A Aedas, assessoria técnica independente que assessora pessoas atingidas no Vale do Aço e Leste de Minas, tem recebido dúvidas do município de Naque sobre a possibilidade da quebra da quitação geral de danos na adesão ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel). Isto porque recentes movimentações no processo judicial em tramitação no Tribunal Regional Federal da 6ªRegião (TRF6), trata justamente sobre questões específicas desse município.
A dúvida das pessoas atingidas de Naque tem preocupado quem luta por uma reparação justa há mais de oito anos. O Novel foi aberto em 2020 neste município, entretanto, as pessoas atingidas têm reivindicado a garantia do direito à indenização justa desde o rompimento. Com a proximidade da repactuação, amplifica também a preocupação com possíveis prejuízos gerados pelo entendimento de que, com a quitação, as pessoas atingidas teriam sido “totalmente indenizadas”.

Por isso, essas novas movimentações processuais têm gerado expectativa nas pessoas atingidas quanto à validade dos Termos de Quitação já assinados e a possibilidade de requisição de indenizações que não tenham sido considerados no momento de adesão ao Novel.
Mas o que é quitação definitiva?
A quitação definitiva consiste em exonerar as empresas mineradoras da responsabilidade quanto aos prejuízos causados em casos individuais mediante o pagamento de indenização, cujos valores estão descritos na Matriz de Danos da decisão de 09/07/2020, que inaugurou o Sistema em Naque.
Um ponto negativo a ser destacado é que a quitação abrange danos materiais e imateriais, embora sejam pagos apenas os prejuízos materiais. Esses aspectos colocam as pessoas atingidas desta cidade em uma situação difícil, uma vez que há casos em que estas indenizações não foram satisfatórias para cobrir seus danos e acaba tolhendo o direito de buscar justiça, tanto nacional quanto internacional.
O que as IJ’s pensam sobre?
As Instituições de Justiça (IJs) pediram a suspensão parcial da decisão judicial que concedeu o Novel para os atingidos e atingidas de Naque, em maio de 2021, uma vez que a decisão apresentava condições abusivas aos atingidos vulneráveis.
O pedido era embasado em três pontos:
1 Que a contratação de advogado para atuar no Novel deve ser considerada facultativa, sem prejuízo da assessoria jurídica gratuita que deve ser disponibilizada pela Fundação Renova, conforme Cláusula 37 do TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta);
2 Que o recebimento de indenização através do Novel somente pode resultar em quitação parcial, ou seja, os pagamentos devem ser considerados como adiantamento de indenização, não havendo que se considerar como quitação geral;
3 E que a obrigatoriedade de renunciar a ação ajuizada no estrangeiro jamais poderia ter sido determinada, pois a pendência de processo judicial em outro país é questão irrelevante para o andamento de ação judicial no Brasil.
Logo, é direito dos atingidos participarem de ações individuais e coletivas, nacionais e estrangeiras, ao mesmo tempo.
Em resposta a este pedido, em junho de 2022, o presidente do TRF1, José Amilcar Machado, suspendeu a decisão que deu início ao Novel em Naque. Porém, recentemente, em setembro de 2023, a presidenta do TRF6, Mônica Sifuentes, foi favorável ao recurso feito pelas mineradoras e revogou a decisão de junho de 2022 do presidente do TRF1.
Ainda entre setembro e outubro deste ano, o Ministério Público e a Defensoria Pública de Minas Gerais, entraram com um recurso para que o TRF6 suspenda a última decisão e restabeleça a anterior decisão do Presidente do TRF1, até o julgamento definitivo do recurso de agravo de instrumento n. 1034892-49.2020.4.01.0000.
Esta disputa jurídica teve nova movimentação na última quarta-feira (6). O Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma petição que afirma existir uma Questão de Ordem Pública prejudicial à manutenção da sentença que instituiu o Novel em Naque: o documento aponta que tanto o juiz Vinícius Cobucci, da 4ª Vara Federal, quanto o desembargador federal Ricardo Rabelo, do TRF6, decidiram que a Comissão de Atingidos de Naque não tem capacidade processual, legitimidade ativa e representatividade adequada conferida pela legislação para fazer o requerimento do Novel em nome de todos os moradores do município, o que representa a extrapolação dos limites do TAC-GOV.
Baseado neste argumento, o MPF reforça os pedidos do recurso anterior, requerendo:
- A NULIDADE da decisão que instalou o Novel em Naque, pois o autor do processo (neste caso a Comissão de Atingidos de Naque) não tem capacidade processual, legitimidade ativa e representatividade adequada reconhecida por lei;
- Que o processo seja enviado para o desembargador federal Ricardo Rabelo por ser o responsável pelos processos do caso Rio Doce, em segunda instância;
- Reafirma os pedidos formulados no recurso das IJs, em especial o pedido da QUEBRA da Quitação Integral e Definitiva para todos os danos decorrentes do rompimento. Devendo-se atribuir as indenizações já pagas pelo Novel o caráter de piso mínimo indenizatório. Junto com esse pedido, caso o desembargador escolha manter a Quitação Integral, foi feito um pedido alternativo que eles alcancem somente os danos materiais e morais relacionados ao trabalho e alimentação adequada, deixando em aberto a possibilidade de busca de indenização a outros tipos de danos, como água, lazer, saúde, dentre outros.
- Que todas as pessoas atingidas que tenham recebido indenização pelo Novel também possam receber os juros moratórios conforme determina o Superior Tribunal de Justiça (STJ – súmula 54).
Diante deste cenário de intensa disputa jurídica e indefinições, a Aedas, assessoria técnica responsável por assessorar as pessoas atingidas de Naque, avalia que é momento de manter o ânimo na luta para que o direito pela reparação seja garantido. Por isso, a Aedas se dispõe a continuar ao lado das pessoas atingidas de Naque, para prestar novas informações e somar forças na luta diária para serem ouvidas.
Mas, e agora?

