PCTRAMA recebe visita de representantes da Defensoria Pública e da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais
As lideranças do PCTRAMA relataram a importância da presença do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública Estadual em seus territórios e pautaram sobre os danos sofridos pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão.

A Aedas acompanhou, na manhã do último sábado (17), a reunião com a representante da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), Carolina Morishita, e o representante da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), Marcelo Vilarino, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com os Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA).
Além dos convidados pelo PCTRAMA, participaram da reunião no Nzo Atim Kaiango Ua Mukongo, em Juatuba, Região 2, os representantes da Consultoria da IDAFRO, Dr Hedio Silva e Jade Lobo e a presidenta da Comissão de Direito e Liberdade, Isabela Dario.
As lideranças do PCTRAMA relataram a importância da presença física dos representantes do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública Estadual em seus territórios e pautaram sobre os danos sofridos pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão.
As lideranças reforçaram que os impactos do rompimento vão além dos danos materiais, afetando, diretamente, seus modos de vida de cultura ancestral e suas tradições, como, por exemplo, no lazer, na saúde física e mental, no meio-ambiente, nas relações socioassistenciais com a comunidade e nas práticas culturais e religiosas ancestrais.
Para os PCTRAMA, seus modos de vida e suas práticas religiosas tradicionais estão profundamente conectadas aos elementos da natureza e que foi, de maneira infindável, atingido pelo rompimento da barragem.
Para Mametu Mavulegy: “Se a natureza está boa, eu estou bem. Ali tenho o lugar de cura, de passear, de olhar as águas. A natureza é o mais precioso. Sem a natureza nós não vivemos, porque a natureza é o nosso eu. Se nós deixarmos ela morrer, nós deixamos de existir. Vamos lutar pelas plantas e pela natureza com força e coragem”.
Os PCTRAMA relataram dentro de todo o acordo e o processo o que precisa ser considerado e respeitado no pleito das suas especificidades, para que seja levado em consideração as suas existências.
O representante da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais do Ministério Público (CIMOS-MPMG), Marcelo Vilarino, enfatizou que “Estamos aqui para ouvir vocês e construir caminhos da reparação que promova toda série de cuidados necessários para a sobrevivência corpórea de vocês. À medida que o rio foi morto e ninguém vai levar oferenda a Dandalunda, isso está fazendo com que vocês muitas vezes andem muito mais e estão sujeitos às violências”.
Protocolo de Consulta – instrumento de luta e defesa dos direitos do PCTRAMA
Durante a reunião, foi evidenciado a importância do respeito ao Protocolo de Consulta, que é um instrumento de luta e defesa dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais que compõe um conjunto de regras feitas pelo próprio Povo ou Comunidade e que devem ser seguidas pelo Estado ou demais organizações quando forem apresentar um projeto que envolva a comunidade.
O Protocolo de Consulta coloca direitos estipulados pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, pela Constituição Federal e outras legislações internacionais, nacionais e estaduais. A elaboração das diretrizes do Protocolo foi feita por grupos de Angola, Angola-Muxikongo, Ketu, Jeje, Umbanda e Reinado.
O PCTRAMA relatou como o Protocolo de Consulta construído por eles e elas é algo inédito no contexto nacional, como o primeiro protocolo de consulta construído para atender diversos povos de matriz africana, como povos de terreiro e em conjunto os povos de Reinado.
Para Carolina Morishita, representante da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o encontro é simbólico da necessidade da presença física nos territórios para o melhor diálogo, entendimento e construções conjuntas entre as pessoas atingidas e a Defensoria.
“Há muitas formas de parceria e pautas que podem garantir direitos e interesses dos PCTRAMA e durante a roda de conversa foi possível elaborar o que foi o diálogo até agora, registrar o reconhecimento do dano à espiritualidade e também o papel de proteção social exercido nas comunidades. A partir dessa troca poderemos, em etapas e aos poucos, planejar o avanço para a concretização de direitos e caminhos possíveis.” relata.

Morishita também destacou que o ponto central é a importância do reconhecimento do dano à espiritualidade, da dimensão religiosa, exposição às violências e dificuldade de exercer a liberdade de crença diante desse cenário. [pós-rompimento]
“Esse processo de educação da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais nos traz melhores oportunidades de exercermos nosso papel de promoção de direitos humanos. A conexão entre a reparação ambiental e direito à espiritualidade foi manifestado em múltiplas dimensões. Além disso, o esforço e dedicação para a construção do primeiro protocolo de consulta PCTRAMA – verdadeira conquista e fruto do conhecimento e atuação da comissão – marcou a qualidade técnica da participação, o valor da construção popular e coletiva e a possibilidade de o processo deixar legados de resiliência e proteção aos guardiões da natureza e das comunidades vulnerabilizadas”.
“Nossas danças são marcadas, pontuadas, são feitas com batidas, mas sem desanimar, sem sair do rumo, sem perder a direção“.

Para Seji Danjy, Capitã Pedrina “Todos nós tínhamos nossos rituais junto do rio, nós não sabemos viver sem o nosso sagrado (…) nossas danças são marcadas, pontuadas, são feitas com batidas, mas sem desanimar, sem sair do rumo, sem perder a direção. Estamos na luta tentando buscar a reparação, eu acredito no poder da natureza de se recuperar, mas até lá, onde vamos buscar o uso e a serventia do nosso sagrado que foi alterado por esse desastre? Nós temos aqui um solo que até hoje não sabemos qual o nível da contaminação”.
Sobre a presença dos representantes da Defensoria e Cimos (MPMG), Tata Ximeango relatou que “O dia de hoje foi importante com a presença deles justamente para ter alguém de dentro ouvindo o que nós, Povos Tradicionais, somos. Aqui eles podem sentir o que a gente está sentindo. É importante que ocorra mais reunião dessas. Precisamos das Instituições de Justiça ao nosso lado, nos escutando, para saber o que a gente precisa”.
Kasutemê, da Bakixe Mana Ixi , reafirma que, enquanto comunidade tradicional, há uma luta, inclusive, discursiva:
“Nós enquanto comunidade tradicional vivemos a margem da sociedade, é sempre muita luta, muita resistência, muita informação, discursiva até. E a gente vê que os representantes dão também uma dimensão de proximidade com a nossa causa. Nós pedimos e a Aedas correu atrás de ter essa reunião com as Instituições de Justiça. Veio num momento importante, e justamente pela questão temporal, nós vamos pensando: será que as coisas estão acontecendo? Eu acho que qualquer nível de reparação não vai ser suficiente para saciar a agressão que foi. Uma divindade nossa agredida. Temos que deslocar para outro lugar, e isso tem custo. O mais importante, que é nossa divindade, mãe Dandalunda, isso só o tempo mesmo para poder reparar e dar nova vida ao rio”.

Texto: Felipe Cunha