Encontro debate situação de barragens de rejeito na Bacia do Paraopeba, enchentes pós rompimento e formas de atingimento
O encontro ocorreu de forma virtual, organizado pela Rede de Articulação da Bacia do Paraopeba, conhecido por Paraopeba Participa e contou com a presença da Aedas, Nacab, Guaicuy, atingidos representantes das 5 regiões da Bacia e Lago de Três Marias e o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Foi transmitida na noite desta segunda-feira (12), via Youtube, uma reunião virtual realizada pelo Participa Paraopeba para debater a situação das barragens de rejeito que atingiram, e podem atingir novamente, a Bacia do Paraopeba e o Lago de Três Marias, as formas de ser atingida/o e as enchentes após o desastre-crime em Brumadinho.
Estavam presentes na reunião representantes das três Assessorias Técnicas Independentes da Bacia do Paraopeba (Aedas, Nacab e Guaicuy), pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, pertencente à mineradora VALE S.A e o professor Bruno Milanez, coordenador do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Bloco 1: Formas de atingimento por barragens de rejeito
O encontro contou com três blocos. No primeiro, chamado de “Bloco 1: Formas de atingimento por barragens de rejeito”, o professor da UFJF, Bruno Milanez, iniciou o debate trazendo reflexões sobre o que é ser uma pessoa atingida e as diferentes formas de atingimento.

“Não precisa esperar uma barragem romper para ser uma pessoa atingida”, disse o professor.
Milanez exibiu legislações da Política Estadual de Segurança de Barragens (Lei 23291/2019) e da Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Lei 23795/2021) e finalizou sua primeira fala sobre a categorização das comunidades como estratégia de divisão.
“As formas de atingimento são várias. Os direitos das pessoas atingidas são vários também. Não cabe a mineradora impor esse atingimento ou dizer o tipo de atingimento que a pessoa vive (…). É muito comum as mineradoras tentarem dizer às pessoas que elas não são atingidas para dividi-las. Elas [mineradoras] começam a criar uma série de classificações falsas”, afirma Milanez.
Sobre as variadas formas de ser atingida/o, Pedro Henrique Aguiar, do Guaicuy, que presta assessoria técnica independente para as Regiões 4 e 5, trouxe provocações sobre as questões territoriais e espaciais, trazendo um panorama de que a sociedade como um todo acredita que ser atingida/o são aquelas/es pessoas que vivem em municípios como Brumadinho ou Mariana, por exemplo.

“É importante quebrar a ideia de limite municipal, de fronteira. A fronteira que é criada dentro das linhas dos municípios fecha a visão do restante da sociedade de que aquele impacto é muito maior. A Bacia Hidrográfica é fundamental nessa perspectiva (….) A Lei de Segurança de Barragens traz isso, mas a lei surgiu em 2019, então a gente já faz a partir daí um entendimento de que é muito recente. Se é muito recente, como que fica a situação das pessoas que porventura não estão cientes de que elas estão em risco? Existe uma barragem em algum local do Estado, que está longe, teoricamente, do seu município, mas que se romper as pessoas poderão estar em uma situação problemática”, Pedro Aguiar, Guaicuy.
Pedro reforça a necessidade da legislação e normativas, mas também de políticas públicas, debates sociais, construções e organizações das pessoas atingidas.
Sobre o reconhecimento de ser atingida/o, Tatiana Menezes, atingida da Região 4, da cidade de Pompéu, cerca de 176 km de Brumadinho, relatou que não imaginaria que um rompimento de barragem tão distante de seu território poderia afetar sua vida e sua região.

“A maioria das pessoas da Região 4 e acredito eu que da Região 5, mal sabiam da existência da VALE S.A, a não ser por alguma propaganda, mas não poderíamos imaginar que seriamos tão prejudicados a partir da data 25 de janeiro de 2019 [data do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão]. Temos várias formas de atingimento, e cada um sabe a sua dor”, Tatiana Menezes.
Para Patrícia Ambrósio, atingida da Região 5 e que também sofreu, há 7 anos, os impactos do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, quando morava na região de Valadares, pontuou o caráter machista das mineradoras.
“A minha realidade, eu venho de Valadares [atingida pelo desastre-crime de Mariana], achei que ao vir para cá [Região 5] não fosse ser atingida novamente, estou em Três Marias, abaixo da represa, e em pouco tempo descobri que me tornei atingida (…) Com o rompimento em Mariana tudo na minha vida mudou, deixei de ser pescadora e passei a ser atingida. O meu direito eu não tive, só quem teve foi o provedor da família. É o que a VALE S.A faz com a gente atingida: eles falam que seremos indenizadas, mas, se tem um provedor, um homem na família, é ele quem recebe”, relatou Patrícia.
Para finalizar o Bloco 1, o professor Bruno Milanez fez uma consideração sobre os elementos que apareceram nas falas das pessoas atingidas presentes, que trazem um contexto de disputa de narrativa e principalmente de disputa por direitos entre as comunidades e as mineradoras.
“O processo de reparação é caracterizado pela desigualdade ao acesso de informação. Além da inversão do ônus da prova, as pessoas precisam provar que são atingidas, que moram nas delimitações, que estão dentro das regras da mineradora, o que reforça a importância das Assessorias Técnicas (…) Como é importante a presença delas para fortalecer a organização das populações atingidas”, pontua o professor.
Bloco 2: Atual situação das barragens de rejeito
Para o segundo bloco foi reservado um momento para debater o cenário de barragens na calha do Rio Paraopeba e a revitimização das pessoas atingidas.
O professor Bruno iniciou sua fala falando do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) e diz que é um plano preventivo e que na sua deliberação deveria contar com a participação das pessoas atingidas.
“Segundo a legislação, voltando para a regulação da Agência Nacional de Mineração (ANM), que faz a regulação federal em Minas Gerais, ela diz que, infelizmente, é uma regra conservadora, eu diria pró-mineração, porque é o empreendedor [mineradora] quem elabora o Plano de Ação de Emergência e disponibiliza para a Defesa Civil, Prefeitura e Instituições indicadas, e não diz que tem que disponibilizar para toda a comunidade”, Bruno Milanez.
Kalahan Battiston, representante da Aedas, que presta assessoria para as Regiões 1 e 2, trouxe um olhar geral sobre a situação das barragens de mineração nas regiões que atua baseada em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

