Por um Rio Doce vivo, justo e sem fome: acampamento unifica luta de atingidos/as do Rio Doce e Paraopeba
Atividade durou dois dias e firmou agenda de discussão das pautas apresentadas pelos atingidos

Após quase 7 anos do rompimento da barragem de Fundão, Mariana-MG e quase 4 anos do rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho, atingidos e atingidas da Rio Doce e Paraopeba e Lago de Três Marias se unem em acampamento no dia 22 de junho. A atividade conjunta luta por reparação justa, por participação, garantia de direitos e reparação ambiental, pela participação na repactuação do Acordo referente ao rompimento da barragem da Samarco que impactou a Bacia do Rio Doce.
Acampados na porta da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, os atingidos denunciam o avanço do processo de repactuação do acordo do Vale do Rio Doce, que tem se dado sem a participação das pessoas atingidas, vítimas do rompimento e da impunidade que permite a ampliação cotidiana dos danos em suas vidas e de suas comunidades.
Nos dois dias de acampamento, foi construída uma agenda de debates, reuniões, atos para reivindicar mais uma vez o direito ao protagonismo e a participação nos processos de decisão que envolvam o presente e o futuro dos atingidos e das atingidas. “Nosso objetivo é denunciar esta forma de fazer acordo, reafirmar nossas propostas entregues às autoridades e dialogar com a sociedade brasileira sobre os danos que se renovam a cada ano, sobretudo depois das enchentes de rejeitos” diz a nota de convocação do ato.
Não é possível acordo sem a participação dos Atingidos/as
Além da reivindicação da participação e protagonismo no processo de repactuação do acordo do Rio Doce, reivindicam participação nas questões relativas ao pós-acordo na bacia do Paraopeba, definindo como será a execução desses programas e ações que foram fechados no acordo judicial de fevereiro de 2021.
Segundo Letícia Oliveira, do Movimento dos Atingidos por Barragens, os/as atingidas esperam respostas sobre o andamento da repactuação, sobre como estão as pautas, as reivindicações que já foram apresentadas pelos atingidos e atingidas, se estão sendo consideradas e garantidas, e qual o modelo formal de participação dos atingidos que ainda não foi garantido.
“Estamos ocupando a capital do estado para fazer a denúncia desses quase sete anos do crime da Vale em Mariana e quase quatro anos em Brumadinho, da reparação que não foi feita, da situação que os atingidos estão vivendo, da injustiça, da não punição das empresas e também para reivindicar os seus direitos frente ao possível acordo que está sendo organizado para a Bacia do Rio Doce, essa repactuação, que os atingidos querem participar desse processo, não é possível esse acordo sem a participação dos atingidos”, afirma Letícia.
Grades de um lado, luta e solidariedade de outro
Apesar de encontrar o órgão público rodeado de grades, o acampamento contou com a presença e declarações de apoio de representantes das instituições de Justiça como Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE), Ministério Público de Minas (MPMG) e Coordenadoria de Inclusão e Mobilizações Sociais (Cimos), que reforçaram a importância da garantia da participação dos atingidos no processo.
Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerias, destacou a importância do momento de luta e da interação entre os atingidos.
“Esse momento de luta é muito importante , é muito importante para que a gente consiga a igualdade, para que as conquistas da Luta da Bacia do Paraopeba cheguem no Rio Doce, da Bacia do Rio Doce cheguem no Paraopeba, para que os atingidos que saíram de casa por causa do acionamento de sirene sejam também reconhecidos e reparados, que os processos de fortalecimentos de mecanismos de assessoria técnica, da construção coletiva popular verdadeira, sejam colocadas como essenciais da reparação verdadeira”, pontuou a defensora pública.
A promotora de Justiça Shirley Machado reforçou os deveres constitucionais de ouvir e compreender a situação a partir de quem vive: “Não tem como pensar em inclusão sem ouvir as pessoas. A gente acredita mesmo que não existe justiça se a gente está caminhando para uma solução que não parta daquilo que as pessoas necessitam e vai realmente fazer diferença em suas vidas. Esse é o nosso compromisso”.
O promotor de Justiça do Ministério Público Estadual e coordenador da (Cimus), Paulo César Vicente de Lima, reafirma a disposição ao diálogo para tentar construir caminhos na reparação integral.
“Na perspectiva do Ministério Público de Minas Gerais, Coordenadoria de Inclusão e Mobilizações Sociais, não é possível fazer a reparação integral sem essa escuta prioritária dos atingidos. Para isso é importante ouvir os atingidos devidamente assessorados pelas Assessorias Técnicas Independentes, para que possamos contribuir para uma reparação efetivamente integral”.

