Areeiros e Carroceiros de Conselheiro Pena enfrentam dificuldades para trabalhar e temem perda de tradicionalidade
Assessores técnicos das Equipes de Mobilização, Economia, Trabalho e Renda, Povos e Comunidades Tradicionais, Socioambiental e Diretrizes da Reparação Integral da Aedas têm realizado estudos sobre como os areeiros e carroceiros podem se fortalecer para continuar trabalhando no ofício.

Areeiros. O nome é autoexplicativo. São areeiros aqueles trabalhadores que retiram a areia que se acumula em rios e córregos. Essa é uma atividade realizada de forma artesanal e a venda do produto é, geralmente, destinada à construção civil. Em Conselheiro Pena, no Leste de Minas, há décadas o trabalho é tradicionalmente passado de geração a geração. No entanto, está sendo ameaçado por disputas pela extração de areia e falta de apoio de órgão envolvidos.
De acordo com a Associação de Areeiros e Carroceiros de Conselheiro Pena, atualmente, há cadastrados 16 carroceiros que trabalham com a exploração da areia no município, mas apenas doze continuam ativos. O motivo deste afastamento, segundo a Associação, são os problemas relacionados às disputas pela extração da areia e a falta de apoio do poder público, que são considerados empecilhos para quem tenta sobreviver a partir da atividade.
Segundo o presidente da Associação de Areeiros e Carroceiros, Rulio Iglesias, o ano de 2015 foi decisivo para a categoria, quando dois acontecimentos enfraqueceram seus trabalhos e, desde então, têm acumulado dificuldades. Naquele ano, os areeiros foram denunciados à Polícia Federal e a Polícia Ambiental. A denúncia se referia à prática de mineração ilegal e o pedido da apreensão das ferramentas de trabalho.

“Nós não sabemos quem denunciou “nós”. Sabemos que é uma denúncia, mas não sabemos quem não. Nós não pegamos no papel. “Nós” deduz que é o dono do registro, por passar por dentro da área dele, por sair com a areia lá. Tipo assim: você tem acesso ao Rio Doce, mas vocês têm acesso ao Rio Doce passando por minha área. Eu creio que seja isso (…) não tenho certeza não, mas acho que foi antes do rompimento da barragem [a denúncia]”, explica Rulio.
O areeiro acrescenta que, na época, houve a orientação de legalizar uma área para o trabalho. “A denúncia está como mineração ilegal, aí eles [polícia] chegaram e falaram assim: vocês trabalham artesanalmente, vocês tiram na pá, é serviço braçal, vocês não ofendem o córrego. Vocês “tira” a areia hoje, passa uma semana, aí segunda-feira vocês voltam, tá tampado de areia de novo, vocês não prejudicam em nada. Então, na época o MPF[Ministério Público Federal] falou assim: nós não vamos apreender vocês, na hora eles “orientou” a legalizar esta área aqui em cima. Doou os documentos, falou que agora vocês têm que caçar jeito do apoio da Prefeitura”, contou.
Outro acontecimento, no mesmo ano, foi o rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade da Samarco/Vale e BHP Billiton. O areeiro Luiz Justino Cordeiro, mais conhecido como Dunga, conta que pessoas que comprava areia com eles, passou a desconfiar da matéria-prima. “Os depósitos pegaram e começaram a não aceitar nossa areia, por causa do rejeito que “tava” saindo, aí já complicou para nós. Já caiu a renda bastante”, revela.
Rulio também reitera o cenário de desconfiança da época:
“Na época do rompimento da barragem, o povo não queria pegar nossa areia, porque a areia lá debaixo estava contaminada. Aí “nós” subiu, porque tinha três pontos de areia”, acrescenta.
Ainda como efeito do rompimento da Barragem de Fundão, os areeiros e carroceiros acabaram sendo expropriados pela Prefeitura de Conselheiro Pena do terreno onde retiravam areia. Isso foi necessário, porque no local foi preciso construir um gabião, que é uma parede feita com arames e pedras para conter as enchentes na região. Desta forma, se viram limitados a poucas alternativas para continuar com seu ofício.
Uma das alternativas para não paralisar totalmente as atividades foi extrair a areia no local indicado pelo poder executivo municipal. Mas de acordo com a Associação, durante o período em que praticaram o ofício sem quaisquer infraestruturas nesta propriedade, sofreram ameaças para que se retirassem.
Nova denúncia, outras barreiras

