Desastre-crime de Mariana: Justiça homologa acordo que prevê reassentamento da comunidade de Gesteira
Acordo prevê ações para urbanização do local onde será a nova comunidade, indenização para as famílias e fundo para projetos comunitários

Famílias da comunidade de Gesteira, distrito rural de Barra Longa (MG), comemoraram uma importante vitória nesta terça-feira (30): um acordo que prevê a garantia do reassentamento da comunidade. O distrito de Gesteira foi soterrado pela lama do rompimento da barragem da Samarco, em 2015, e até então não conseguiu ter o direito ao reassentamento garantido.
O acordo homologado pela Justiça Federal e prevê R$ 126 milhões em ações de urbanização do local onde será a nova comunidade, indenização para as famílias e fundo para projetos comunitários.
O acordo foi firmado na segunda-feira, 29 de maio, pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Comissão de Pessoas Atingidas de Barra Longa, município de Barra Longa, Samarco, Vale, BHP Billiton Brasil e Fundação Renova. A homologação ocorreu na terça (30), na 4ª Vara da Justiça Federal, em Belo Horizonte.
O distrito de Gesteira fica localizado em Barra Longa, município a 60 km de Mariana (MG), onde houve o rompimento da barragem da mineradora Samarco, que liberou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A lama deixou 19 mortos, destruiu comunidades inteiras e impactou dezenas de municípios ao longo da bacia do Rio Doce, chegando até a foz no estado do Espírito Santo.

“Quando a lama veio, veio destruindo tudo. E quando chegou no nosso território foi um sofrimento para todos nós. Foram muitas famílias que ficaram sem casa, crianças ficaram sem escola, nós ficamos sem igreja. E então foi danos para todos. Ficamos sem ponte, sem estrada”, relembrou Maria das Graças, da comissão de atingidos de Gesteira.
Feliz com a vitória, após 7 anos de muita cobrança e dezenas de reuniões, a atingida também compartilhou sua gratidão com as organizações e movimentos que contribuíram com a conquista:
“A luta foi longa, mas hoje nós agradecemos a Deus e a essas pessoas que estiveram no nosso território, ajudando a cada um dos atingidos porque foi com essa ajuda que nós estamos conseguindo essa vitória hoje”.

A “terra prometida” e a promessa do reassentamento
Simone Silva, participante da Comissão de Pessoas Atingidas de Barra Longa e moradora da comunidade de Gesteira, citou passagens da Bíblia para expressar a trajetória de anos de espera pela garantia do direito ao reassentamento.
“Nós estamos escrevendo história no dia de hoje. Nós caminhamos sete anos e meio rumo à ‘terra prometida’ e foram vários obstáculos que encontramos. Hoje, nós derrubamos o muro e vamos entrar na ‘terra prometida’ ”, disse Simone.
O papel da assessoria
Apesar de não estar mais no território, desde agosto de 2021, a Aedas acompanhou as tratativas finais do acordo, a pedido da comunidade, e esteve presente na audiência. Verônica Medeiros, da Coordenação Institucional da Aedas, comentou sobre o suporte da assessoria técnica independente nesse processo.
“Durante os 4 anos de assessoria em Barra Longa, o trabalho junto à comunidade foi constante, desde a escolha do terreno, construção de parâmetros e critérios para o reassentamento. Tudo isso contribuiu com a conquista da ampliação do terreno e do direito ao reassentamento, até o momento em que a comunidade construiu o projeto conceitual do reassentamento coletivo”, explicou.

“Esse acordo celebrado hoje é um testemunho da luta e resistência das pessoas atingidas que apesar de todos os desafios não desistiram e agora dão mais um passo no sentido da concretização do reassentamento”, afirmou Verônica.
Sair das palavras e ir para a materialidade
Karine Gonçalves, do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), acompanha a organização das famílias atingidas na cobrança por reparação. Para ela, as palavras dos termos do acordo assinado agora precisam se tornar concretas.
“Hoje é um dia importante em que a gente chega em um termo, pelo menos parcial, de um processo de luta que vem desde 2015, mas não significa que é o final de um desafio que foi vencido, mas vai ser a continuidade desse desafio para tornar, de fato, concreto o acordo, sair das palavras e ir para a materialidade”, pontuou.
Simone também lembrou da importância da organização das famílias e de toda a articulação construída nos mais de 7 anos após o rompimento. Ela aponta o acordo como o resultado histórico do encontro das famílias na luta por seus direitos.
“Eu acho que o mais importante disso tudo e o que possibilitou (esse acordo) foi o encontro de todas as pessoas que tiveram envolvidas nesse processo desde o início até hoje. É um acúmulo histórico de atores, de luta, e esse é o resultado disso. A gente continua acumulando mais história daqui pra frente”.

Urbanização
O acordo também estabelece que a Fundação Renova será responsável por arcar com todos os custos e despesas relacionados à reconstrução e recuperação da comunidade de Gesteira, incluindo a aquisição do novo terreno, a elaboração de projetos, a infraestrutura, a construção de imóveis e a demolição de estruturas remanescentes. A fundação repassará ao município mais R$ 57 milhões para urbanização e demais obras.
O coordenador de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do MPMG, promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, destacou a relevância do acordo:
“O acordo de Gesteira é um marco. O sentimento de todos – advogados, instituições de justiça, assessoria técnica e pessoas atingidas – é de que foi feita Justiça. As pessoas que vimos cabisbaixas e tristes nas visitas à comunidade, agora estão comemorando essa vitória. Elas terão a oportunidade de reconstruir o sentimento comunitário. Foram dezenas de reuniões e mediação de conflitos de toda ordem. Saímos felizes desta fase, certos de que é possível fazer acordos com ampla participação”.

Fundo e acordo com o Município
Foram assinados dois acordos: um para garantia das indenizações, urbanização e implantação de um fundo da comunidade, e outro com o município de Barra Longa e o Consórcio para o Desenvolvimento do Alto Paraopeba (Codap), que terão o acompanhamento do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
Texto: Comunicação Aedas com informações do site do MPMG