“Nas Regiões 1 e 2, no total, são 47 barragens de mineração cadastradas na ANM.” Kalahan, Aedas.
Você pode conferir a situação das barragens no site da ANM clicando aqui e filtrar por cidade, nome do município, empreendedor, entre outros filtros.
Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra e morador da Região 1, chama atenção para a necessidade de uma visão crítica no processo do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).

“As comunidades de Brumadinho e toda Bacia vivem o trauma do rompimento e um contexto continuado de desastre-crime da VALE S.A. Ainda, essas comunidades, como aqui em Brumadinho, vivem o terror do rompimento, das ameaças e dos atingimentos de outras barragens. Os PAEBMs fazem parte de uma estratégia política das empresas e um poder legitimado pelo Estado. Eles consolidam e naturalizam uma forma de dizer para as pessoas que caso elas [barragens] rompam, terão que se auto salvar. A gente não chama de auto salvamento, a gente chama de zona da morte. Temos que ter uma visão crítica da comunidade nos processos do PAEBM (…) O caminho é lutar pela descaracterização das barragens, e não legitimar os PAEBMs”, expressou Alexandre.
Complementando a fala de Alexandre, a atingida Renata Cristina, moradora da Região 2, faz uma pergunta:
“O que nós fizemos de errado para ter Rota de Fuga? Por que estamos na Rota de Fuga? Por que estamos no corredor da morte? Nos impõe uma vida muito covarde. Todo momento somos violados. O Estado de Minas Gerais é minado, estamos no meio de uma guerra”, disse Renata Cristina.

Bloco 3: Atual situação das barragens de rejeito
Para fechar o encontro em formato de Live, mediada pela atingida da Região 1 e integrante do Paraopeba Participa, Fernanda Perdigão, foi discutido o tema das enchentes, que dialoga com os dois blocos anteriores: o autorreconhecimento necessário das pessoas atingidas e o direito à informação da existência das barragens ao longo da Bacia.
“É preciso pensar sobre o autorreconhecimento, pois os danos tragos pelas enchentes de janeiro de 2022, onde toda Bacia foi vítima de uma enchente de rejeitos que foram acumulados no leito do rio com o fluxo aumentado da chuva, acabou afetando regiões que antes nem foram atingidas”, disse Fernanda.
Lucas Grossi, representante do Nacab, Assessoria Técnica Independente da Região 3, apresentou o contexto do que foram as enchentes de 2022 e que revitimizou as pessoas atingidas da Bacia do Rio Paraopeba.

“Diversas são as formas de atingimento e não é tão simples você identificar esse atingimento, principalmente com uma canetada e uma tomada de decisão que às vezes desconsidera uma série de processos complexos. Essa preocupação com as enchentes já apareceu quando a Assessoria estava fazendo o primeiro Plano de Trabalho com a escuta das pessoas atingidas. [2020, Região 3, 1ª cheia após o rompimento] para se debruçar no que seria da Bacia, do rio, das plantações, das criações, propriedades, depois do rompimento?”, Lucas Grossi, Nacab.
Ronaldo Fonseca, atingido da Região 3, falou sobre as enchentes de janeiro de 2022.

“Além dos danos socioeconômicos e ambientais, tivemos com o início desse ano o agravamento com as chuvas. A enchente não era água de chuva normal, era água adensada, pesada, que fazia com que árvores centenárias em área de mata ciliar, de 40 a 60 metros, fossem tombadas para dentro do leito do rio como se fossem árvores em areia movediça, simplesmente desaparecendo, uma água pesada que não tinha nada que segurava. O Paraopeba expandiu suas margens em detrimento da lama. Isso assoreou lagoas. Percebemos peixe morrendo”, Ronaldo Fonseca.
Caminhando para o encerramento do encontro, Fernanda Perdigão reforçou:

“Nós todos do Paraopeba Participa acreditamos que a informação é um pontapé inicial para que se consiga obter e lutar pelos direitos”, Fernanda Perdigão.
Perdigão deixou um convite para que as pessoas atingidas não desistam da luta e se auto reconheçam enquanto pessoas atingidas junto às Assessorias Técnicas, Comissões de Atingidos e Órgão Públicos.
O encontro faz parte da campanha “Rota de Fuga – Fugir não é a Solução”, que traz uma série de postagens sobre barragens a fim de esclarecer algumas questões que envolvem o tema. Você pode acompanhar as publicações através das redes sociais do Paraopeba Participa.
Veja a transmissão completa via canal do Paraopeba Participa
Texto: Felipe Cunha