Assembleias realizadas por pessoas atingidas reafirmam reivindicações e propostas para o Governo Federal
Estima-se que cerca de 1.600 pessoas estiveram presentes nas assembleias realizadas em nove municípios de Minas Gerais

A quadra poliesportiva lotada em Cachoeira Escura, no município de Belo Oriente, dessa vez não foi palco de disputa esportiva. Na noite da última terça-feira (18), o que estava em jogo era a necessidade de alertar sobre as injustiças experimentadas pelas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Os relatos que ecoaram em tom de denúncia e pedidos de socorro foram registrados nas assembleias ao longo de toda Bacia do Rio Doce em espaços organizados pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Comissões de Atingidos e Atingidas e Assessorias Técnicas Independentes com a presença de representantes do Governo Federal. Estima-se que cerca de 1.600 pessoas estiveram presentes nas assembleias realizadas em nove municípios de Minas Gerais.
Eliana Gomes, da Ilha do Rio Doce, comunidade que pertence a Caratinga, foi uma das dezenas de pessoas que usou do espaço de fala e escuta qualificada para denunciar as dificuldades sofridas desde que o rompimento impôs limitações em diferentes aspectos de sua vida pessoal e em sua comunidade.
“Só quem sente na pele que consegue definir a dor. Nós estamos aqui em luto, nós estamos pra reivindicar. Somos ribeirinhos e é muito difícil passar um ano que não vem uma enchente. A cada nova enchente que vem trazendo resíduos, a gente tem que entrar em contato com aquela lama pra limpar a casa e acaba adoecendo. E como fica a situação de quem não tem renda?”, alertou.


Luiza Dulci, assessora da Secretaria-Geral da Presidência da República, destaca que 14 ministérios do Governo Federal têm se dedicado a construir propostas que de fato atendam às demandas das pessoas atingidas no processo de repactuação, como é chamado o novo acordo a ser estabelecido entre as empresas causadoras do desastre-crime, a União, Estados, municípios e instituições de justiça.
Além dela, a comitiva do governo que percorreu 15 municípios mineiros e capixabas para ouvir as demandas das comunidades também contou com a presença de membros dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar.

“A gente entende que seria muito ruim sentar na mesa de negociação e não ouvir as pessoas atingidas, sem conhecer de perto as demandas, o que foi feito e o que não foi feito”, afirma a assessora da Secretaria-Geral da Presidência. Luiza destacou ainda que a ideia da constituição do Conselho de Participação Social é ter um espaço permanente e coletivo com a presença dos atingidos, das organizações sociais, de entidades como o Comitê das Bacias, as assessorias técnicas independentes, o poder público e os ministérios do Governo Lula.
“Membros que assumam a responsabilidade de garantia de políticas públicas para poder se encontrar de forma periódica. A gente propõe que esses encontros sejam nos territórios atingidos”, frisa.
Outra proposta que facilitaria a participação necessária para o processo de reparação é a criação de um ponto de atendimento do Governo Federal que está sendo chamado de “Casa do Governo Federal na Bacia do Rio Doce” onde pessoas atingidas poderiam buscar de forma facilitada o acompanhamento da execução das políticas de reparação.
Já no que tange às questões financeiras, a comitiva do governo esboçou a ideia da criação de um Fundo Popular em que os próprios atingidos poderiam ter controle para decidir, nos municípios ou distritos, os projetos que devem ser realizados e o acompanhamento da execução dos mesmos com o dinheiro advindo dos recursos da repactuação.
Presença inédita
Essa presença institucional para escuta das pessoas atingidas é considerada inédita nos municípios. Valeriana Gomes, produtora rural e comerciante do município de Naque, afirma que os anos que sucederam o rompimento da barragem de Fundão consolidaram muitas injustiças nos municípios que dependem do Rio Doce.

“Nós somos ribeirinhos da cidade de Naque e é uma preocupação muito grande porque a gente vê todo mundo falando em indenização, mas na realidade isso não está acontecendo. Os ribeirinhos, os atingidos estão ficando sem direitos. O primeiro direito dos atingidos é o auxílio financeiro emergencial e eles precisam ter esse direito reconhecido porque os danos são, até hoje, corriqueiros. Hoje, graças a Deus temos nossa assessoria técnica que chegou e agora a gente tem acesso ao governo. Os atingidos estão pedindo socorro e que o governo possa entender as nossas dificuldades”, afirma Valeriana.
Em Resplendor, município do Leste de Minas, Celina Maria faz o reforço da realidade que assombra a vida das pessoas atingidas: a perda de renda após o rompimento da barragem. Ela teve de abandonar a atividade de trabalho como pescadora após o desastre-crime no Rio Doce, além de um extra no ganho de renda como agricultora. “Eu não sou aposentada e consegui receber o auxílio, mas meu marido nunca recebeu até hoje. Lá em casa são oito galões de água pra beber, fazer comida, a gente gasta muito sem ter. Antes, eu tinha plantas no meu quintal e vendia, doava, agora hoje não tem mais nada”, destaca.
A deputada estadual, Beatriz Cerqueira (PT-MG), que esteve acompanhando todas as assembleias, destacou a presença marcante das mulheres na luta e na construção diária pela reparação integral. Ela afirmou que foram as mulheres que tiveram aumento na carga de trabalho, após o rompimento. “São elas que estão na luta, que trazem o cartaz, que passam horas infinitas lutando por seus direitos, que tem que administrar as suas casas, [lidar com] o aumento do trabalho doméstico que aconteceu após o rompimento. Administrar as doenças nas casas de todo mundo. As doenças aumentaram depois desse rompimento”, disse a deputada estadual Beatriz Cerqueira.
Em Naque, Cachoeira Escura, Resplendor e Aimorés os relatos foram registrados através da realização da Assembleia Por Direitos e Justiça: indenização justa já! organizada pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e Comissões de Atingidos com a presença da Aedas, na condição de Assessoria Técnica Independente que acompanha os munícipios de Belo Oriente, Naque, Ipaba, Ipatinga, Periquito, Bugre, Iapu, Santana do Paraíso, Fernandes Tourinho, Sobrália, Caratinga; além de Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta e Aimorés.
O MAB divulgou que fará assembleias em todas as comunidades em que atua preparando as pessoas atingidas para o processo de mobilização que realizará atos regionais de denúncia e reafirmação da pauta que será levada ao Presidente Lula na Jornada Nacional que acontecerá entre 11 e 14 de setembro, em Brasília.