Em dezembro de 2023, os areeiros/carroceiros foram denunciados à Polícia Ambiental, desta vez, por agressão ao meio ambiente. Segundo a Associação, esta denúncia partiu do dono da empresa que tem autorização de uso do solo para extração de areia no município. Com isso, a categoria ficou praticamente impedida de trabalhar e, caso persistissem, poderiam ser condenados a pagar uma multa no valor de 15 mil reais e, seus membros, poderiam ser presos e/ou restritos ao pagamento de fianças.
“Aí agora nós estamos sendo proibidos de trabalhar e precisamos. São doze famílias. Estamos parados todo mundo, então tá sendo difícil. “Nós” foi denunciado, então nós tá aí sem trabalhar. A denúncia apareceu aqui pra nós, dia 29 de dezembro”
Luiz Justino Cordeiro, o Dunga

Todo esse cenário se desenha para em uma situação que também tem provocado ainda mais vulnerabilidades aos trabalhadores. Rulio Iglesias, por exemplo, é pai de um bebê e se encontra em um momento alarmante. “Eu tô precisando trabalhar, tenho um neném de nove meses. Nós não estamos tendo condição de manter a família. Um dos recursos que a Prefeitura ofereceu para nós, foi a cesta básica, e para alguns de nós já até acabou. A renda de nós caiu 95%. Hoje mesmo, hoje eu fiz só um frete de 30 reais”, explica.
Ainda segundo Rulio, antes desta série de problemas, os areeiros e carroceiros chegavam a fazer valores superiores a três mil reais por mês, mas, atualmente, oito anos depois do rompimento da barragem de Fundão, muitos têm arrecadado entre 1.800, 2 mil reais. Para o areeiro, o sentimento é de impotência. “Estamos aborrecidos, porque a gente quer trabalhar. A gente precisa trabalhar, tratar da família. Quem tem condição de ajudar “nós”, não ajuda, infelizmente os órgãos da cidade aqui só dá poder a quem é mais financeiramente bem, tem condição”, lamenta.
Rompimento muda dinâmica de local de trabalho
A principal preocupação dos trabalhadores é a mudança de locais onde eles possam extrair a areia. Antes do rompimento da barragem de Fundão, eles extraiam a areia de um córrego na região do bairro São Luís, conhecido como “Panhador de Areia da Rua Marajós”, na baixada. Com o rompimento, eles migram e tiveram que subir a extensão do córrego para extrair areia limpa, mas passaram a enfrentar um novo problema: a parte limpa do córrego estava registrada como propriedade privada.
“Em 2015, nossa extração de areia era na Rua Marajós, no sentido até chegar no Córrego João Pinto e descia a baixada até encontrar o Rio Doce. Hoje, já não pode mais, devido ao rompimento que teve, deu muito rejeito na areia. Então subimos córrego acima, só que córrego acima está registrado no nome de outra pessoa e nós não pode extrair mais”, conta Rulio Inglesias.