Ato político com a participação de várias organizações parceiras da luta dos atingidos
O ato teve início às 14:30 do dia 22 com a coordenação do MAB (Movimento de Atingidos por Barragem) e da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, e contou com a presença atingidos da Bacia do Paraopeba e Lago de três Marias, Bacia do Rio Doce, Itatiaiuçu, grupo de atingidos de Cachoeira do Brumado, além de entidades sindicais como Sindifes, Sindieletro, representantes dos mandatos dos deputados Rogério Correia e Padre João e deputada Beatriz Cerqueira, Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), SOS Vargem das Flores, Movimento Bem Viver de MG, Levante Popular da Juventude (LPJ), A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Comissão de apoio à advocacia popular da OAB MG, entre outros.
O ato iniciou com um minuto de silêncio em memória às 272 vítimas fatais do rompimento, em seguida as falas que trouxeram apoio, solidariedade e denúncias.
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Seu Alberico, de Cachoeira Escura da Bacia do Rio Doce, foi a primeira fala denunciando que as autoridades que estão fechando os olhos para a população atingida da Bacia do Rio Doce e do Paraopeba, que clamam por Justiça.
“Eu peço às autoridades que abram o olho e enxerguem o pequeninho que está lá embaixo, porque só enxergar o gigante da mineradora onde está o poder e o dinheiro não adianta. Vai morrer muita gente, vai morrer de fome porque não tá tendo o que comer, não pode vender o peixe, não pode comer o que tá na beira do Rio. A Justiça está fazendo de conta que não está nos enxergando” , disse.
Marcelo do Movimento dos Atingidos pela Mineração saudou a união dos atingidos e destacou que mais uma vez os atingidos estão em luta pelo óbvio, para que minimamente tenha um processo de reparação e a justiça seja construída com as populações atingidas e para atender os seus interesses.
“O MAM segue firme pela reparação integral nas duas bacias do Rio Doce e do Paraopeba, mas também pela construção de outro modelo de mineração no Brasil”.

2º Dia de Acampamento
O Segundo dia de acampamento foi marcado por agenda de diálogos e lutas.
Pela manhã foi realizado um ato em frente a porta da Mineradora ArcelorMittal, protagonizado pelos atingidos de Itatiaiuçu.
Foram também realizados espaços de discussões no acampamento sobre as pautas que vem sendo defendida pelos atingidos e que serão debatidas na reunião do Ministério Público: Rio Doce Sem Fome, Fundo Popular, Fundo Social, Saúde, Indenização individual justa, Assessorias Técnicas independentes, Rio Doce Vivo, Fim da Fundação Renova.
Um dos pontos importantes da reunião foi a defesa do Direito à Assessoria Técnica.
“A Aedas é uma das entidades escolhida em 2018 para prestar assessoria técnica a 4 territórios da bacia do rio Doce: Vale do Aço, Itueta e Resplendor, Conselheiro Pena, Aimorés e, apesar da não contratação, tem acompanhado a luta dos atingidos e atingidas por uma reparação justa que se arrasta por 6 anos e 8 meses”, explicou Veronica Medeiros, coordenadora institucional na Aedas.
A assessoria técnica é um direito que deve ser garantido cuja tarefa central é promover amplo debate junto aos atingidos e atingidas sobre a reparação integral dos danos provocados pelo rompimento da barragem e as medidas de reparação.
Às assessorias técnicas cabe a importante tarefa de aprofundar a compreensão dos danos, produzir laudos técnicos e estudos confiáveis sobre as questões que tocam o território, produzir uma matriz de danos que contribua com cálculo de uma indenização justa, auxiliar na elaboração de projetos locais para a reativação econômica e nas propostas de reparação dos demais temas apontados pelas pessoas atingidas, como a questão da saúde, água, enchentes e rejeitos que são grandes preocupações das populações atingidas.