A situação atual é que a decisão judicial que inaugurou o Novel está valendo, com todos os seus pontos, incluindo a obrigatoriedade de advogado para pleitear o Novel, a assinatura do Termo de Quitação Geral e a assinatura do Termo de Renúncia/Desistência de ações que correm em países estrangeiros.
Isso quer dizer que as pessoas que aderiram ao Novel, e moram em Naque, não tiveram anulados (ou quebrados) os termos de quitação geral que assinaram no momento de recebimento da indenização via Novel.
Entretanto, como o processo judicial ainda está em andamento, é possível que essa decisão seja suspensa ou alterada futuramente, visto que o recurso de agravo de instrumento do Ministério Público Federal (MPF) ainda não foi finalizado e também porque os recursos de agravo internos do MPF e da Defensoria Pública da União (DPU) ainda serão julgados.
“A manutenção da decisão que estabeleceu o Novel em Naque, aí incluídas a quitação geral, obrigatoriedade de contratação de advogados e a renúncia de procura de indenização em outras instâncias, prolonga o sofrimento e a situação de insuficiência da reparação integral de todos os danos das pessoas do município, que em grande parte aderiram ao Novel em um cenário de insegurança alimentar, estagnação econômica e produtiva, cancelamento de Auxílios Financeiros Emergenciais – AFE, resultando em apenas 21% de pessoas indenizadas nos municípios em que a Aedas acompanha, conforme dados obtidos no Registro Familiar realizado pela Aedas”, explicou Renzyo Costa, advogado da equipe de Diretrizes de Reparação Integral da Aedas.
A assinatura da quitação geral tem como consequência liberar as mineradoras do pagamento necessário de todos os danos suportados, mesmo que o valor oferecido cubra apenas uma parte dos danos – os lucros cessantes. “Além disso, também cessa indevidamente o recebimento do AFE para aquelas pessoas que aderem ao Novel. Em muitos casos, essas informações não são fornecidas ou explicadas corretamente no momento da assinatura. O processo movido pelas instituições de Justiça representa uma esperança na criação de um precedente judicial que favoreça as pessoas de Naque e consequentemente as moradoras de outros municípios da bacia do Rio Doce, corrigindo essas situações desfavoráveis. A possibilidade atualmente está barrada pela decisão do TRF 6, mas existe a possibilidade de suspenção dessa decisão ou modificação de entendimento da desembargadora Sienfuentes no julgamento do recurso das IJs, o que tem atraído a atenção e movimentação das e dos residentes em Naque”, finalizou o advogado.
Entenda o Caso Naque

Em julho de 2020, a Comissão de Atingidos e Atingidas de Naque (MG), representada pela advogada Richardeny Luiza Lemke Ott, decidiu pela implementação do Novel por causa da ineficiência do Programa de Indenização Mediada (PIM) e o insucesso das negociações para as partes processuais acordarem método indenizatório mais efetivo.
Para acessar o Novel, no entanto, as pessoas atingidas de Naque precisavam assinar o Termo de Quitação Geral e o Termo de Renúncia/Desistência de Ações, que busca indenizações no judiciário nacional e estrangeiro, junto com a obrigatoriedade de contratação de advogado para pleitear o Novel. Estes termos, porém, revelam critérios dificultadores na luta das pessoas atingidas para obter compensação financeira.
No caso de Naque, foram requeridos e deferidos limites de indenização diferentes entre categorias profissionais residentes no mesmo município como por exemplo R$ 90.195,00 para artesãos/as; R$ 84.195,00 para lavadeiras; R$ 23.980,00 para pescadores/as de subsistência, o que revela uma assimetria de análise e valoração dos danos às cadeias produtivas.
O que é o Novel?
O Novel é um sistema implementado em 2020 pela Fundação Renova por determinação do Poder Judiciário. Ele funciona como uma alternativa para indenização dos danos ocasionados pelo rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade da Samarco/Vale e BHP Billiton.
Para acessar o sistema as pessoas atingidas podiam se cadastrar e pedir a indenização, mas muitos foram negados ou recebem valores insuficientes em relação ao dano sofrido.
Texto: Mariana Duarte – Equipe de Comunicação Médio Rio Doce, com apoio da Equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI) do Médio Rio Doce