Além de enfrentar o problema da qualidade da areia por causa do rejeito de minério de ferro, a Prefeitura construiu no “Panhador de Areia da Rua Marajós”, também por conta do rompimento da barragem de Fundão, um gambião para conter as margens do córrego durante a época das enchentes, impedindo completamente o trabalho dos areeiros.
Desta forma areeiros e carroceiros se sentem prejudicados, enfrentando a falta de renda por serem pressionados a não trabalhar com este tipo de atividade, especialmente porque se desenha no município um cenário de monopólio da areia. Isto porque o possuidor da licença para explorar a areia tem monopolizado a atividade, se tornando, atualmente, o único fornecedor da matéria-prima em Conselheiro Pena.
Antes, de acordo com os relatos de areeiros e carroceiros, havia uma concorrência, onde a categoria comercializava uma areia de melhor qualidade, pois o produto artesanal apresenta menos impurezas e é mais selecionado. Por isso, na construção civil, possuía um histórico de preferências dentre os consumidores desta matéria-prima.
Com a situação há, hoje, um sentimento de indignação pelos habitantes da cidade pela proibição da compra da areia manualmente extraída.
Além disso, o aporte de sedimentos sofreu uma queda: antes todos os membros conseguiam trabalhar e havia areia para todos. Com o monopólio de areia, a interdição do território próximo ao Rio Doce e a expropriação da localidade com o histórico de seus familiares com o ofício de areeiro e carroceiro, há uma proibição indireta da categoria de levar o sustento às suas casas.
Preconceito
Além da questão relacionada ao sustento, a categoria ainda enfrenta o preconceito na cidade com relação ao uso de animais para puxar as carroças utilizadas no trabalho de areeiro. A população acredita que os trabalhadores maltratam os animais.
“Eles falam que todos os animais que aparecem na cidade, eles falam que são dos carroceiros, mas nossos animais trabalham, “nós” paga pasto, “nós” cuida, “nós” compra ração, anda ferradinho e a culpa cai em “nós”, desabafa Rulio Iglesias.
Apoio da Aedas


Desde que chegou nos territórios do Vale do Aço e Leste de Minas, a Aedas tem atuado em quinze municípios com o trabalho de assessoria técnica independente, dando apoio à população e ouvindo as demandas de cada localidade. Em Conselheiro Pena, as Equipes de Economia, Trabalho e Renda e de Povos e Comunidades Tradicionais, que acompanha de perto o município, identificaram problemas com areeiros/carroceiros e pescadores.
“Chegamos a Conselheiro Pena respeitando a forma de organização deles e uma das formas de organização é por categoria de trabalho. E uma das que já estavam organizadas é a categoria de areeiros e carroceiros. A Aedas, como assessoria técnica independente, auxilia esse processo fortalecendo-os enquanto associação, desenvolvendo caminhos onde eles possam lutar pela renda deles”, explica a mobilizadora, Sarita Marin.
Além disso, assessores técnicos da Área Temática Socioambiental, Diretrizes da Reparação Integral (DRI) e Mobilização da Aedas têm realizado estudos sobre como os areeiros e carroceiros podem se fortalecer para continuar trabalhando no ofício. Ficando, assim, destacado que entre os objetivos desse trabalho próximo, está a compreensão exata dos caminhos a serem seguidos para a garantia do ofício que resiste por meio de suas técnicas, saberes, áreas e territórios em uma constante construção junto aos rios e meio ambiente no Leste de Minas.
Como parte deste trabalho, em 24 de janeiro, técnicos da Aedas estiveram acompanhando o presidente da Associação de Areeiros e Carroceiros, Rulio Iglesias, e o areeiro Luiz Justino Cordeiro em uma reunião realizada no Escritório Regional da Agência Nacional de Mineração (ANM-MG) em Governador Valadares.
O objetivo do encontro foi para entender a possibilidade de regularização do trabalho dos areeiros e carroceiros em Conselheiro Pena junto à ANM. A Aedas acompanhou a reunião a pedido da categoria para auxiliar na compreensão sobre a regularização da atividade de extração de areia.
EM NOSSO YOUTUBE, ASSISTA AO DOCUMENTÁRIO QUE RETRATA A LUTA DOS CARROCEIROS E AREEIROS EM CONSELHEIRO PENA:
Texto: Mariana Duarte e Glenda Uchôa – equipe de Comunicação do programa Aedas Médio Rio Doce