“Estamos em um momento muito importante na luta pela reparação dos danos dos crimes no Rio Doce. A Repactuação avança e o governo Zema atua para acelerar o acordo de forma a trazer grandes prejuízos para os interesses do povo. Mas, precisamos torná-la uma oportunidade de avanços, de consolidarmos fundos que serão geridos com participação popular com órgão federal próximo ao contexto dos atingidos. E só teremos conquistas pressionando os governos e empresas com luta nas ruas e este é o plano que o movimento está construído nas comunidades. Sem isto, não haverá nem protagonismo popular e, muito menos, avanços em direitos”, comenta Camilla Brito, integração da coordenação nacional do MAB.
A agenda organizada pelo atingidos e atingidas em MG ainda recebeu o Governo Federal em Mariana, Timóteo e Governador Valadares, cidades assessorada pela Cáritas MG; Barra Longa, que em breve voltará a ser assessora pela Aedas; e Tumiritinga, assessora pelo Centro Agroecológico Tamanduá (CAT).
Pesquisa, ações em saúde e atenção aos produtores rurais
A extensão dos danos causados desde o rompimento se perpetua em toda Bacia do Rio Doce, principalmente nos prejuízos deixados à saúde das pessoas. Segundo o Governo Federal, propostas já estão sendo pensadas para atender a necessidade dessas lacunas criadas ao longo desses sete anos.
Gabriela Reis, assessora técnica do Ministério da Saúde, explica que uma das possibilidades é que parte dos recursos da repactuação reforcem o Sistema Único de Saúde (SUS) em demandas específicas das pessoas atingidas. “A gente conseguiu junto ao poder público e a União que a reparação em saúde seja feita a partir do Sistema Único de Saúde. Isso é uma vitória para o povo porque o SUS tem participação garantida da população para controle das contas públicas e para avaliação”, afirma.

Além disso, a pasta também propõe ações específicas para acompanhar as pessoas atingidas no monitoramento da saúde através da inteligência epidemiológica, em atuações capazes de medir a contaminação por metais pesados no sangue, cabelo ou pelo das pessoas.
Outro pronto tocado pelos representantes do Governo Federal, foi a questão à atenção às comunidades tradicionais e aos pequenos e médio produtores rurais. Durante a assembleia realizada em Naque, Lucas Zenha, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar pediu que se houvesse agricultores e produtores rurais na assembleia, que relatassem sobre os danos do rompimento sobre propriedades, produções e endividamentos com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

“Muitas informações que a gente já possui, de vários municípios, no qual os produtores estão inadimplentes com o Pronaf, comparados com outros municípios de Minas. A gente já tem essa informação de grande quantidade de pessoas endividadas, então há propostas também do Ministério do Desenvolvimento Agrário que perpassa por isso, para que as pessoas possam futuramente acessar novamente o Pronaf consigam retomar a produção agropecuária, produtividades, correção do solo, participar do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Além de assistências técnicas e extensão rural, que é com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, junto com o INCRA”, explica.
Início do Registro Familiar pelas assessorias técnicas
Nos municípios acompanhados pela AEDAS, as assembleias foram antecedidas pelos mutirões para aplicação do Registro Familiar (RF). A ação acontece desde segunda-feira, 17 de julho, em municípios do Leste de Minas e Vale do Aço.
Por meio da aplicação do RF será possível sistematizar e analisar diversos danos sofridos através da apuração de um banco de dados centrado no relato das pessoas. Além dos mutirões, as aplicações também acontecem de forma direta por visita domiciliar.


Para isso, as equipes da Aedas entraram em contato com antecedência para agendar o dia, horário e local com as pessoas atingidas. No encontro, é feita a leitura e assinatura do Termo de Consentimento, que assegura a proteção dos dados levantados e a aplicação com a pessoa de referência de cada núcleo familiar.
Thomas Parrilli, geógrafo e coordenador da Equipe de Socioambietal da Aedas, destaca que a Assessoria tem o compromisso de acompanhar atentamente as medidas de reparação nos territórios em que atua. “Nesse processo de repactuação queremos reafirmar que a assessoria técnica está ao lado dos atingidos e atingidas. Estamos traçando uma caminhada junto as comunidades. Neste caminhada, há elementos importantes e o registro familiar é um deles. O registro não é o início e nem o fim do processo de assessoria técnica, mas é uma etapa fundamental para nossa caminhada na busca de direitos!”, explica.
Já a também geógrafa e coordenadora de mobilização da Aedas, Geovanna Januário, destaca que os próximos passos junto aos atingidos seria a consolidação dos espaços participativos. “A gente também vai ter, daqui para a frente, grupos de atingidos e atingidas (GAA), rodas de diálogos, seminários temáticos, que são espaços que a gente está em construção com os atingidos, sempre trazendo as novas informações e tentando coletar os pontos de vulnerabilidade para a gente também ter um acompanhamento interno pela instituição”, pontua.
A expectativa é que quinhentos núcleos familiares sejam acompanhados na primeira etapa da aplicação.
Texto: Glenda Uchôa – equipe de Comunicação da Aedas