Acordo entre Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça é fechado em 37,68 bilhões
Nesta quinta-feira (04), foi firmado um acordo entre a poluidora Vale, o Governo do Estado de Minas Gerais e Instituições de Justiça (IJs), no valor de 37,68 bilhões de reais, pelos danos socioambientais e socioeconômicos causados ao estado de Minas Gerais, em decorrência do rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão. O acordo histórico, como foi chamado durante a audiência de conciliação, é o maior acordo em desembolso da América Latina, e agora recebe o nome de Termo de Medidas de Reparação.
A conciliação aconteceu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e a mesa foi composta pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), Gilson Soares Lemes; o procurador-geral da República, Augusto Aras; o chefe do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Jarbas Soares; o defensor público-geral do Estado, Gério Patrocínio e o terceiro vice-presidente do TJMG, Nilton Teixeira, dentre outras autoridades. Em uma coletiva de imprensa, representantes das Instituições de Justiça e do Governo do Estado responderam dúvidas dos presentes e explicaram em linhas gerais os termos do acordo, agora homologado.

A primeira dúvida da imprensa foi porque as pessoas atingidas não puderam participar das tratativas do acordo e quanto tempo vai demorar para que essas medidas e projetos possam ser implementadas. O defensor Gério Patrocínio chegou a afirmar que “dentro do processo, o município de Brumadinho não é parte, mas esses valores têm destinação certa, são projetos voltados para os atingidos”, disse.
Segundo ele, a Defensoria Pública realizou, desde o rompimento, 11.810 atendimentos individuais em sua sede em Brumadinho e para potencializar a participação durante as tratativas, os Ministérios Públicos e a Defensoria Pública realizaram, desde novembro de 2020, dezenas de eventos na internet com apoio das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), para manter as pessoas atingidas e a população em geral devidamente informada sobre o que estava ocorrendo.
Entretanto, as ATIs e as pessoas atingidas, que não foram convidadas e nem entraram em nenhuma audiência de conciliação, rebateram essas afirmações do lado de fora do Tribunal, enquanto a audiência estava sendo transmitida pelas redes sociais das instituições de justiça. As ATIs e a população atingida não participaram de nenhum evento de discussões para elaboração do acordo. Os debates, auto-organizados, ou seja, chamados pelas próprias pessoas atingidas, com apoio das ATIs, serviram para denunciar a ausência de participação no processo.

“As comissões de atingidos e atingidas e as próprias Assessorias Técnicas só ficaram sabendo da existência do acordo em outubro de 2020, quando solicitaram o apoio das assessorias para compreender o processo e reivindicar a participação. Até hoje, quando o acordo foi celebrado, houve não só a falta de participação dos atingidos, como o não acesso aos documentos. Isto prejudica o processo de reparação integral, pressuposto básico da recuperação depois de um desastre de alto dano como foi este. A pressa em fechar um acordo com a alegação de iniciar a reparação, sem que a dimensão dos danos seja medida, pode também prejudicar que a justiça seja feita. Além disso, existem dispositivos jurídicos que também podem acelerar a reparação, o acordo não era o único caminho”, afirma Ísis Táboas, coordenadora geral do Projeto de ATI da Aedas em Brumadinho.
Moradores e moradoras das cinco regiões da bacia do Paraopeba e familiares das vítimas, ainda em dezembro de 2020, chegaram a produzir e enviar às instituições de justiça um Manifesto, apontando seu posicionamento sobre o acordo que estava sendo feito nos bastidores, sem participação informada. O Manifesto foi divulgado amplamente pelas pessoas atingidas, suas assessorias técnicas e entidades parceiras.
Em relação ao auxílio emergencial, o Defensor afirmou que agora ele se transforma em um Programa de Transferência de Renda. “O número de pessoas que receberão o auxílio ainda não foi fechado porque ainda estamos analisando junto às instituições de justiça.. Hoje em dia aproximadamente 100 mil pessoas recebem o auxílio, mas esse número pode aumentar. Pois o auxílio, com as regras que temos hoje, dura por mais três meses e depois elas serão reavaliadas”, explica Gério.
A imprensa chegou a perguntar ao Governador do estado de Minas Gerais, Romeu Zema, como esse acordo bilionário impacta nas eleições de 2020, mas o governador não quis entrar nos assunto e disse que estavam ali para resolver o ressarcimento dos danos socioeconômicos e ambientais a Brumadinho, e que não valia a pena misturar essas questões. Os presentes afirmaram que, a partir da próxima semana, vários editais serão lançados imediatamente e que o auxílio já foi renovado.
