Foi transmitida na noite desta quinta-feira (27), via Youtube, uma reunião virtual realizada entre representantes do Comitê de Compromitentes do Acordo Judicial e lideranças atingidas das regiões da Bacia do Paraopeba e Lago de Três de Marias. O objetivo da atividade era que fossem respondidas as principais questões relacionadas às atualizações das etapas do Anexo I.1 do Acordo Judicial.  

Estavam presentes na reunião representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e Estado de Minas Gerais, que compõem o Comitê de Compromitentes, além das lideranças atingidas que direcionaram questões às Instituições e avaliaram tópicos gerais do processo de reparação, apontando os desafios do Anexo I.1.  

A promotora do MPMG, Shirley Machado, afirmou durante a introdução da reunião que o tema Anexo I.1 foi uma escolha das próprias pessoas atingidas para ser tratado na reunião. Ela contextualizou as etapas já avançadas do anexo até o momento atual de chamamento da entidade gestora dos recursos destinado aos projetos de demandas das comunidades e das linhas de crédito e microcrédito. “Temos uma preocupação e uma vontade de que o Anexo I.1 comece a ser executado o quanto antes”, afirmou.  

Chamamento da entidade gestora 

Shirley respondeu sobre a delimitação de comunidades – poligonais – presente no Termo de Referência (TR) divulgado pelas IJs. De acordo com a promotora do MPMG, a delimitação é preliminar e pode ser ampliada. “A gente fez uma delimitação que é inicial porque é necessário termos um nível de detalhe para a entidade gestora trabalhar. No TR, a gente menciona que são comunidades que estão no raio de 1km do rio e parte de algumas que ultrapassam. Está claro que outras inclusões podem ser feitas, desde que sejam apresentadas de forma técnica às Instituições de Justiça que essas comunidades também sofreram danos coletivos causados pelo rompimento”, respondeu. 

Ela também explicou que nesta etapa de chamamento da entidade gestora dos recursos a atenção dos Compromitentes estará voltada aos requisitos exigidos no edital para que seja selecionada uma instituição experiente e capacitada para o trabalho. “A entidade interessada precisa apresentar documentos para comprovar que ela tem capacidade e condições de ser a gestora dos recursos deste anexo”, concluiu.  

Ludmila Oliveira, procuradora do MPF, contribuiu na explicação definindo o papel das pessoas atingidas nesta etapa. “A partir da escolha da entidade, tudo o que for construído deverá ser em conjunto com o que já foi construído pelos atingidos para ser consolidada uma proposta definitiva”, explicou. Em acordo, o MPMG acrescentou que “o Sistema de Participação, elaborado pelas lideranças atingidas em conjunto das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) já é um documento a ser considerado pela entidade gestora que será escolhida”, finalizou Shirley Machado.  

Insatisfação das lideranças atingidas  

“Nós da Região 2 estamos extremamente cansados e desmotivados diante dos resultados. Se os compromitentes não vão conseguir responder nossas questões, quem vai nos responder?!”, abriu Joelisia Feitosa, atingida de Juatuba, a série de intervenções e críticas das lideranças comunitárias diante dos representantes da Justiça.  

A atingida de Juatuba reforçou, ainda, a necessidade de ampliar a relação presencial das Instituições de Justiça nas comunidades atingidas. “Temos que ter um olhar mais cuidadoso e próximo das Instituições de Justiça para com o atingido. Precisamos de diálogo mais próximo e presença dos compromitentes nos territórios. Já basta este Acordo que foi feito sem nos ouvir, sem a nossa participação”, reivindicou.  

Os mecanismos do Anexo I.1 foram criticados pela atingida de Betim, Michelle Regina, que apontou a falta de transparência e participação na etapa de escolha da entidade que vai gerir os recursos dos projetos. “A gente tem que participar do processo de escolha da entidade gestora. É uma escolha que diz respeito sobre as nossas vidas. A governança que elaboramos será realmente respeitada?!”, questionou.  

Além da Governança Popular, citada por Michelle, outros esforços já realizados pelas lideranças comunitárias foram defendidos durante as intervenções. Marcus Koichi, atingido de Brumadinho e familiar de vítima fatal, destacou um trabalho coletivo dos atingidos executado em junho de 2022, no Encontro da Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias. “Por que a Carta dos Atingidos da Bacia não foi respeitada neste Anexo 1.1? Nesta carta, fizemos diversas reivindicações e exigimos a nossa participação. Foram 26 municípios pedindo o mesmo e não fomos escutados”, perguntou. 
 
Koichi também apontou incertezas e preocupações relacionadas ao crédito e microcrédito previstos no Anexo I.1 e pediu transparência. “Nós vamos pegar um empréstimo de um valor de reparação em que a gente terá que pagar com juros e correção monetária. Um valor que a gente não sabe sequer o quanto está rendendo porque não temos nenhum tipo de clareza nas informações e tratativas desses valores. De que modo será realizada a transparência? Como a gente vai conseguir fiscalizar esses R$ 3 bilhões destinados a reparação?”, concluiu.  

Um dos representantes dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) e liderança da Associação Cultural e Tradicional de Matriz Africana Bakise Mona Ixi, localizada em Mateus Leme, Tata Ximeango Kiamaza, detalhou sua preocupação em ter o PCTRAMA participando efetivamente das etapas e projetos como qualquer outro grupo de atingidos. “O crime da Vale tirou o nosso Sagrado, matando nosso rio, nossa terra, nossos animais e nossa cultura. Seremos considerados a partir das nossas noções de territorialidade e das características específicas do PCTRAMA?!”, declarou.  

Por fim, Fernanda Perdigão, atingida de Piedade do Paraopeba, zona rural de Brumadinho, levou ao Comitê de Compromitentes uma avaliação do Acordo Judicial. “A gente percebe que o Acordo não está alcançando o objetivo que deveria, porque não deveria existir essa dependência das pessoas atingidas com o Anexo I.1. Este anexo deveria vir complementando um processo de reparação”, falou Perdigão antes de acrescentar uma insatisfação com a transparência e efetividade das auditorias do processo. “Nós atingidos não temos acesso a nenhuma das auditorias que são contratadas para os anexos deste acordo. Quem é que audita a eficiência e a satisfação desses projetos?”, indagou.  

O Programa de Transferência de Renda (PTR) e as divulgação do mapa das poligonais também foram uma das questões levantadas pelas pessoas atingidas presentes na sala virtual da reunião e no chat público aos que acompanhavam a transmissão via Youtube. Os representantes do Comitê de Compromitentes responderam às questões que se relacionavam aos critérios para recebimento do PTR aprovados pelas próprias IJ’s, porém outras perguntas o Comitê indicou que poderiam ser mais bem respondidas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável por administrar o pagamento do PTR.

 

Veja a reunião completa transmitida via canal da assessoria técnica Nacab no Youtube.