Atingidos cobram direito a Auxílio Emergencial e gestão efetiva dos recursos do Anexo I.1 em reunião com juízes e IJs
Atingidos também realizaram marcha em defesa a continuidade do PTR ou de um novo auxílio emergencial

Cerca de 1.000 atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho se reuniram nesta terça-feira (13/05), em Belo Horizonte, em uma grande mobilização por justiça e reparação. A atividade foi organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e contou com a presença de atingidos das cinco regiões da Bacia do Paraopeba e da Represa de Três Marias.
A mobilização teve como foco a defesa da continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR) por meio de um Auxílio Financeiro Emergencial, como garantido na Lei de Direitos dos Atingidos (PNAB). Outro ponto de pauta foi a cobrança por participação efetiva na gestão dos recursos do Anexo I.1 (projetos de demandas das comunidades atingidas), além da transparência na gestão do fundo de estruturas de apoio (fundo de R$ 700 milhões).

A concentração ocorreu na sede do Incra, na Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. Na parte da manhã, as pessoas atingidas seguiram em marcha do Incra até o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), onde um grupo de atingidos das cinco regiões da Bacia, incluindo Povos e Comunidades Tradicionais, participou de uma reunião com a juíza Maria Dolores, do TJMG, relatora da ação que pede a continuidade do PTR ou de um novo auxílio emergencial.
Reunião com juíza relatora

A reunião com os atingidos desta terça teve como objetivo compartilhar com a juíza a realidade das comunidades nos territórios, seis anos após o desastre-crime.
No dia 24 de abril, Maria Dolores Gióvine Cordovil acatou o pedido da Vale de não realizar o depósito de 1/3 do valor suplementar necessário à continuidade do Auxílio Emergencial, estimado em mais de R$ 700 milhões, que foi determinado pelo juiz Murilo de Abreu na 1ª Instância, no dia 28 de março. A decisão foi fruto de uma Ação Civil Pública que pediu tutela de urgência solicitando Auxílio Emergencial ou continuidade do PTR, protocolada no dia 14 de março.
Shirlene Gerdiken, da comunidade de Aranha, em Brumadinho, avaliou a reunião como positiva:
“A justiça, de fato, é um pouco crua. É preto no branco, é papel. E a vivência dos atingidos é outra coisa — isso não chega até os tribunais. E como nós, por várias questões, nunca fomos escutados, é muito importante que a desembargadora, que vai resolver essa questão, nos escute. A gente tem sempre a versão da criminosa, mas a versão dos atingidos, para chegar numa autoridade, é muito difícil. Achei importantíssimo”, afirmou.
Para o coordenador do MAB, Guilherme Camponez, a mobilização é fundamental para garantir o direito ao Auxílio Emergencial:
“Primeiro, nós temos direito ao auxílio emergencial, porque ele está garantido na PNAB. Segundo, é uma medida de mitigação, é uma medida necessária que o povo precisa até que a reparação seja concluída. Enquanto não tem reparação, o povo tem que ter auxílio emergencial. E terceiro, a reparação não foi concluída, e ela está longe de ser concluída”, afirmou.

De acordo com Camponez, a juíza destacou que está disponível para ouvir a população atingida. Ele relembrou que, apesar da decisão da magistrada em acatar o pedido da Vale, ainda há campo de vitória para as pessoas atingidas:
“Ressaltando que a decisão definitiva sobre o destino da nossa Ação ainda vai ser tomada, e agora a juíza está muito bem-informada. Cumprimos a nossa primeira missão do dia aqui hoje”, avaliou Camponez.
A expectativa das pessoas atingidas é que a juíza reveja a tutela de urgência para que a Vale faça os repasses para o PTR, conforme decisão judicial proferida pelo juiz Murilo.
Cláudia Saraiva, de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, que participou da reunião, vê o diálogo com otimismo: “Se ela (juíza) for agir de acordo com a justiça, e eu tive a impressão que sim, acho que nós vamos ser reconhecidos por aquilo que é de direito nosso”, disse.
Atingidos e Atingidas marcham exigindo justiça