Reunião com Ministério Público e Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre a Repactuação
A reunião realizada no Ministério Público Estadual deputados/as, teve como tema central o tema da Repactuação da Bacia do Rio Doce, além de ser um momento de entregar resultados de alguns encontros que debateram e construíram propostas que contemplam os interesses dos atingidos como pontuou Rodrigo Pires.
Estiveram presentes Rodrigo Pires da Cáritas e Letícia Oliveira do MAB como coordenadores da mesa de diálogo, o Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual e coordenador da (Cimos) Paulo César, Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerias, a promotora de justiça Hozana Regina, o Deputado Rogério Correia e a deputada Estadual Beatriz Cerqueira.
Os principais pontos de debate são parte de um documento apresentado no dia 29 de março de 2022, pela Articulação dos atingidos/as e organizações populares da Bacia do Rio Doce e Litoral Capixaba- Por um Rio Doce Vivo e Sem Fome.
Na ocasião foi apresentado ao Ministro e Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luiz Fux, um conjunto de reivindicações que consideram essenciais para a chamada “Repactuação” de um acordo sobre um processo que já ultrapassa 06 (seis) anos de impunidade do crime da Samarco, Vale e BHP Billiton, ocorrido em 05 de novembro de 2015 com o rompimento da Barragem de Fundão, na cidade de Mariana-MG, e no contexto da chamada Repactuação.
Itens contidos no documento:
1. Rio Doce Sem Fome: trata-se de um programa de transferência de renda, em substituição ao AFE – Auxílio Financeiro Emergencial, onde se objetiva que sejam reservados recursos para promoção e reestruturação da renda, visando o combate à fome e à pobreza, a ser gerido de forma independente das mineradoras e com plena participação dos atingidos, através de quatro eixos: pagamentos mensais em conta (reestruturação da renda), produção e distribuição de alimentos saudáveis com reativação econômica local, formação e qualificação profissional e mulheres como um eixo transversal.
2. Fundo Popular: destinado a projetos coletivos para as comunidades atingidas que têm como objetivo a reparação e compensação coletiva visando promover a auto sustentabilidade e superação das desigualdades econômicas e sociais, a geração de renda o, bem-estar e retomada dos modos de vida, promovendo a integração e união. Os recursos deste fundo deverão ser geridos pelos próprios atingidos, devendo se orientar pelo incentivo às novas práticas produtivas e modelos sustentáveis de agroecologia, economia solidária e comercialização em redes, através do fortalecimento das cadeias produtivas, cultura, lazer, turismo, infraestrutura, entre outros.
3. Fundo Social: que no âmbito da indenização dos Estados seja criado um fundo social para aplicação em políticas públicas nas áreas sociais de maior relevância, definidas com participação popular e com preferencial destinação dos recursos às regiões atingidas e as mais empobrecidas. A exemplo de um programa de apoio aos atingidos pelas fortes enchentes.
4. Saúde: criação de um programa na área da saúde que garanta o diagnóstico, monitoramento, prevenção e atendimento da população atingida pelos diversos danos à saúde, física e psíquica.
5. Indenização individual justa: que sejam anulados os termos de quitação impostos pelo programa NOVEL e criado um programa de indenização individual que garanta a reparação integral dos danos, através da construção de matriz de danos a serem feitas pelas assessorias técnicas independentes. E ainda, que os grupos e comunidades que ainda não foram indenizados em nenhum processo indenizatório, sejam reconhecidos e indenizados, como a cadeia de apoio a pesca do camarão da Praia do Suá e comunidades do litoral capixaba.
6. Assessorias Técnicas independentes: A assessoria técnica independente é uma conquista dos atingidos garantida pela Lei Estadual dos atingidos por barragem (PEAB) Lei Estadual N°23795/2021, mas a situação da implementação deste direito na bacia do Rio Doce, não tem sido respeitado. A falta da assessoria técnica, vem causando violações de direitos uma vez as mineradoras Vale, BHP BILINTON e SAMARCO dispõem de um enorme corpo técnico de sua confiança capaz de lhes oferecer um grande volume de informações para respaldar seus processos decisórios. Sendo assim, a contratação imediata das Entidades de Assessorias Técnicas já escolhidas pelos atingidos e já homologadas se faz urgente e necessária, objetivando garantir um processo isonômico entre as partes.
7. Rio Doce Vivo: que seja garantida a descontaminação e a revitalização de todas as regiões contaminadas pela lama tóxica, garantido a criação de programas de revitalização da bacia com participação popular e com previsão de recursos sem valor teto, até a plena reparação ambiental.
8. Fim da Fundação Renova: que seja construído no âmbito da repactuação uma nova forma de governança para implementação dos acordos, que garanta a participação efetiva dos atingidos e atingidas em todo o processo de reparação. Além de uma forma de proteção das vítimas em relação às mineradoras criminosas.
A reunião foi um espaço de escuta dos/as atingidos/as, mas também de reivindicação de respostas:
O Acordo de Repactuação será assinada? Quando será assinado? Qual o conteúdo deste acordo? Até que ponto as reivindicações apresentadas pelos atingidos tem sido considerada?
As falas dos 8 atingidos/as rememoraram as dores e adoecimentos coletivos vivenciadas a 7 anos na Bacia do Rio Doce e da Bacia do Paraopeba, o controle político e econômico das Mineradoras em suas regiões mesmo depois dos rompimentos, a morosidade da justiça, a importância das Assessorias Técnicas Independentes na garantia da participação informada, do apoio para identificação dos Danos sofridos. Também solicitam respostas das instituições de justiça sobre o andamento do processo de Repactuação indicado para ser assinado no próximo dia 25/06.
Para encerrar a reunião os representantes do Ministério Público afirmam que já apresentaram as reivindicações dos atingidos, destacando que o fundo social não pode entrar na medida que a participação popular é entendida no marco das políticas públicas, dos conselhos.
Foi reafirmado o compromisso de seguir representando os interesses dos atingidos nas mesas de construção do acordo de Repactuação e em todos os processos que envolvam a reparação integral.

Como encaminhamento, firmou-se compromisso do Ministério Público para com o processo continuado de diálogo que garanta a participação dos atingidos e uma agenda de discussão específica para cada um dos temas apresentados, e uma agenda geral com os atingidos/as no final de julho.
A deputada Beatriz Cerqueira garantiu a participação de todas as comissões de atingidos na agenda a ser confirmada na Assembleia Legislativa e o deputado Rogério Correia fez uma entrega simbólica ao Ministério Público e aos atingidos do relatório final da Comissão Externa destinada de acompanhamento e fiscalização da repactuação do acordo referente ao rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco.
Texto: Diva Braga