Outra pergunta feita pela imprensa foi o porquê da diminuição de cerca de 30% do valor inicial estipulado ao acordo pelo governo (de 54 bilhões para 37 bilhões). A justificativa, dada pelo Desembargador Nilton Teixeira, destacou o fato de o país estar em uma pandemia, em um momento de recessão. “O valor de 54 bilhões era uma estimativa, e esse é um valor racional, que vai dar para fazer as obras previstas nesse acordo”. Romeu Zema disse que, para o Estado, o valor pode não estar fechado. “É um piso, pode ir além, mas a menos não. Mas se amanhã houver novos danos, será preciso uma nova reparação”, conclui.
Entretanto, segundo nota oficial da Vale lançada nesta quinta (04), “O processo de mediação conduzido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais permitiu a construção de um Acordo que encerra, de forma definitiva, os litígios com o Estado de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Estadual, e Defensoria Pública de Minas Gerais”, assinala o Diretor Jurídico da Vale, Alexandre D’Ambrosio.
Jarbas Soares, Procurador Geral da República, disse que o acordo tem caráter punitivo reparatório. O governador Zema chegou a dizer que as 272 vidas ceifadas pela tragédia não foram em vão, pois muitas seriam salvas com os empregos que serão gerados com o recurso do acordo. De acordo com ele, os prefeitos poderão opinar nos projetos a serem executados.
Quando questionado sobre se o acordo precisaria passar pela Assembleia Legislativa, Zema respondeu: “Queremos que o parlamento participe também. Além das verbas para os atingidos, as verbas para as obras que vão para o estado ficarão no cofre do governo e terão a contabilidade que se faz com qualquer entrada no caixa do estado”, afirmou o governador, diferente do que foi dito no início das audiências, de que a verba do acordo teria uma conta específica e não seria depositado na conta única do estado.
Entre o tom triunfalista dos agentes do acordo e a indignação das pessoas atingidas, que protestavam na porta do tribunal e também na transmissão virtual da audiência, havia muita diferença. No chat, a população atingida participante se revoltava e os comentários eram de críticas à Vale e ao Governo Zema; enquanto lá dentro as instituições, que se colocam como representantes das pessoas atingidas, comemoravam.
Ainda segundo o Ministério Público de Minas Gerais, estão excluídas do acordo as indenizações individuais dos atingidos, que podem buscar a garantia de seus direitos junto ao Poder Judiciário. Da mesma forma, não há repercussão do acordo em relação ao processo criminal em curso na Justiça estadual de Brumadinho. No site, é afirmado que houve a aceitação da denúncia formulada pelo MPMG contra 16 pessoas físicas, de engenheiros a dirigentes da Vale e da TüvSüd, por homicídios dolosos duplamente qualificados e por diversos crimes ambientais. Também são acusadas pelos mesmos crimes ambientais as pessoas jurídicas Vale e TüvSüd.
TERMOS GERAIS DO ACORDO
- Projetos gerarão 365 mil empregos
- Reparação ambiental e integral não tem teto
- Programa de transferência de renda será implementado
- 30% do acordo, quase 12 bilhões de reais serão aplicados no município de Brumadinho, em projetos de demanda direta dos e das atingidas, segurança hídrica, projetos socioambientais e medidas emergenciais, dentre outros.
- 9,17 bilhões de reais irão para demandas diretas dos atingidos:
— 4,4 bilhões para o Programa de Transferência de Renda, antigo auxílio emergencial que continua com as regras de hoje por mais 3 meses e depois Estado e as instituições de justiça (MPMG, MPF e DPE) farão a nova proposta de critérios, que será submetida ao juízo
— 1 bilhão de reais de auxílio emergencial já foi pago e não deve ser descontado dos 4,4 bilhões do novo programa.
- Projetos serão feitos através de consulta à população:
- Reforma de todas as escolas públicas da região;
- Melhoria da rede psicoassistencial de saúde
- Universalização do saneamento básico: 1,55 bilhão de reais
- Mobilidade : 4,95 bilhões, com destaque para a construção do Rodoanel e ampliação do Metrô de Belo Horizonte
Fotos: Rurian Valentino
Mais detalhes em:
Tribunal de Justiça: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/presidente-do-tjmg-anuncia-acordo-historico-entre-a-vale-e-as-instituicoes-publicas-8A80BCE676728EAA01776D32461E7848.htm#.YBwjBuhKiUl
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