Leia artigo produzido pela equipe de Raça e Gênero do Programa Aedas Médio Rio Doce destacando a importância da luta das mulheres por justiça e reconhecimento após o rompimento da barragem de Fundão.
Designer: Matheus Santos/Aedas

O rompimento da barragem de Fundão alterou a cultura, os modos e a perspectiva de vida das diversas populações ao longo da Bacia do Rio Doce. As mudanças abruptas causadas por esse desastre-crime seguem atingindo a vida de milhares de pessoas também no âmbito patrimonial, econômico e financeiro, mas têm afetado as mulheres de maneira específica por causa dos papéis sociais historicamente impostos a elas. No Médio Rio Doce elas assumem lugar de protagonismo da luta por justiça e reparação dos danos. 

Em contextos de desastres, os danos e perdas são sentidos de maneiras diferentes por cada grupo social porque as vulnerabilidades são agravadas a partir da instabilidade social gerada, limitando o acesso a recursos, oportunidades e serviços. O gênero, enquanto construção social que afirma padrões sociais discriminatórios em relação as mulheres, é um dos eixos fundamentais para entender as consequências do desastre-crime.  

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, no estudo O Rompimento da Barragem de Fundão na Perspectiva das Mulheres Atingidas: Uma Análise de Gênero (2022), é visível a discrepância no reconhecimento das mulheres atingidas se comparado com os homens, especificamente em relação aos pagamentos de auxílios financeiros e/ou indenizações do processo reparatório. 

Muitas atividades econômicas realizadas por mulheres não são consideradas pelo processo de reparação, elas são tratadas como dependentes de seus maridos e invisibilizadas. É o caso de Creusa de Souza Oliveira, pescadora de barranco no município de Conselheiro Pena – Leste de Minas, “Antes [do rompimento], a gente se divertia muito com lazer, levava as crianças, pescava, lavava roupa e tinha como aproveitar mais, mas, agora, o rio ficou afetado e ficou difícil usar a água do Rio Doce. Hoje, não pode mais comer os peixes, paramos de pescar, atrapalhou tudo para nós, tanto na pesca, no trabalho e no divertimento”. 

Hoje, aos 70 anos, Creusa lembra que o que permanece após o rompimento da barragem de Fundão, há mais de oito anos, são os danos de uma vida difícil de assimilar. Sem acesso ao Rio e com a renda abalada, ela destaca que não foi contemplada pelo Auxílio Financeiro Emergencial, o AFE. “É difícil para quem tem criança, tem família, muitos perderam as coisas e nós, agora, estamos correndo atrás de nossos direitos. Nós podemos alcançar”, resume. 

A alteração nas dinâmicas familiares e o cadastro das pessoas atingidas a partir de uma concepção imprecisa de se considerar apenas “chefe de família” ou “responsável pelo lar”, prejudicaram sobretudo as mulheres porque os programas que destinam dinheiro para indenizações ou para mitigação dos danos do rompimento, ficam sob a titularidade dos homens[cônjuges], enquanto as mulheres ficam sem renda.  

Isso resulta na perda de independência financeira, levando ao endividamento e a uma maior inserção no mercado de trabalho informal para as mulheres atingidas. Além disso, o trabalho feminino é frequentemente apropriado como cuidado ou ajuda, em vez de ser reconhecido como uma atividade digna de remuneração e respectiva indenização. 

De acordo com os dados colhidos pelo Registro Familiar realizado pela Aedas, 75,11% dos/as respondentes avaliaram que houve aumento das atividades/tarefas realizadas por mulheres, com crescimento expressivo do trabalho doméstico e de cuidados familiares, por causa do rompimento da barragem de Fundão. Em contrapartida, os dados do RF – AEDAS apontam que aproximadamente 75,03% das mulheres não receberam nenhuma indenização individual, enquanto cerca de 95,23% não foram indenizadas pelo desabastecimento de água pelo Programa de Indenização Mediada (PIM) – Água e 98,91% não foram indenizadas pelo Novel Água. 

Designer: Matheus Santos/Aedas
A busca por direitos é contínua 

O não reconhecimento como atingidas, a sobrecarga de trabalho doméstico causada pelos efeitos do rompimento, o aumento dos cuidados de trabalhos com terceiros, problemas relacionados ao acesso de água para diversos afazeres, dificuldades para participar dos espaços de discussão e decisão sobre a reparação, expuseram as mulheres a todo um desgaste físico, mental e emocional desde o início da luta pela reparação integral e justa.  

Diante desse cenário, após 8 anos do rompimento, é possível afirmar que os Direitos Humanos das mulheres da Bacia do Rio Doce têm sido constantemente violados, principalmente porque o processo de reparação tem imposto tratamento desigual as mulheres e desrespeitado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979, da qual o Brasil é signatário desde 1984.  

Mulheres lutam por direitos na Bacia do Rio Doce – Foto: Glenda Uchôa/Aedas

É a partir da CEDAW que os direitos fundamentais das mulheres à saúde, à educação, à privacidade, à igualdade, à liberdade de pensamento, à participação política, o direito a não ser submetida a tortura, dentre outros, passam a ser caracterizados enquanto Direitos Humanos. É fundamental ressaltar que os direitos das mulheres no âmbito dos Direitos Humanos englobam uma série de direitos que podem ser expandidos, interpretados e reestruturados.  

Reparação é assunto de mulher 

Mesmo com todas as dificuldades impostas pelo processo reparatório, as mulheres têm sido maioria (54%) nos espaços participativos realizados pela Aedas e têm construído de maneira fundamental e constante o processo de reparação integral. Aproximadamente 64,84% dos grupos comunitários que as respondentes do Registro Familiar participam atualmente, tem como pauta a busca pela reparação dos danos promovidos pelo rompimento da Barragem de Fundão.  

Designer: Matheus Santos/Aedas

Aproveitando o ensejo desse Dia Internacional [de luta] da Mulher, gostaríamos de destacar que essas diversas mulheres – negras, indígenas, ribeirinhas, agricultoras, pescadoras, professoras, cuidadoras, donas de casa, mães e demais – são assessoradas por uma equipe formada majoritariamente por mulheres, cerca de 70% das pessoas do Programa Aedas Médio Rio Doce, também diversas.  

Além disso, o Programa Médio Rio Doce conta com uma equipe exclusiva de raça e gênero, formada por cinco mulheres, que tem como objetivo pesquisar, escutar, apreciar e demandar questões relacionadas as pessoas negras e mulheres no processo de reparação.   

A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), neste 8 de março de 2024, reforça que a reparação só será justa e integral com o respeito aos Direitos Humanos das mulheres por toda a bacia do Rio Doce. E a garantia da participação informada e popular das mulheres atingidas no processo de reparação integral é parte da construção do nosso caminho enquanto assessoria técnica independente. 

Texto: Equipe de Raça e Gênero da Aedas Médio Rio Doce com edição da equipe de Comunicação.

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A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) disponibiliza a cartilha “Desigualdade de gênero e acolhimento à mulher”, com objetivo de dar acesso, por meio de uma linguagem simples e direta, a orientações sobre as principais demandas, políticas públicas, serviços de saúde, socioassistencial e de proteção à mulher.

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