Atingidos-originários: indígenas Pury do Leste de Minas lutam por reparação justa na Bacia do Rio Doce e lançam Protocolo de Consulta
Nesta sexta (19), a comunidade indígena lança seu Protocolo de Consulta em evento no anexo da Câmara Municipal de Aimorés (Av. Olegário Maciel, 250)

A história do povo Pury, residente no Leste de Minas Gerais, remonta aos séculos XVI ao XIX, um período marcado pela diáspora que definiu os rumos de sua trajetória. Neste sentido, há anos, a comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí de Aimorés vem lutando por reconhecimento e justiça. Essa luta se intensificou após o desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, adicionando a busca por reparação justa às suas demandas. Como marco histórico, nesta sexta-feira (19), Dia dos Povos Indígenas, os Purys apresentarão, pela primeira vez, o seu Protocolo de Consulta Prévia e Informada.
O movimento de ressurgimento da identidade Pury tem origem em 1990. Organizados através de grupos parentais, como povos não aldeados, eles vivem nas cidades cortadas pelo Rio Doce: Aimorés, Resplendor e Itueta e, por conta disso, sofreram e ainda sofrem com os danos trazidos pelo rompimento da barragem de Fundão.
“Falar sobre o maior crime ambiental catastrófico ocorrido nas localidades onde passou por várias transformações de destruição não é fácil, até por motivos do tamanho das devastações climáticas, a morte do Rio Doce e seus afluentes, a mata aos arredores. Tekuára-Sú ” Planeta” sente muito com toda essa violência. Nosso objetivo é lutar e garantir que nossos direitos sejam tratados segundo o que mandam as leis federais nos autos”, desabafa Dauáma Meire Mniamá Purí, liderança da Uchô Betlháro Purí.
A liderança indígena ainda acrescenta que a luta por reconhecimento se funde à luta por reparação. “As empresas dos rayon [não indígenas] tentam impedir após anos de lutas, dos quase 9 anos do crime cometido, o reconhecimento dos indígenas Purí da calha da Bacia do Nhãmãtuza Orum Butã [Rio Doce], negam este reconhecimento a Uchô Betlháro Purí e à Pukíu, trazendo assim uma enorme negação de direitos garantidos pela Constituição Federal e a Convenção 169. Mas, continuamos na luta por nossos direitos, os quais são inegociáveis”, explica.

É por isso que, com tantas frentes de luta, a Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí de Aimorés passou a sentir a necessidade de elaborar coletivamente um Protocolo de Consulta Prévia. Foi por meio das reuniões para construção do Protocolo, que a Comunidade Indígena estabeleceu marcos sobre o que querem enquanto se reconhecem como “atingidos originários”, termo cunhado pela liderança dos Uchô Betlháro Purí, Dauáma Meire Mniamá Purí.
Estes ‘atingidos originários’, com o rompimento da barragem de Fundão, precisaram lidar com os danos que envolviam diretamente o Rio Doce e, com isso, esta luta passou a fazer parte da história deles e das cidades de Aimorés, Resplendor e Itueta. “Nós somos povo originário, eu não falo índio, mas originários, porque esse é um termo meio inexistente para nós, sim povos originários. Um termo mais correto, que a especificidade recai direto sobre o indígena”, explica Meire.
Após meses de dedicação, entre diálogos, oficinas, entrevistas e meticulosa escrita, com o apoio técnico da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), a assessoria técnica independente que atua em municípios do Vale do Aço e Leste de Minas, o documento garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi formatado para assegurar a participação dos indígenas nas decisões que afetam suas terras e culturas e é uma ferramenta importante dentro – e fora – do processo de reparação. A consulta livre e informada é uma ferramenta importante para assegurar os direitos dos povos indígenas e foi ratificado pelo Brasil em 2002.
A construção do Protocolo de Consulta do povo indígena Pury

