Laudos e valorações feitos por perícia não têm respondido ao problema de moradia da região 
Deputada Beatriz Cerqueira e a atingida de Márcia Mary Silva, de Barra Longa. Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Passados mais de sete anos do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, famílias atingidas continuam buscando pelo direito à moradia. Na sexta-feira (19), atingidos de Barra Longa participaram de audiência que denunciou, dentre outras pautas, a falta de cumprimento da mineradora nas demandas apresentadas pelos atingidos do município.  

A 60 quilômetros de Mariana (MG), Barra Longa foi a única cidade que teve seu centro urbano tomado pela lama do rompimento da barragem de Fundão que inundou pelo menos 40 imóveis e isolou duas comunidades rurais.   

Na audiência, os atingidos relembraram os danos causados às casas com o tráfego de caminhões da mineradora. Muitas casas tiveram sua estrutura comprometida, dando sinais de insegurança, como o aparecimento de trincas e rachaduras. Famílias tiveram que deixar suas casas e irem para moradias alugadas. Algumas casas chegaram a ser demolidas para reconstrução. 

Os atingidos questionaram os valores aprovados, com o aval das Instituições de Justiça, para a reforma e reconstrução de casas danificadas. Os valores foram aprovados sem consulta à população. Além dos valores oferecidos estarem muito abaixo do necessário para as reformas e construções, muitas famílias não foram contempladas.   

“Considerando o preço dos materiais e a mão de obra, os valores não são justos. E temos de cumprir um prazo de quitação. Além disso, alguns moradores prejudicados não vão receber nada. A empresa fez o estrago, por que tem de ficar do jeito que eles querem? Eu acho que nós precisamos sim correr atrás e não cansar com a luta pra ver nossos direitos reconhecidos.”, questionou Maria das Graças Lima, de Gesteira.

 

Maria das Graças Lima. Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

A audiência pública foi convocada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) e também teve como objetivo contribuir com os trabalhos da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana. 

A não garantia de acordos cenário de violação de direitos humanos 

O processo instaurado hoje de perícias com laudos e valoração feita pela perícia não resolve a questão da moradia em Barra Longa que possui grande complexidade. 

– Pessoas que moravam de aluguel, na época do rompimento, para elas não há propostas a não ser ir para aluguel num contexto de especulação imobiliária.  

– Pessoas que estão com propostas extremamente rebaixas para reformar suas casas. Os laudos em que são reconhecidos os danos à moradia tem valores como 12 mil, 10 mil. 

– Pessoas que não tiveram suas casas periciadas e que não terão o direito ao que estão denominando de novel da moradia. 

Com isso o problema de moradia e infraestrutura em Barra Longa se estende e se soma a outras questões que não foram reparadas, como os quintais que eram produtivos e que ainda hoje possui lama de rejeitos. 

Papel da assessoria 

Na audiência, Verônica Medeiros, da coordenação Institucional da Aedas, falou sobre uma série de ações feitas com assessoria junto ao povo atingido de Barra Longa. Fruto de anos de trabalho de pesquisa e participação das pessoas atingidas, os estudos foram apresentados como alternativa. 

“Fizemos cartografia dos danos à moradia, fizemos laudo técnico sobre a cidade, caracterizando a cidade como histórica, de mais de 300 anos. Fizemos, junto com o povo, construímos parâmetros e diretrizes para as reformas e reconstruções e fixemos levantamento das pessoas que diziam que já tinham algum problema sobre a moradia. Após esse levantamento e essa sistematização, nós fomos pra grandes negociações com a empresa”, lembrou Verônica.  

A representante da Aedas também chamou atenção para o descumprimento dos acordos, por parte da Fundação Renova.   

“Aqueles acordos que fizemos com participação não foram cumpridos pela Fundação Renova. Em junho de 2018, teve negociação em que a empresa aceitou o laudo geral da assessoria, que inclusive fez o mapeamento das rotas de caminhão. Nessa assembleia também foram discutidos os parâmetros e diretrizes e foi enviada a lista para a Fundação Renova das pessoas que fizeram esse levantamento e que relataram problemas com moradia. No mesmo mês, em 2018, teve a conquista importante do aluguel temporário, porque famílias precisavam sair imediatamente das casas porque poderiam acontecer um acidente”, relembrou. 

Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Verônica também lamentou a saída da assessoria técnica do território, em 2021, em um contexto de negociação de direitos junto às pessoas atingidas.  

“Quando a assessoria saiu do território, em agosto de 2021, a gente tinha uma lista de 687 famílias que relatavam algum problema com moradia. Nós estávamos acompanhando 47 famílias em situação de aluguel temporário, estávamos com 22 famílias que estavam pedindo que fossem mudadas de casa por conta de problemas de moradia e várias situações de vulnerabilidade”.  

 A coordenadora institucional da Aedas concluiu a fala na audiência reforçando a importância dos estudos e da produção da assessoria ser incorporada no processo de reparação. 

“Não há por que tanto estudo, tanta produção, tanta elaboração construídos juntos com os atingidos serem desprezadas com novos processos. É importante tanto que a voz dos atingidos seja escutada quanto os processos que a assessoria vai construindo no território, porque isso sim soluciona os problemas que a população e os atingidos vivencia nos territórios”, concluiu Verônica. 

Foto: Guilherme Bergamini/ALMG
Atuação da AEDAS em Barra Longa  

A Aedas esteve de agosto de 2017 a agosto de 2021 em Barra Longa como assessoria técnica independente, tendo como principal objetivo contribuir com a participação dos atingidos no processo de reparação. Nos quatro anos de trabalho alcançamos 1812 pessoas, sendo a maioria expressiva de mulheres. 

 Confira abaixo alguns marcos importantes envolvendo o direito à moradia em Barra Longa: 

17 de julho de 2018 – Assembleia de Negociação para Reparação ao Direito à Moradia, com apresentação do Laudo Geral das Atingidas/os sobre os Danos à Moradia em Barra Longa/MG. Apresentação dos Parâmetros e Diretrizes para as Reformas, Reconstruções e Reparação. Apresentação das listas de famílias atingidas para reformas, reconstruções e casos de risco à moradia; 

26 de julho de 2018 – Conquista do Aluguel Temporário para as Famílias em Situação de Risco à Moradia. Através de muita luta, a Fundação Renova assume a obrigação pelo aluguel das famílias em situação de risco, com base no princípio da prevenção e da dignidade da pessoa humana. 

02 agosto de 2018 – Assembleia de Negociação para Reparação ao Direito à Moradia. Acordo com a Renova: reconhecimento dos Parâmetros e Diretrizes para as Reformas e Reconstruções. Além disso, foi acordado que novos atingidos poderiam ser incluídos nas listas de atingidos ao direito à moradia. 

Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Agosto de 2018 – Atingidos realizaram diversas manifestações populares e ocupação da entrada da cidade, para pressionar a Fundação Renova no cumprimento dos acordos e atendimento às famílias. 

Agosto de 2018 – Reconhecimento da luta pela moradia digna nos espaços institucionais. Realização de Mesa de Diálogo do Governo do Estado (28/08/2018) que produz recomendações sobre a situação de moradia, publicação das Deliberações 190 (Moradia Temporária) e 207 do CIF (Parâmetros e Diretrizes, Direito às Reformas e Reconstruções), validando as construções dos atingidos de Barra Longa (DESTAQUE). 

08 de julho de 2019 – Assembleia de Negociação para Reparação ao Direito à Moradia. Conquista da contratação da Equipe de Acompanhamento das atingidas/os no processo das reformas e reconstruções. A minuta do contrato não foi assinada, em desacordo com o pactuado na Assembleia. 

13 de novembro de 2019 – Assembleia Parque de Exposições. Conquistado o reconhecimento ao Levantamento de Expectativas das Famílias do Parque de Exposições quanto à reparação de suas moradias, que deve respeitar seus modos e projetos de vida; e estabelecido o prazo de dezembro/2020 para entrega definitiva das moradias. 

Em janeiro de 2020 a questão da moradia foi judicializada pelo juízo da 12ª vara federal de Belo Horizonte, hoje 4ª vara.