Após o almoço, as pessoas atingidas seguiram em nova Marcha, dessa vez, em direção à Praça Sete e a Praça da Estação no centro de Belo Horizonte. O objetivo da Marcha foi dialogar com a sociedade sobre a situação das comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho.
Margarida Teixeira, da comunidade Funil em Mário Campos, comenta sobre os motivos que fazem a continuação do PTR ser fundamental para a reparação:
“Nós precisamos desse dinheiro até que a Vale faça a reparação para que possamos voltar a produzir. Era uma região do povo trabalhador. O povo não dependia de nada! Cada um tinha sua própria renda, muito mais que o PTR e hoje não temos mais. Ninguém pode pescar, as plantas, as árvores, na beira do rio estão morrendo tudo.”
Ubiratan, da comunidade Casinhas em Brumadinho, relata os principais problemas que ainda são enfrentados no território atingido e defende o PTR como direito dos atingidos:
“É uma questão de saúde. Estamos sendo contaminados com metais pesados, coisas sérias! O pessoal dentro do território adoecendo no dia a dia, idosos morrendo com antecedência, crianças com problema pulmonar. É uma coisa muito ruim pra gente, e o PTR realmente ajuda. O auxílio emergencial é importante para todos — não podemos deixar cortar! Enquanto não houver reparação, não pode haver corte! Precisamos de mais ajuda, precisamos ser respeitados.”
Reunião com juiz Murilo

Enquanto ocorria a marcha pelas ruas do centro de Belo Horizonte, outro grupo de lideranças cumpriu uma agenda com o Dr. Murilo de Abreu. Na reunião, foram tratadas pautas sobre a Ação Civil Pública relacionada ao PTR ou novo Auxílio Emergencial e sobre a gestão dos recursos do Anexo I.1.
As Instituições de Justiça anunciaram a intenção de utilizar dos recursos do Anexo I.1 — Projetos de Demandas das Comunidades e Crédito e Microcrédito — valores para pagar os custos das ATIs nos próximos dois anos. Para o MAB e outras organizações e comissões de pessoas atingidas, a tentativa de utilizar essa verba compromete os projetos de reparação comunitária.
“Nós reafirmamos para o juiz Murilo a necessidade de manter a decisão que ele já havia tomado quando homologou a proposta final e que ele esclarecesse vários pontos que a Cáritas, a ANAB e a E-Dinheiro — que são as entidades gestoras — pediram ao juízo. Ele disse que, nos próximos dias, trará esses esclarecimentos para garantir que aquilo que já estava combinado seja cumprido, inclusive o que já havia sido homologado judicialmente”, pontuou Joceli Andreoli, da coordenação nacional do MAB.
Segundo Joceli, na conversa com o juiz Murilo também foi cobrada a prestação de contas dos R$ 700 milhões, recurso previsto no Acordo Judicial para as estruturas de apoio e assessorias técnicas a todos os atingidos. O juiz fez o pedido às instituições responsáveis e se comprometeu a dar respostas nos próximos dias.
“Nós pedimos a participação dos atingidos para definir qual será a prioridade para o dinheiro que ainda resta desse fundo, porque é um direito que os atingidos têm. E, se faltar recurso, a Vale terá que aportar mais recursos nesse ponto também”, afirmou Joceli.

Camila, atingida de Casa Branca, em Brumadinho, detalhou como foi a reunião com o Dr. Murilo:
“A gente passou para ele a questão da reunião com a desembargadora. Ele está aguardando a decisão dela para se posicionar sobre os próximos passos, inclusive a construção de um novo auxílio, um outro programa que não seja o PTR, mas com a presença dos atingidos em uma audiência pública. Dr. Murilo, como sempre, muito humano, julgando o certo pelo certo.”
Michelle, atingida de Monte Calvário, em Betim, falou sobre as demandas que foram levadas e questionou a decisão sobre os recursos das ATIs:
“Nós trouxemos a demanda do PTR. A gente precisa que essa suspensão caia, porque o povo está sofrendo. Esse corte foi muito ruim para nós, como povo atingido. Trouxemos também a questão do Anexo I.1. Concordamos com muita coisa que foi feita, mas não concordamos com a origem do dinheiro utilizado para pagar as ATIs, porque é um dinheiro nosso. A gente quer as assessorias em campo — precisamos delas, são uma ótima ferramenta para nós —, porém, não concordamos com a forma como o dinheiro está sendo realocado. A gente precisa que esse recurso volte para o povo atingido. A perspectiva dele era ser utilizado com e para o povo atingido, e isso deve acontecer conforme previsto no Anexo I.1.”
Diálogo com o MP

