Rompimento da barragem Córrego do Feijão matou 272 pessoas e provocou prejuízos em toda Bacia do Paraopeba.

“O luto de irmão é uma coisa não reconhecida no nosso país”, lamenta a professora de educação infantil Natalia de Oliveira, 48 anos, mãe de dois filhos e irmã de Lecilda de Oliveira, “uma das 11 joias ainda não encontradas do crime da Vale”, como ela mesma define.
Nascida e criada em Brumadinho, Natalia recorda que em 25 de janeiro de 2019 estava em casa, assistindo a uma série, quando recebeu três mensagens que mudaram de vez a sua vida e a daquela cidade. “Chegou no meu WhatsApp: ‘barragem rompeu’. Aí, segunda mensagem: ‘barragem da Vale’. Quando chegou a terceira mensagem, falando que era no córrego do Feijão, aí já mandei um áudio para ela [Lecilda] pedindo para me ligar”, conta Natalia. As tentativas de contato com a irmã ficaram “apenas com um risquinho”, sinal de que não estavam sendo recebidas nem lidas.
Mãe de dois filhos e aposentada, a analista de sistema Lecilda de Oliveira trabalhava há 28 anos na Vale, desde quando a mineradora se chamava Ferteco. Mesmo após a aposentadoria, continuou trabalhando pelo afeto que tinha à rotina profissional e à empresa, da qual tinha tanto orgulho.
“O sentimento que eu tenho é que para a Vale, minha irmã é apenas um número, uma pessoa nessa tragédia. Ela não era especial para a Vale, mesmo a Vale sendo tão especial para ela e isso eu nunca vou perdoar”, lamenta com indignação.
“Calma, que vamos ter notícias”, disse Natalia, que aguarda respostas há mais de 600 dias. “A Vale nunca me ligou, nem para mim, nem para ninguém da minha família”, afirma indignada. Na medida em que as listas com nomes das vítimas eram divulgadas, deu-se início a uma série de visitas à estação de reconhecimento.
“Saíam listas duas vezes ao dia e todo dia era aquela expectativa. A gente demorou muito para acreditar que as pessoas tinham morrido, porque quem está desaparecido, vai aparecer”.
Depois daquilo, corpos eram identificados através de exames de DNA e laudos emitidos pelo Instituto Médico Legal (IML). “Demoramos a cair a ficha, a gente tinha muita fé, a gente clamava por um milagre”. Mas, aos poucos, começaram os sepultamentos em Brumadinho. Em uma visita ao cemitério, ela lembra ter visto várias covas abertas. “Foi aí que entendi a dimensão da tragédia”, conta Natalia.
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Criação da Avabrum
Com várias famílias buscando por notícias, surgiu a Comissão dos Não Encontrados. Nas reuniões com órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Comitê Gestor Pró-Brumadinho, foi orientada a criação de uma associação de familiares das vítimas, assim surgiu a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho (Avabrum).
“Assim, começamos a luta por direito dos familiares. A gente não conhecia, não sabia dos nossos direitos”. Pouco a pouco, pequenas vitórias foram sendo possíveis com o apoio entre as famílias, que seguem lutando por Justiça.
“Todo dia 25, a gente faz um ato, vamos ao marco da cidade, fazemos a chamada, relembrando o nome de cada um, para humanizar os números. Chamamos o nome da vítima e as pessoas respondem ‘Presente’!”.
Com esperança, Natalia acredita que o corpo da sua irmã ainda será encontrado e tem fé de que nada terá sido em vão. “Nunca irei esquecer e não vou deixar as esquecerem, as pessoas que morreram eram tão especiais, que tem que haver um sentido maior nisso tudo, tem que ser para que a Vale aprenda a respeitar a vida, que sirva de aprendizado. Estamos pagando um preço muito alto, mas, se for para salvar outras vidas, é uma forma de honrar a morte dos nossos”.
Texto: Marcos Barbosa