Três anos e meio após o desastre-crime da empresa Vale, a cidade de Brumadinho ainda vive seu luto e organiza sua luta em um contínuo de dor e de garra na busca por justiça.

Muitas pessoas se dedicam dia e noite para que a justiça seja feita, dialogando sobre a construção da reparação integral, informando sua comunidade sobre o andamento dos projetos, mobilizando a população em torno da conquista de direitos, organizando eventos e participando dos espaços de construção junto a Aedas, a outras entidades e instituições.

Essas pessoas estão atuando para proteger os direitos humanos de todos que sofreram e ainda sofrem com os danos e consequências do rompimento. Elas cumprem um papel importantíssimo em suas comunidades e são, portanto, defensores/as de direitos humanos.  

Os/As defensores/as de direitos humanos são pessoas que contribuem para o fortalecimento da democracia, do Estado de Direito, do sistema de Justiça, do combate à exclusão social e à pobreza. O próprio Estado Brasileiro, alinhado com organizações internacionais como a ONU, reconhece a importância daqueles/as que trabalham – na maioria das vezes, voluntariamente – para a defesa de direitos, tendo criado, em 2004, o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos no Brasil (PPDDH). Em Minas Gerais, a lei nº 21.164 de 2014, institui o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Minas Gerais – PPDDH-MG.  

Ser um/a defensor/a da reparação integral dos atingidos/as pelo rompimento da barragem em Brumadinho é ser defensor dos direitos humanos, em busca de resguardar direitos básicos que foram perdidos com o rompimento como, primeiramente, as vidas, mas também, a moradia digna, a alimentação saudável e o meio ambiente equilibrado.  

Ser um/a defensor/a é lutar por justiça. A quem interessa agredir aquelas que lutam por justiça? 

A coordenadora do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) de Minas Gerais, Maria Emília, traz reflexões sobre essa defesa e a importância para a garantia de direitos nos territórios atingidos por grandes empreendimentos, dentre eles a mineração.  Maria Emília é fundadora do programa que atua há 12 anos no estado.

Confira entrevista completa no vídeo abaixo: 

A entrevista faz parte da campanha “Um rompimento: quantos direitos atingidos?” promovida pela Aedas Paraopeba. A campanha busca promover o debate sobre as violações de direitos no território e articular a população atingida na luta coletiva pela reparação.

Atingidos e atingidas de Brumadinho e região passaram a ser protegidos pelo Programa de Proteção após sofrerem ameaças e perseguições no território.

Emília criticou o que chamou de estratégia dos grandes empreendimentos que trazem conflitos internos para os territórios, ainda que em um momento de reparação coletiva.

“As estratégias ou o modus operandi dos grandes empreendimentos é malévolo quando ele trata da reparação coletiva, mas articula individualmente as pessoas para elas se colocarem umas contra as outras na busca dessa reparação financeira”, afirmou.

Confira os principais temas da entrevista:

Sonho que desfaz rapidamente

Na entrevista, Maria Emília alertou que os grandes empreendimentos surgem sempre como uma oportunidade de novos empregos e melhoria de vida para os territórios, mas que logo revela seu lado de exclusão.

“Os bons salários, o progresso, o contribuir para o desenvolvimento industrial surgem para o povo como se fosse um fetiche, mas, na verdade, todas essas situações são parte da desestruturação dessas mesmas comunidades e, obviamente, da exclusão, que vem de uma forma muito mais violenta pós-crime. Aquele sonho anterior ele se desfaz de uma forma coletiva muito rápido”, alertou Emília.

Insegurança nos territórios

Maria Emília também falou da insegurança que essas estratégias geram paras os trabalhos das assessorias técnicas nos territórios e seus profissionais, e disse temer pelo desaparecimento das organizações que lutam pela garantia da reparação.

“O meu receio é que a organização dos povos que têm luta para garantir a reparação das mineradoras, acabe desaparecendo. E esse desaparecimento está conectado com os colaboradores, os profissionais que atuam nas assessorias técnicas independentes, porque a partir do momento em que eles não têm condição de desenvolver o trabalho da forma necessária para garantir o direito para outros, para terceiros, o grupo se desfaz, ele se perde. A comunidade se desfaz também, na luta e na busca que ela tem”, pontuou.

Presença no território

A vice-diretora do Instituto DH apontou que a presença das Instituições de Justiça e outros órgãos é uma das alternativas para garantir a segurança e a legalidade nos territórios atingidos.

“A presença do Ministério Público, da Defensoria Pública do Estado e da União, o CAO-DH (Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário) e controle externo da atividade policial são essenciais para se fazerem presentes nesse momento. Tem sido o papel do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos essa tentativa de articulação entre o Programa e esses órgãos e dos órgãos entre si”.

Sobre Maria Emília 

Maria Emília é natural de Miguel Burnier, distrito localizado em uma região com forte tradição para a atividade mineradora, a 40 km de Ouro Preto. Nascida em uma região histórica, Emília se reivindica enquanto quilombola. “Fui criada no ambiente rural e sempre voltada para o trabalho coletivo”, revelou a advogada, que lembrou ainda seu vínculo com as manifestações tradicionais, seu pai era rei do Congado. 

Na década de 80, foi missionária de Jesus Crucificado, congregação na qual atuava junto a comunidades quilombolas e de matriz africana. Sua atuação percorreu continentes, chegando a trabalhar em Angola, na África. 

De volta ao Brasil, Maria Emília trabalhou na Pastoral Carcerária em Betim. Sua trajetória continuou voltada para a área de direitos humanos. Começou na Coordenadoria de Direitos Humanos de Belo Horizonte como assessora jurídica onde chegou a ser coordenadora municipal. 

Maria Emília também atuou no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes (2002) e no Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita), em 2007. 

Atualmente coordena o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) de Minas Gerais. Ela também é vice-diretora do Instituto DH: Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania. Maria Emília é pós-graduada em Direitos Humanos com mestrado em Meio Ambiente.