Para encerrar as atividades do dia de luta das pessoas atingidas da Bacia do Paraopeba, um grupo de lideranças participou de uma reunião no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Além das representações das 5 regiões, participaram da reunião representantes do MPMG (Shirley Machado e Leonardo Castro Maia), da Defensoria Pública de Minas Gerais (Antônio Lopes de Carvalho Filho e Antônio Lopes de Carvalho Filho) e do Ministério Público Federal (Carlos Bruno Ferreira da Silva).
No diálogo, foram abordados temas como o andamento da discussão da necessidade da continuidade de um Auxílio Emergencial, a centralidade da participação das atingidas no andamento do I.1 e a transparência dos R$ 700 milhões, recursos previstos na cláusula do Acordo que trata das estruturas de apoio para a sua execução.
Sueli moradora do Pires em Brumadinho, relatou que os compromitentes escutaram as demandas que as lideranças da Bacia presentes à reunião trouxeram para o diálogo, entre elas, as dificuldades com o corte do PTR: “[o PTR] tá fazendo falta. As pessoas utilizam esses valores para comprar medicamentos e, até mesmo, para alimentação”, disse.
A atingida Josiane Ribeiro, do bairro Fhemig em São Joaquim de Bicas, relata que tinha a expectativa que a reunião trouxesse respostas mais conclusivas em relação do PTR:
“Em relação ao PTR os compromitentes deixaram a desejar, nos respondendo escorregadiamente. Queremos respostas já! Queremos respostas conclusivas. Daqui pra frente vamos continuar lutando e persistindo na luta”, enfatizou.
Ilza Marcia, atingida de Brumadinho, informou que as IJs se comprometeram em seguir aprofundando o diálogo sobre os pontos trazidos com a população atingida.
De acordo com André Cavalcante, da Aedas, “as Instituições de Justiça (IJs) se comprometeram em reforçar a necessidade de urgência das informações a partir da auditoria que foi contratada para levantar detalhes orçamentários da execução do acordo e para a boa gestão dos recursos das estruturas de apoio. Assumiram o compromisso com a divulgação dessas informações sobre cumprimento dos prazos, correções monetárias e adequado fluxo entre as contas bancárias do acordo, conforme previsto na petição conjunto de abril. A auditoria deverá ter acesso completo e irrestrito aos extratos bancários de todas as contas relacionadas ao Acordo.”
André acrescenta que os diálogos realizados durante todo o dia permitiram que fosse apresentada a realidade do território, as situações de vulnerabilidade e a centralidade do auxílio emergencial para a vida das pessoas atingidas:
“Foram feitas avaliações sobre a situação atual das comunidades, sobre a situação de saúde das populações atingidas, o nível de insegurança alimentar e, principalmente, reforçada a necessidade de um auxílio enquanto a reparação não caminha como deveria. Foi feito um processo de apresentação de alguns dados sobre os atrasos para mostrar a necessidade de participação dos atingidos em todo o processo e do Auxílio para garantir condições de participação e de vida para a população atingida”, reforçou.
Direito ao PTR

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) manifestou, por meio de uma carta, preocupação diante da decisão do Judiciário que suspendeu a obrigação da Vale S/A de realizar o depósito judicial de quantia suficiente para honrar o pagamento às famílias que integram o Programa de Transferência de Renda (PTR). No documento, são apresentadas as seguintes reivindicações:
• O depósito integral, por parte da Vale S/A, dos valores necessários para a continuação dos pagamentos mensais às pessoas atingidas que recebem o PTR, nos patamares anteriores à redução de março de 2025;
• A estruturação de um auxílio emergencial que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e os indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às anteriores ao desastre-crime, conforme previsto na Lei 14.755/2023 — Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
Acesse a carta completa sobre o PTR:
Participação na gestão do Anexo I.1

O Movimento também divulgou uma carta expressando preocupação diante da deliberação das Instituições de Justiça (IJs) sobre o Anexo I.1.
• A prestação de contas completa do fundo de R$ 700 milhões destinado às estruturas de apoio;
• A garantia do uso exclusivo do Anexo I.1 pelas comunidades atingidas, conforme pactuado;
• A valorização das ATIs, com financiamento adequado e autonomia garantida;
• A participação efetiva das pessoas atingidas em todas as etapas da reparação no Anexo I.1.
Acesse a carta completa sobre o Anexo I.1: