Equipes estarão em 15 municípios do Vale do Aço e Leste de Minas e acompanharão aproximadamente dois mil núcleos familiares   
Aplicação teste do Registro Familiar no distrito de Pedra Corrida (Periquito-MG) pela equipe da Aedas

As mais de 50 milhões de toneladas de rejeito tóxico de minério que invadiram o curso do Rio Doce após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), pertencente à mineradora Samarco – controlada pela Vale S/A e BHP Billiton, ainda deixam marcas visíveis – no meio ambiente e nas pessoas – mais de sete anos depois do desastre, que aconteceu em 2015. A extensão dos danos causados continua a exigir mobilizações nas áreas jurídicas, de políticas públicas e restabelecimento de seus modos de vida. É por isso que, na próxima segunda-feira, 17 de julho, as pessoas atingidas passarão a construir um novo instrumento na busca pela garantia de seus direitos.  

O trabalho de construção de banco de dados a ser iniciado é fruto da atuação da Assessoria Técnica Independente, uma conquista alcançada pelos atingidos e atingidas após intensa mobilização popular iniciada em 2016, mas só efetivada em novembro de 2022 por decisão judicial. Por meio da aplicação do “Registro Familiar” será possível sistematizar e analisar diversos danos sofridos através da apuração de um banco de dados centrado no relato das pessoas.    

Em municípios do Vale do Aço e Leste de Minas é a Aedas, Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social, que realizará os trabalhos desse direito conquistado pelas pessoas atingidas. Cerca de 155 profissionais da assessoria atuarão nos municípios de Belo Oriente, Naque, Ipaba, Ipatinga, Periquito, Bugre, Iapu, Santana do Paraíso, Fernandes Tourinho, Sobrália, Caratinga; além de Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta e Aimorés.  

Através do registro familiar será feito o levantamento de informações com o objetivo de qualificar o perfil e a intensidade dos danos que as pessoas atingidas sofreram, bem como as formas de comprovação desses danos no processo judicial. A expectativa é que dois mil núcleos familiares sejam acompanhados na primeira etapa da aplicação.   

Para Maria Teresinha, de 74 anos, os últimos sete anos foram de muitas perdas. Moradora de Pedra Corrida, distrito do município de Periquito, ela é uma das milhares de pessoas que tiveram o modo de vida afetado pelo rompimento da barragem. Como ex-pescadora, pondera com tristeza a ausência da convivência com o manancial. “Eu pesquei durante 40 anos e do Periquito pra cá, a gente pescava sempre. Minha vida ficou muito mais difícil depois de tudo”, relembra.    

Atualmente, Maria tem dificuldade de locomoção, problemas de saúde e baixa visão. Para as atividades diárias, conta com a ajuda da neta Franciele Késia, funcionária pública, que reforça o cenário de insegurança. “A gente é jovem, tem saúde, a gente luta. Mas para ela que está ficando cega com diabetes e tem outros problemas, precisaria de um auxílio melhor. Desde a tragédia, o trem desandou, quem veio de fora pegou (auxílio), e as pessoas que estão aqui não receberam. A gente espera notícias melhores agora com uma Assessoria Técnica boa que representa os atingidos”, expressa.  

Mãos da ex-pescadora Maria Teresina com as marcas de toda uma vida dedicada ao Rio Doce – Foto: Glenda Uchôa
Agendamento do Registro Familiar 

Para a aplicação de forma mais direta, as equipes entrarão em contato com antecedência para agendar o dia, horário e local com as pessoas atingidas. No encontro, será feita a leitura e assinatura do Termo de Consentimento, que dá validade ao levantamento, e a aplicação com a pessoa de referência de cada núcleo familiar.    

Clarissa Pais, coordenadora de mobilização da Aedas, reforça a importância da adesão popular na aplicação do registro, que tem como principal foco contribuir na busca pela reparação dos danos sofridos pelo rompimento da barragem de Fundão.  

 “As pessoas devem se perguntar, de que forma o Registro Familiar vai me ajudar na luta pelos meus direitos? E a resposta é: O RF possibilita que a Aedas tenha conhecimento de quais são as principais demandas das pessoas atingidas nos territórios. Então, quanto mais aplicações de RF forem feitas mais a gente consegue mostrar que as demandas dos territórios são coletivas e reais. Além disso, é através do Registro que a Assessoria consegue, ao ter conhecimento de quais são as principais demandas das pessoas atingidas, argumentar, justificar e defender essas demandas do povo”.   

Espaço de diálogo entre Assessoria Técnica e pessoas atingidas no Vale do Aço – Foto: Glenda Uchôa
Aplicação em municípios 

A aplicação do registro familiar será realizada em todos os municípios acompanhados pela Aedas na bacia do Médio Rio Doce, e pode ser solicitada por todos os núcleos familiares formados por pessoas que se reconheçam como atingidos/as e que estejam interessadas no acompanhamento da ATI no processo coletivo de reparação integral.   

Todas as perguntas do Registro Familiar serão aplicadas através de uma plataforma específica e foram intensamente debatidas pelas equipes técnicas da Aedas. A ideia é que o instrumento garanta a percepção da transversalidade de temas que envolverão: acesso e qualidade da água, segurança alimentar, saúde, atividades econômicas, enchentes, renda familiar, aumento de despesas, acesso à informação, entre outras.   

Pessoas atingidas navegando pelas águas turvas do Rio Doce após rompimento – Foto: Felipe Cunha/Aedas

Segundo Thomas Parrilli, geógrafo e coordenador da Equipe Socioambietal da Aedas, o levantamento de informações sobre a qualidade e disponibilidade de água antes e depois do rompimento é importantíssima para o processo de reparação.    

“Diversas comunidades na região ficaram sem acesso à água temporariamente ou ainda sofrem com a qualidade da água para consumo humano. As perguntas relacionadas a esse tema são fundamentais para caracterizar a situação hídrica na Bacia. Assim como as perguntas relacionadas às enchentes no rio Doce, que sabemos que é um tema crucial para a população que reside próxima às margens do rio e viram as enchentes se agravarem após o rompimento”, considera Thomas.  

As primeiras aplicações ocorrerão em formato de mutirão, nos municípios de Naque e Belo Oriente na segunda-feira, 17 de julho:

– Em Naque, os técnicos se concentram no clube do Neneco, rua Guiomar Soares Costa, 355, a partir de 9h30.
– Em Belo Oriente, a atuação será no distrito de Cachoeira Escura, na Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Rua José Silvio Pereira, 295, também às 9h30.  
– No Leste de Minas, as cidades que receberão as primeiras aplicações do Registro Familiar serão Aimorés, dia 18 de julho, de 13 às 22 horas na Comunidade Santo Antônio, na Barra do Manhuaçu.
– A outra cidade do Leste de Minas que receberá a aplicação do Registro Familiar em 18 de julho será Resplendor.  

Texto: Glenda Uchôa – Equipe de Comunicação do Médio Rio Doce