Aedas participa de audiência na ALMG e apresenta dados sobre danos e ações de reparação às pessoas atingidas
A audiência com as Assessorias finaliza uma rodada de três reuniões previstas na casa legislativa sobre os danos e reparação após o desastre-crime de Mariana.

Para debater com as Assessorias Técnicas Independente (ATIs) dos atingidos e atingidas as ações que envolvem o acordo de repactuação e a reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em 2015, a Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou, na tarde desta quinta-feira (5), audiência pública com a presença de cinco ATIs que atuam na Bacia do Rio Doce. A audiência com as Assessorias finaliza uma rodada de três reuniões previstas na casa legislativa sobre os danos e a reparação dos mesmos após o desastre-crime de Mariana.
Na audiência, estiveram presentes os representantes da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – Aedas, Centro Agroecológico Tamanduá- CAT, Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual – Adai, Cáritas Diocesana de Itabira e Cáritas Diocesana de Governador Valadares.
O primeiro encontro na Assembleia, realizado na segunda-feira (2), ouviu os presidentes de comitês de bacias hidrográficas do Rio Doce. O segundo, na terça-feira (3), ouviria o diretor-presidente da Fundação Renova, Luiz Felipe Scavarda, no entanto, nenhum representante da instituição compareceu ao plenário. O presidente da Comissão, deputado Ulysses Gomes (PT), autor dos três requerimentos para realização das audiências, destacou o significado da ausência.
“Não posso deixar de registrar aqui a alegria de recebê-los enquanto assessoria técnicas e, sobretudo, reafirmar o compromisso que o gesto de vossas excelências demonstra, o que é muito diferente com aqueles que não cumprem com o seu dever e obrigação, como é o caso da Fundação Renova. Mais uma vez, registrar e lamentar nessa casa a audiência que foi marcada, convidando o pessoal da renova com o tempo hábil, e eles se negaram a participar. Com certeza isso constará no nosso relatório”, afirma.
Durante a audiência, a deputada Beatriz Cerqueira destacou, ainda, o fato da Fundação Renova não ter contribuído com as entregas necessárias para a garantia de uma reparação justa. “Ela (fundação) renova a violação de direitos”, iniciou, explicando que no acordo de repactuação o Instituto poderá continuar a ser o responsável por executar as ações de reparação mesmo diante dessa realidade de entregas não realizadas . “Renova não pode continuar a fazer mais nada na minha avaliação”, defende.
Segundo os deputados, o trabalho da Comissão de ouvir todos os envolvidos nos danos pelo rompimento da barragem servirá para a apresentação de um relatório a ser encaminhado aos órgãos que compõem a busca pelo acordo de repactuação.
Assessorias atuantes nos territórios atingidos
A coordenadora institucional da Aedas, Franciene Vasconcelos, destacou a importância do trabalho realizado nos últimos oito meses com a chegada das Assessorias aos territórios, ressaltando a resistência enfrentada para garantir o direito de coletar dados primários na Bacia do Rio Doce. Essa batalha, travada inclusive no âmbito judicial, foi crucial para possibilitar um acompanhamento mais preciso e fiel à realidade das pessoas atingidas pelo desastre-crime.

A coleta de dados primários através da aplicação do Registro Familiar em 15 municípios no Vale do Aço e Leste de Minas assessorados pela Aedas, revelou um quadro alarmante, evidenciando que, após oito anos, muitas pessoas atingidas não tiveram acesso a qualquer tipo/forma de reparação. Franciene enfatizou que o dano ambiental é contínuo e, portanto, exige uma abordagem mais abrangente que vá além das indenizações monetárias.
Acompanhe os dados apresentados pela Aedas Médio Rio Doce na audiência pública:
– 88 % declararam perda de renda após o rompimento da barragem;
– 65% das pessoas afirmam que nunca receberam nenhuma indenização;
– 93% realizava atividade de subsistência antes do rompimento da barragem;
– 81,5% do público está em algum nível de insegurança alimentar: 32% Insegurança alimentar leve; 19,67% Insegurança alimentar moderada; 29,83% Insegurança alimentar grave;
Fonte: Aedas Médio Rio Doce
“Esses dados servem justamente para entender qual é o estado atual e conseguir repassar essas informações tanto para a população que tem o direito de saber, quanto para as instituições de justiça, para os atores que representam as pessoas atingidas nos processos e para a Fundação Renova, que é a entidade responsável por promover a reparação. Esses dados que nós colhemos nos espantam, tamanha é a ausência eparação depois de 8 anos”, destaca.
A coordenadora da Aedas também ressaltou a dificuldade de acesso a informações cruciais por parte das Assessorias Técnicas, especialmente em relação aos dados do cadastro, que deveriam ser fornecidos pela Fundação Renova. Essa falta de transparência dificulta o diagnóstico preciso do estado da reparação e impede a realização de um trabalho efetivo.
Um ponto crucial levantado por Franciene foi a exclusão de grupos vulneráveis, como crianças, adolescentes, idosos e comunidades tradicionais do processo de reparação. Ela enfatizou que as abordagens restritivas, como o modelo de indenização simplificada (também conhecido como Sistema Novel), deixam de lado esses grupos, que sofrem danos específicos não contemplados por tais programas. Durante os oito meses de atuação, a Aedas já mapeou a existência de 26 povos e comunidades tradicionais ao longo da Bacia do Médio Rio Doce.

