaram informações sobre a necessidade de contratação de uma nova empresa para seguir com os estudos das próximas fases enquanto o Grupo EPA finaliza a fase 1 até dezembro de 2025.

Participação da Aedas na Audiência

Para André Cavalcante, coordenador da equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação da Aedas Paraopeba, “Entendemos que ambos [os estudos] devem ser realizados por contarem com objetivos e metodologias diferentes. O acompanhamento por parte do CTC-UFMG, a perita do juízo, visa garantir a imparcialidade nos resultados técnicos e análises que contribuirão para convencimento para decisões, devidamente, embasadas e justas por parte do Juiz. Portanto, alguns dos subprojetos executados não tinham o objetivo de seguir a metodologia necessária para conclusões de um estudo que apresente os riscos potenciais“. 

André ainda complementa, “Avaliamos que não existe sobreposição, já que os estudos de risco devem ser desenvolvidos em cinco fases, quando o resultado de uma fase conformaria a base para execução da seguinte. Esse estudo visa a utilização de um processo de gestão de forma integrada, com o objetivo de obter dados e propor medidas de intervenção no campo da saúde e do meio ambiente, de forma conjunta, incluindo ações de saúde pública, monitoramento e reparação socioambiental. Cabe destacar que as áreas-alvo previstos no ERSHRE contempla mais municípios que outros estudos realizados. Também precisamos ter atenção sobre o que de fato vem atrasando o estudo (orçamento, equipe técnica, atuação dos atores envolvidos) para não incorrer em ajustes técnicos que fragilizem os resultados e propostas. Essas também foram preocupações reforçadas pelos Compromitentes presentes“.

Nina Jorge, Gerente Geral do Projeto Paraopeba da Aedas, esteve presente na audiência e destacou a ausência de um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do rompimento, reforçando a necessidade desse momento para honra e memória às 272 vidas que foram ceifadas. Reforçou a importância dessa audiência e destacou a presença das pessoas atingidas de forma direta. Ela também mencionou as violações sofridas por alguns povos e comunidades tradicionais da Região 2 durante a primeira fase dos estudos realizados pelo grupo EPA, que se limitou a dizer que eles não tiveram interesse.   

Além disso, Nina solicitou o direito de fala das ATIs nas reuniões mensais com a AECOM, bem como a realização de reuniões ordinárias com a garantia de participação das pessoas atingidas. Ela também solicitou que os relatórios técnicos produzidos e apresentados mensalmente sejam compartilhados de forma pública com as ATIs e as pessoas atingidas, conforme previsto. 

Nina ainda ressaltou que a devolutiva do levantamento de preocupações feito pelo EPA na fase 1 está sendo realizada após quase 6 anos da coleta das informações. Durante este hiato de tempo, não houve diálogo entre o Grupo EPA e as pessoas atingidas para posicionamento do cronograma de devolutiva. 

Ela reforçou a importância de que a nova empresa responsável pela continuidade dos estudos garanta celeridade, qualidade, participação informada das pessoas atingidas e que o canal de transparência previsto no Acordo para os ERSHRE seja implementado. 

Para Nina, “O cerne dessa questão é entender que esse atraso impacta diretamente nas medidas de reparação em andamento e futuras”. Ela também questionou ao Grupo EPA qual é o impacto do atraso nos estudos em relação, por exemplo, a execução do Anexo I.1, dizendo: “Realizar as coletas após seis anos de rompimento é um cenário diferente de realizá-las a época do rompimento, o retrato que se tem dessa coleta é outro”. 

Em relação a contratação da nova empresa, Nina informou que as conversas dessa nova empresa que conduzirá o ERSHRE já estão sendo feitas entre o Estado e a Vale S.A. sem a participação das pessoas atingidas, o que gerou surpresa. “As pessoas nos territórios atingidos demandam ter incidência na escolha da nova empresa, assim como tiveram na escolha da Entidade Gestora do Anexo I.1, podendo escolher critérios para a contratação, sendo um deles, por exemplo, que a nova empresa não tenha relação com a Vale S.A.”, afirmou. 

Foto ao final da audiência com as pessoas atingidas da Bacia do Paraopeba | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Relatos das pessoas atingidas

Tatiana Rodrigues, atingida de São Joaquim de Bicas, avaliou a audiência positivamente e afirmou: “O juiz acertou ao convocar esta audiência para buscarmos esclarecimentos sobre o estudo. Queremos ter acesso a esse estudo para podermos dar continuidade às nossas vidas. Se o estudo de risco não sai, como seguimos? Entretanto, ele ainda está apenas na fase 1, que trata da identificação e das preocupações das comunidades atingidas. Esperamos que a nova empresa dê continuidade ao processo da maneira que precisamos, garantindo a participação real dos atingidos”. 

Lucimar Veloso, atingida de Betim, expressou: “Hoje tivemos uma oportunidade no Judiciário, que abriu espaço para nossa participação, embora como ouvintes. Foi um ganho importante, pois mostrou a força da comunidade e nossa preocupação com a falta de respostas às demandas e com os índices de contaminação. Por outro lado, o estudo ainda não foi concluído nem em sua primeira etapa. Houve justificativas, mas elas não foram suficientes. A abordagem do juiz com o grupo EPA foi relevante, mas continuamos com dúvidas e à mercê da contaminação. Seguiremos na luta. Minha preocupação é: quanto tempo ainda vai levar, considerando os riscos à vida humana e ambiental? Se, em quase seis anos, não tivemos respostas da fase 1, quanto tempo será necessário para concluir todas as etapas do estudo?”.

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Encaminhamento

O espaço representou uma oportunidade para identificar desafios técnicos e construir uma perspectiva mais célere sobre o desenvolvimento dos Estudos de Avaliação de Risco, considerados fundamentais para as ações de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019, em Brumadinho.  

Ao final da audiência de contextualização sobre a execução dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico na Bacia do Paraopeba, o juiz decidiu: “Diante de todo o informado e debatido nesta audiência, que trouxe muitas e qualificadas informações sobre o ERSHRE, concedo às partes o prazo comum de 5 dias úteis para formularem eventuais requerimentos, voltando após conclusos para decisão”. 

As partes saíram intimadas para apresentação de pedidos relacionados ao tema, a ata foi lida e ficou determinada a inserção do link interno da gravação da audiência nos autos do processo. Assim como, o juiz sugeriu que fossem agendadas reuniões entre a nova entidade responsável pela execução do ERSHRE, a perícia judicial, as Instituições de Justiça e as ATIs.

Atualização do caso

No dia 20 de dezembro o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal manifestou no processo para reforçar a complexidade técnica dos Estudos de Riscos à Saúde Humana e Risco Ecológico, destacar a necessidade e requerer a autorização do diálogo entre a equipe da perícia judicial (CTC/UFMG), os responsáveis pela elaboração do ERSHRE (grupo EPA), a auditora (AECOM) e órgãos públicos de saúde e meio ambiente, para garantir o direito de participação informada, com livre intercâmbio de informações.

Essas instituições de justiça pediram a realização de novas audiências de contextualização para que as responsáveis pelos estudos e chamadas periciais possam apresentar os resultados dos trabalhos, permitindo amplo conhecimento do juiz responsável e das partes interessadas para construir soluções justas e efetivas para a reparação dos danos socioambientais, bem como efetivar os direitos à participação social e acesso à informação.

Matéria atualizada em 23 de dezembro de 2024, às 12h

Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas

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