Atingidas e Atingidos do Vale do Aço apresentam demandas em caravana promovida pelo governo federal
Atingidas e atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão participaram ativamente da caravana interministerial promovida pelo governo federal, levando suas demandas aos representantes do poder público. No Vale do Aço, na última quarta-feira (26), os encontros ocorreram durante a tarde em Ilha do Rio Doce, distrito de Caratinga, e à noite em Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente, reunindo moradores e lideranças das pessoas atingidas.
A caravana contou com a participação de representantes de movimentos sociais, assessorias técnicas independentes e membros do governo federal. Entre os representantes do governo, estiveram presentes Vitor Sampaio e Zilda Onofre, da Secretaria-Geral da Presidência da República; Maria Angélica Fontão, da Casa Civil; Sérgio Rossi, do Ministério da Saúde; Célia Márcia Paulino, do Ministério do Desenvolvimento Social; Adriana Aranha, do Ministério do Desenvolvimento Agrário; Erin Fernandes, do Ministério da Educação; Alexandre Mário de Freitas, do Ministério de Minas e Energia; além de Bárbara Turra e Evandro Medeiros, coordenador de políticas educacionais para o campo no Ministério da Educação, entre outros representantes de diferentes pastas.
Durante a caravana, as pessoas atingidas reforçaram a necessidade de uma reparação integral e justa, destacando problemas estruturais que ainda causam danos quase dez anos após o desastre-crime. Entre as principais reivindicações apresentadas na Ilha do Rio Doce estão a garantia de acesso à água potável, retoma econômica, saneamento básico e a participação efetiva no novo acordo de reparação.
Roselma Pereira, atingida da comunidade de Senhora da Penha, Fernandes Tourinho (MG), destacou a longa espera das pessoas atingidas por uma reparação justa. “Já se passaram mais de nove anos e ainda aguardamos as indenizações. Enquanto isso, há pessoas passando fome e crianças adoecendo. Só agora conseguimos água para a comunidade, mas até hoje esperamos um retorno sobre a análise da qualidade dessa água. Solicitamos ajuda do CRAS, mas não fomos atendidos. Estudos já comprovaram que a terra está contaminada para o plantio, mas nossas crianças continuam comendo o que nasce da terra. Quem olha por elas?”, questionou.
Roselma também compartilhou a dor de perder sua filha. “Ela bebia dessa água e reclamava de dor, mas nunca tivemos acesso a exames que pudessem comprovar se estava contaminada ou não. Muitas vezes, não tínhamos o que comer. Os únicos que nos ajudaram foram o MAB e a ATI. Agora, também queremos saber: como será o tratamento das mães solos na repactuação? Precisamos de respostas e de ajuda real para as pessoas atingidas.”
Já Alexsandra Samora, atingida da Ilha do Rio Doce, em Caratinga (MG), fez um apelo direto ao representante do Ministério da Saúde. “O que significa saúde para vocês? Não adianta investir na área sem garantir saneamento básico, educação e alimentação. Queremos soluções concretas, não apenas a presença de representantes do governo”, afirmou.
Ela criticou a exclusão de muitos atingidos do novo acordo de reparação. “A maioria dos ribeirinhos ficou de fora. O que acontecerá com aqueles que não são elegíveis nem para a CAF, nem para o PTR Pesca? E as outras categorias profissionais? Onde exatamente essas medidas serão implementadas?”, questionou.
Alexsandra também denunciou a precariedade da infraestrutura local. “A Ilha do Rio Doce não tem saneamento básico. Como falar em saúde sem considerar saneamento, alimentação e acesso a serviços essenciais? Nem sequer temos um CRAS por perto. O mais próximo fica no Centro de Caratinga, mas os atendimentos não chegam até nós”, desabafou.
Outro ponto reivindicado pela comunidade é a implementação de estruturas e estratégias que garantam o acesso ao lazer, prejudicado desde o rompimento da barragem de Fundão. Antes, as atividades recreativas das pessoas atingidas aconteciam ao longo do Rio Doce, mas, com a contaminação do rio, não há praças ou equipamentos públicos que supram essa necessidade.