A coordenadora institucional e metodológica da Cáritas Diocesana de Itabira, Ana Paula dos Santos, também reforçou em sua fala o que chamou de “invisibilidade no processo de cadastramento” da Fundação Renova para pessoas atingidas que não conseguiram ser consideradas nos processos de indenização, além da dificuldade no recebimento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). “Aquilo que a Franciene trouxe das realidades encontradas nos territórios em que a Aedas atua, também é uma realidade nos territórios em que a Cáritas Itabira está”, afirma.
E o futuro para a juventude atingida?
“Se somos o futuro e temos um estatuto inteiro a nosso favor, por que ninguém toma providência quando nossos direitos estão sendo violados?”. O questionamento é de Ester Radassa, do distrito de Pedra Corrida (Periquito), que acompanhou os danos do rompimento da barragem de Fundão quando era uma criança e, hoje, adolescente aos 16 anos, não consegue se enxergar nas ações de reparação.

Ester participou da audiência acompanhada da mãe, Vivian Esteves, que destacou a convivência com os danos da água deixados desde o rompimento da barragem para toda a comunidade. “A nossa água em Pedra corrida, por exemplo, ela é captada pela Copasa dentro do Rio Doce. A gente continua consumindo essa água e nós nunca vimos tanta doença dentro da nossa comunidade igual nós temos visto principalmente operações de vesículas. A Renova fez um poço artesiano a 30 metros de distância do Rio, como captação alternativa para nós. Mas isso não foi suficiente para evitar a contaminação. Queria, então, que fosse revisto uma nova captação de água que não fosse dessa água contaminada”, solicitou Vivian.
Segurança jurídica
Os representantes das Assessorias Técnicas Independentes também aproveitaram o espaço para alertar sobre a insegurança jurídica enfrentada por essas entidades, enfatizando a importância de um ambiente legal que assegure a continuidade do trabalho de coleta de dados e apoio às comunidades atingidas.
Ana Paula Alves, da Cáritas Itabira, historiou todos os fatos desde o início do processo judicial ainda em 2015, logo após o rompimento em 5 de novembro. Lembrou que o processo foi iniciado extrajudicialmente, com os atingidos e atingidas defendendo a atuação das assessorias técnicas a seu favor. Mas a Vale, uma das donas da Samarco, junto à BHP Billiton, discordou da proposta de trabalho dessas entidades e judicializou o processo.
O juiz da causa, na época Mário de Paula, segundo ela, limitou o escopo da atuação das assessorias, não permitindo inclusive que estas fizessem coleta de dados primários junto às comunidades atingidas. Esse quadro só se alterou em 2022, quando assumiu um novo juiz na causa, Michael Procópio, e ampliou a atuação das assessorias, como no início do processo, abrindo as portas para ouvir os atingidos.
“Passados esses meses, estamos atuando nos territórios, cumprindo com os objetivos, metas e indicadores estabelecidos nos planos de trabalho que foi aprovado. Ao mesmo tempo, atendendo demandas que vêm sobretudo das instituições de justiça, mas também dos atingidos, demonstrando que há uma flexibilidade da atuação das assessorias em razão do momento que está vivenciando a população. E, por último, mas não menos importante, preocupadas com o processo da repactuação. O que a repactuação está pensando para as assessorias e se vai ser respeitado os termos de compromisso que hoje estão homologados”, descreve Ana.
Vale ressaltar, que a falta de solidez sobre o futuro dessas ações representa uma ameaça significativa ao direito de participação e à busca por reparação justa e abrangente para todas as pessoas atingidas na Bacia do Rio Doce.
Texto: Glenda Uchôa – Equipe de Comunicação Médio Rio Doce