Logo após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019, as primeiras decisões judiciais do processo de reparação reconheceram que as pessoas atingidas têm direito à mitigação dos danos sofridos em decorrência do desastre. Neste sentido, ficou estabelecido que é obrigação da Vale executar ações e programas para garantir a sobrevivência, a dignidade e a participação das pessoas atingidas, e também para evitar a progressão e o surgimento de danos que podem ser irreversíveis.

São consideradas medidas mitigatórias, por exemplo, a divulgação ampla de informações, a distribuição de água potável, estabelecimento de moradias temporárias, entre outras, assim como pagamento emergencial mensal. Tais medidas foram determinadas em decisão judicial e são obrigatórias.

“Apesar de reconhecer a importância dessas medidas, já era de conhecimento da Aedas, desde a elaboração do plano de trabalho, e também foi confirmado pelo diálogo pelas pessoas atingidas, de que há um descumprimento e uma ineficácia dessas ações adotadas pela empresa. Além disso, há múltiplas e complexas situações emergenciais que não são alcançadas pelas ações já promovidas pela empresa ou que já foram determinadas pelo juiz do processo”, explica Bruno Kassabian, coordenador da equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI) da região 2 .

Kassabian explica que essas situações que não estão abarcadas exigem a adoção de ações de outras medidas mitigadoras urgentes para impedir a continuidade ou progressão desses danos. A Matriz Emergencial de Medidas Reparatórias, lançada na última quarta-feira (6), sistematiza essas situações urgentes ou de vulnerabilidade, caracteriza os danos encontrados em cada uma das situações e propõe medidas para mitigá-los. Todas as medidas listadas na matriz estão em consonância e legitimadas por decisões que já foram tomadas nesse processo.

Mesmo após dois anos do rompimento, é reconhecido dentro da legislação do direito internacional dos direitos humanos, que desastres como o ocorrido em Brumadinho, originam tipos de danos que não se manifestam completamente no momento da tragédia. Esses danos provocam circunstâncias que se expressam ao longo do tempo, prejudicando cada vez mais as pessoas e o meio ambiente. A exposição contínua das pessoas atingidas à água e ao ar contaminado e o agravamento de males psicológicos decorrentes da exposição aos traumas são exemplos disso.

“As medidas apresentadas na Matriz têm a potencialidade de mitigar essas condições de vulnerabilidade que são decorrentes ou foram pioradas pelo rompimento. São condições que podemos caracterizar como grande exposição das pessoas ao perigo e inclusive o perigo à própria sobrevivência”, afirma Kassabian. São situações em que as pessoas estão impedidas de exercer direitos básicos que são essenciais para viver com dignidade, diante de tais vulnerabilidades, e que exigem a adoção de medidas imediatas. Considera-se, inclusive, que o processo poderá ser sem efeito para algumas pessoas que vão ser obrigadas a sair do território ou mesmo correm risco de vida.

As medidas elencadas na matriz também são necessárias para garantir a participação das pessoas atingidas no processo, isto é, garantir o direito à participação informada, inclusive através da assessoria técnica. Esse direito já foi reconhecido formalmente no processo judicial, porém, para o direito à participação ser real e efetivo, é importante que as pessoas tenham condições materiais para exercê-lo.

As pessoas precisam ter acesso à energia elétrica, telefonia, internet, condições de se alimentar, ter uma saúde mínima do ponto de vista físico e mental, capacidade de se locomover pelo território, entre outras questões, que não estão garantidas hoje no cenário das regiões atingidas e que poderiam ser garantidos se as medidas apresentadas na matriz forem colocadas em prática.

As medidas apresentadas na matriz são de caráter social e coletivas, ou seja, são sugestões sugeridas para mitigar situações que precisam ser resolvidas de forma coletiva. São danos enfrentados por uma coletividade, grupo social, ou categoria. Para esses problemas não é possível adotar medidas individuais, a partir da identificação de sujeitos isolados, mas medidas de caráter coletivo, como as propostas apresentadas na matriz.

Diferente do pagamento emergencial

Ranielle de Sousa, coordenadora da equipe DRI na Região 1, destaca que as medidas propostas na matriz emergencial diferenciam-se do atual suporte econômico financeiro pago pela Vale. Ela explica que o atual suporte financeiro tem como objetivo a manutenção geral das condições de vida das famílias atingidas e a mitigação dos danos relacionados à perda ou redução da capacidade de renda e aumento de despesa das famílias.

“O auxílio emergencial é amplamente empregado para garantir as demandas mais básicas do dia a dia, como a compra de água potável e alimentação, transporte, vestimenta, gastos com saúde. Ele é incapaz de incidir em todas as situações e problemas que são enfrentadas no território e que são apresentadas na matriz, pois não podem ser enfrentadas diretamente com a distribuição de renda ou com emprego individual de valores financeiros”, explica Ranielle.

As medidas apresentadas na matriz exigem intervenção direta e concreta no território, muitas vezes demandam inclusive atuação do poder público. São exemplos: a ampliação da capacidade de hospitais, pavimentação das vias públicas, a regulação e regulamentação do tráfico e das obras de reparação dos danos provocados pelo rompimento, garantia de informações do processo judicial.

Também é importante ressaltar que medidas propostas na matriz emergencial não se confundem com medidas reparatórias finais. Elas visam a interrupção dos danos que estão em andamento, mas não são suficientes para a reparação integral de todos os danos. “Elas se relacionam ao dever de mitigação que pesa sobre a empresa responsável pelos danos, é uma parte indissociável do processo de reparação que é a paralisação da progressão desses danos, mas ela não é suficiente. É uma etapa fundamental, mas ela não é a resposta final”, argumenta Ranielle.

A matriz apresenta um documento a partir da informação, do diálogo, debate e deliberação coletiva e expõe uma leitura dos danos e proposta concreta de mitigação que apontam para a reparação integral,considerando a centralidade do sofrimento da vítima e a voz dos atingidos e das atingidas.

“A matriz emergencial é um direito dos atingidos, e é uma responsabilidade da Vale, que já foi reconhecido em diversas decisões, acordos e ajustamentos que aconteceram dentro do projeto e se justificam pelo perigo da demora, ou risco efetivo ou iminente que se não for feito nada, o processo não vai ser útil. As pessoas não vão conseguir nem acessar a resposta final do processo porque elas precisam dessas medidas para sua sobrevivência e manutenção da sua vida”, finaliza Ranielle.

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