O representante do Ministério da Saúde, Sérgio Rossi, afirmou durante o encontro com as pessoas atingidas que o governo federal está desenvolvendo o Programa Especial de Saúde do Rio Doce, uma iniciativa voltada para atender as demandas específicas de saúde da população atingida. Segundo ele, o programa funcionará como um grande guarda-chuva de ações prioritárias, construído de forma coletiva.
“Entendemos que saúde é uma demanda muito grande dos territórios. No anexo 08 está previsto programas voltados especificamente para a saúde da população atingida. Haverá programas com atenção especial a saúde e demandas da população ao longo do Rio Doce” afirmou.
Rossi destacou que 49 secretarias municipais de saúde serão responsáveis por elaborar planos de ação para garantir que as medidas sejam implementadas de acordo com as necessidades de cada território.
Pescadores e pescadoras na luta por direitos
Outro ponto crucial para as pessoas atingidas é o reconhecimento dos pescadores artesanais. Em carta-manifesto, pescadores artesanais atingidos do território 03, explicam que muitos atingidos e atingidas tiveram sua principal fonte de renda destruída pela contaminação dos rios atingidos pela lama de rejeito de minério da Samarco, Vale e BHP Billiton.
“Grande parte das pessoas atingidas ainda não foram formalmente reconhecidas como atingida e, por isso, seguem sem acesso às indenizações e medidas de compensação. As pessoas dependem do rio para viver, mas até hoje não conseguem ser reconhecidas como atingidas e atingidos de direito”, aponta o documento.
Além disso, as dificuldades de acesso a políticas públicas voltadas à agricultura familiar geram preocupação. Muitos produtores enfrentam obstáculos burocráticos para se cadastrar no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), documento essencial para a obtenção de benefícios e incentivos.
Em sua fala, Jandir Arcando, conhecido como Jandirinho, liderança dos atingidos e dos agricultores do município de Periquito, fez um apelo aos representantes do governo federal por novos prazos para que as pessoas atingidas cadastradas no CAF consigam acesso o Programa de Transferência de Renda (PTR-Rural e o PTR-Pesca).
“Precisamos de mais prazos, de novas leis, de mais tempo. Os prazos atuais foram curtos para que as pessoas conseguissem reunir a documentação necessária para garantir seus direitos, principalmente porque as datas coincidiram com o final do ano, quando houve muitos feriados e recessos. Quanto à questão do LMEO, achamos que os 5 km estipulados são insuficientes. A área precisa ser ampliada, pois muitas pessoas atingidas estão fora dessa faixa e não podem ser esquecidas”, afirmou.
Além da demanda urgente pela reabertura dos prazos de cadastramento e pela ampliação do acesso ao Programa de Transferência de Renda (PTR), que poderia amenizar as dificuldades financeiras de diversas famílias, Jandirinho também denunciou que os jovens não foram reconhecidos dentro do novo acordo de reparação e pedi medidas reparatórias e reconhecimento aos jovens dentro do processo.
Em resposta às demandas apresentadas sobre o CAF, Adriana Aranha, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), destacou um avanço significativo no número de cadastrados na região, que passou de 9 mil para quase 18 mil registros no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF). “Isso é um feito histórico. É um desafio mobilizar todos os agricultores familiares, e sabemos que ainda há pessoas que ficaram de fora, mas o CAF é um direito de vocês e o cadastro pode continuar sendo feito”, afirmou.
Ela explicou que o CAF é um instrumento essencial para garantir o acesso dos agricultores familiares a programas de microcrédito, como o Pronaf. “Antes, isso se chamava DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), mas, entre 2014 e 2015, foi transformado no cadastro atual. Assim como o CadÚnico é uma referência para programas sociais, o CAF funciona da mesma forma para a agricultura familiar, permitindo mapear onde estão os agricultores e viabilizar a criação de políticas específicas para o setor”, explicou.
Adriana ressaltou que o CAF facilita o acesso a recursos com juros reduzidos e incentiva iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a mecanização do campo e a aquisição de equipamentos adaptados à agricultura familiar. “Com o CAF, podemos fortalecer a compra direta da produção da agricultura familiar para abastecer escolas, Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), projetos sociais e prefeituras, garantindo renda e desenvolvimento para os agricultores”, concluiu.
Texto: Thiago Matos – Assessoria de Comunicação do Programa Médio Rio Doce da Aedas