Estudo feito com mais de 100 pescadores da região aponta interrupção da pesca e substituição do peixe no prato das famílias atingidas. 

Antes consumido cinco vezes por semana, com o rompimento da barragem da Vale na Bacia do Paraopeba, o peixe parou de ser a fonte de proteína animal para muitas famílias dos municípios da Região 2. É o que aponta um estudo feito pela Enraíze, consultoria contratada pela Aedas.  

Foram aplicados 101 questionários sobre a atividade pesqueira, com 26 pescadoras e 75 pescadores, a maioria deles (70%) moram no território há mais de 20 anos.   

De acordo com o estudo, o rompimento da barragem aumentou consideravelmente o gasto mensal com alimentação, chegando aos valores de R$ 251,00 a R$ 500,00 apontados pela maioria dos(as) pescadores(as) entrevistados.  

Pescador atingido em pesca na Região 2. Foto: Rurian Valentino/Aedas

 Airlys Ramos, assessora técnica da Aedas na área de Economia, Trabalho e Renda, explica que a segurança alimentar das famílias foi atingida com esses danos, pois a maioria da população ribeirinha tinha o peixe como importante fonte de alimento.  

“Agora essas famílias têm o gasto ou nem têm mais essa fonte de proteína animal em casa. Como não podem mais pescar, alguns substituíram o peixe por um outro tipo de proteína animal ou por um outro tipo de alimento. Outros não tiveram nem condição de substituir, tiraram essa opção de proteína animal do prato”, disse. 

O pescado, segundo o estudo, foi substituído em sua maioria por frango, apontado por 73 pescadores(as) (73%); o ovo, destacado por 57% dos(as) pescadores(as); a carne suína, por 48%; a carne bovina, por 48 pessoas (48%); e, por último, o pescado congelado, em 17% dos questionários. 

Foto: Felipe Cunha/Aedas
Conhecimento entre gerações 

A tradição familiar e a convivência comunitária gerada com a pesca também apareceram no estudo da Aedas.  

“Nos relatos, muitos dizem que aprenderam a pescar com o pai, com a mãe ou com o avô e, como agora o rio está contaminado, como vão passar a tradição de pescador? Não só da própria pesca, mas a tradição de ensinar a construir uma rede, de consertar um barco. Afetou não só a renda da família, afetou todo o convívio que essa família tinha, com o vizinho, afetou toda essa tradição de passagem de conhecimento para outras gerações”, afirmou Airlys. 

Peixes da região 

Alguns dos principais peixes que compreendiam a cadeia produtiva da pesca artesanal do Paraopeba: mandin chorão, tambaqui, cascudo , dourado , piranha , tilápia , pacumã , tucunaré , traíra, piauçu , curimbas ou curimbatá, pirambeba e surubim. 

Atingido mostra peixe coletado durante visita técnica na região 2. (Foto: Rurian Valentino)
Quem realizou o estudo?

Em janeiro de 2021, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) contratou consultoria técnica para realizar o levantamento de danos à atividade da pesca artesanal, profissional, recreativa e aquicultura na Região 2 da Bacia do Paraopeba que abarca os municípios de Betim, Igarapé, Juatuba, Mario Campos, São Joaquim de Bicas e também os Povos e Comunidades de Tradição Religiosa de Matriz Africana (PCTRAMA) que foram atingidos devido ao rompimento da barragem B-1 e soterramento das barragens B-IV e B-IV-A da Mina Córrego do Feijão da Empresa Vale S/A no Município Brumadinho em Minas Gerais.

Os estudos e as análises dos dados foram feitos pela Enraíze Soluções Participativas que concluiu os trabalhos em janeiro deste ano. Nesta ocasião, apresentamos o relatório final e a cartilha, ambos produtos elaborados pela consultoria. Enquanto o relatório final (produto 06) traz o acúmulo de toda a pesquisa e análise realizada pela consultoria, a Cartilha divulga um resumo dessas informações levantadas.

(Foto: Banco de Imagens Aedas)
Danos sofridos

Com o estudo, foi possível identificar diversos danos sofridos pela população atingida, sejam eles de natureza material ou imaterial, como: perda de renda, de lazer, da realização de atividades para fins religiosos, danos aos modos de vida e laços comunitárias, danos à saúde da população, danos ao comércio de produtos relacionados a pesca, danos a atividade turística na região, danos a qualidade da água e aos produtos pesqueiros, estigmatização de contaminação dos produtos, deslocamento forçado de pescadores, aumento na sobrecarga do trabalho das mulheres, entre outros.

Outro elemento que o relatório também aborda são os apontamentos dos pescadores e pescadoras, trazendo indicações sobre formas de reparação, incluindo a sugestão de um programa específico que contribua para o fortalecimento dos(as) pescadores(as) e aquicultores(as) considerando as especificidades da atividade pesqueira no território.

Foto: Rurian Valentino/Aedas
Pesca e autodeclaração

Um dado importante é a configuração racial das(os) pescadoras(es) e/ou aquicultoras(es). Dentre as 101 pessoas que responderam aos questionários, aplicados pela consultoria contratada para fazer levantamento de danos à pesca e à aquicultura, 62 se autodeclararam pardas, 19 pretas, 17 brancas e 3 pessoas escolheram a categoria “outra”, se identificando enquanto “morena(o)”, representado pelo gráfico a seguir.

Fica evidenciada a representatividade negra da pesca no território e provoca para que os dados apreendidos sejam examinados considerando a realidade do racismo ambiental e institucional que norteia definições e omissões que governam as estruturas políticas e econômicas da sociedade.

Ficou evidenciado que a cadeia produtiva da pesca nesta região envolve várias dimensões. A pesca, para além de proporcionar rendimento econômico para várias famílias, era significado de segurança e soberania alimentar. A prática da pesca também estava relacionada ao convívio social, familiar, ambiental, às atividades de lazer e descanso. Inclusive, estas dimensões se fundiam na perspectiva das pessoas pescadoras.

Pesca às margens do Rio Paraopeba. (Foto: Valmir Macêdo)
Pesca enquanto modo de vida

A pesca foi definida enquanto identidade e modo de vida, pela fala de muitas das pessoas que participaram deste processo de caracterização da pesca no território. E a dimensão religiosa também foi reconhecida entre as(os) representantes dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa de Matriz Africana (PCTRAMA) fortemente atuantes neste contexto. Além disso foi demonstrado que a cadeia produtiva da pesca envolve no território estabelecimentos como restaurantes, lanchonetes, bares. Assim como, vendedores ambulantes, artesãos de petrechos de pesca, casas de aluguel, lojas de petrechos de pesca, peixarias e pesque e pague (denominados como pesqueiros na região).

Este material faz parte de uma coletânea de sínteses, extraídas de estudos e levantamentos dos danos realizadas pelas consultorias contratadas pela Aedas na Região 2.

Texto: Valmir Macêdo e Lucas Jerônimo

Veja essa e outras matérias na 12ª edição do Jornal Vozes do Paraopeba.