No próximo dia 19 de abril, dia dos Povos Indígenas, a Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí de Aimorés lança o seu Protocolo de Consulta Prévia na versão impressa e audiovisual, além da estreia do documentário “Purí Sobreviventes do Vale”, que relata sua história e suas lutas. O evento que acontecer a partir das 18h, no anexo da Câmara Municipal de Aimorés (Av. Olegário Maciel, 250), reunindo as comunidades Pury de Aimorés, Resplendor e Itueta, autoridades políticas, representantes das Instituições de Justiça, Funai e da ATI Aedas.
Estes produtos começaram a ser construídos em maio de 2023, com o apoio da Aedas, enquanto ATI que assessora este município, realizando suporte técnico por meio das equipes de Povos e Comunidades Tradicionais, equipe de Raça e Gênero, Mobilização e Comunicação. As equipes multidisciplinares auxiliaram os indígenas a sistematizar pontos essenciais para estar em seus produtos escritos e no formato audiovisual, orientando através de oficinas e trocas técnicas aprofundadas.
O documento foi escrito pela própria comunidade que ratifica sua cultura, história, costumes e organização. Ele vai orientar o poder público e outros grupos sociais ou instituições sobre a forma que a comunidades deseja ser consultadas sobre questões que lhe são importantes, respeitando, neste caso, o formato de tomada de decisões dos próprios indígenas.
“O Protocolo de Consulta da Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí é o primeiro protocolo de consulta desenvolvido coletivamente por uma comunidade Pury no Brasil e faz parte do processo de retomada identitária dos indígenas Pury do Leste de Minas Gerais, que lutam ainda pela garantia de seus direitos como povo originário atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrida em 2015. Os Protocolos de Consulta são a mais alta expressão do seu direito próprio. Esses documentos, assim, dispõem sobre a juridicidade, especificidade e instituições de cada povo, devendo ser respeitados pelo Estado”, explica Gabriela Azevêdo, técnica da Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas no Médio Rio Doce, que acompanhou de perto a construção deste documento.
Foi também na oportunidade destes encontros para construir juntos estes produtos que os indígenas externavam sobre os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e quais as suas percepções sobre as alterações nos seus modos de vida.
“O poço de água chega a feder! Você não aguenta ficar ali na beira do rio por muito tempo. Antes você ia, ficava ali, via os animais passarem. Da parte norte, dava pra ver na parte sul aquele monte de capivara ali nadando. Morreram várias capivaras e vários peixes depois que a lama desceu”, afirmou Dauáma Meire Mniamá Purí, lamentando as perdas.
O que querem?
O Protocolo de Consulta da Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí também é um material com espaço para reflexão e reivindicações nesse processo de se firmar enquanto “atingidos originários”. Por isso, uma parte essencial da publicação é destinada a explicar o que quer a Uchô Betlháro Purí. Divididos em cinco eixos prioritários, as reivindicações deste povo estão organizadas da seguinte forma:
- Atingidos originários e o processo de reparação integral
- Educação e resgate histórico
- Políticas públicas e participação ativa
- Saúde e assistência social
- Trabalho e renda
Nestes cinco pontos, a comunidade detalha por tópicos de que forma a reparação ao seu povo deve acontecer e quais princípios devem ser respeitados. O principal dentre eles é o primeiro, onde se destaca questões sobre reconhecimento que, se efetivado, abre portas para outros direitos, tais como inclusão do Povo Indígena Pury – Uchô Betlháro Purí no Programa de Proteção e Recuperação de Qualidade de Vida dos Povos Indígenas (PG03), por exemplo. Além disso, a comunidade ainda pede compensação e reparação por danos ocorridos na ocasião da construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés.
Programação
A cerimônia que será realizada nesta sexta-feira contará com uma caminhada de todos os presentes da Câmara Municipal para o Museu Histórico de Aimorés, localizado na Av. Raul Soares 310, onde a comunidade Pury Uchô Betlháro depositará três objetos artesanais Pury, que farão parte dos objetos indígenas da coleção aimoreense.

Estes três objetos — duas esculturas das casas d’água Pury e um chocalho tradicional— serão entregues ao diretor da instituição, Michel Leonidio Zahn, e incorporados a importante coleção do Leste de Minas Gerais.
A Solenidade Ancestral, em ocasião do lançamento do Protocolo de Consulta e Consentimento Livre e Informado da Comunidade Uchô Betlháro Purí, ainda terá apresentações de canto e dança, a exibição do protocolo em vídeo e um corte do filme documentário “Purí Sobreviventes do Vale”.
Texto: Mariana Duarte – Equipe de Comunicação programa Médio Rio Doce da Aedas