Estudos revelam condições da água, solo, ar, poeira e potenciais riscos à saúde humana em Brumadinho
Os impactos socioambientais decorrentes do rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão, sob responsabilidade da Vale S.A, estão entre as principais preocupações da população de Brumadinho. Neste sentido, a Aedas apresenta à população o relatório técnico da consultoria especializada contratada para o levantamento desses danos socioambientais, a partir de coletas de amostras e análise laboratorial da qualidade de elementos naturais.
O levantamento na Região 1 da Bacia do Rio Paraopeba foi realizado entre os meses de setembro a dezembro de 2021 pela Archipel – Consultoria e Engenharia LDTA e considerou os impactos nos recursos hídricos, solos, ar, sedimentos, seres vivos do rio e potenciais riscos à saúde humana. Foram 312 amostras coletadas em 284 pontos definidos em diálogo entre atingidas e atingidos e técnicos da Aedas.
O Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (EARSH) tem o objetivo de identificar os riscos potenciais à saúde humana e ao meio ambiente, para definir estratégias de intervenção sobre o território impactado.
O EARSH é constituído pelas seguintes etapas:
Quanto à Avaliação de Risco à saúde humana, existem 3 níveis diferentes de análises, sendo o 3º nível uma análise mais completa e o 1º nível de caráter mais inicial. Conforme as metodologias adotadas pela consultoria Archipel, o então estudo de avaliação de risco à saúde humana (ARSH) realizado a partir das coletas do território corresponde ao nível inicial– 1. O que nos leva a frisar que apesar dos riscos aqui indicados nos chamarem para um alerta devem ser tratados como potenciais e para resultados mais conclusivos são necessários os aprofundamentos desses estudos. Os estudos apontam para o comprometimento da qualidade do ar, o aumento da poeira nas residências e a contaminação das águas em certas localidades.
O que foi analisado?
A consultoria contratada realizou a análise da composição química do Rejeito coletado na área do rompimento, para identificar quais os principais metais com potencial tóxico presentes no material.
Ao longo do trecho do rio Paraopeba em Brumadinho foram analisados os seguintes compartimentos ambientais: água superficial, sedimentos fluviais e peixes. O potencial tóxico da água superficial e dos sedimentos fluviais foi analisado por meio dos ensaios ecotoxicológicos (medição dos efeitos tóxicos dos metais) e realizada a análise da bioacumulação de metais em peixes coletados neste trecho. Este último, buscou identificar se os metais estão sendo acumulados no tecido dos peixes.
Também foram analisadas as amostras de água para consumo humano e consumo animal, água subterrânea e solo (em profundidade e superficial) em áreas residenciais. Foram realizadas ainda, análise de qualidade do ar e da poeira intradomiciliar na casa das pessoas atingidas.
VEJA E FAÇA DOWNLOAD DOS RELATÓRIOS COMPLETOS ABAIXO:
Relatório Técnico Final Diagnóstico de Danos e Impactos Relativos aos Aspectos Ambientais – Fase 2



MAPA INTERATIVO
O Mapa Interativo a seguir reflete com exatidão os dados do levantamento, no entanto é possível a visualização no Mapa Interativo somente dos parâmetros que possuem valores máximos permitidos (VMP) estabelecidos por portarias oficiais. Caso os parâmetros não possuam um limite, com classificação de VMP estabelecida, os resultados poderão ser consultados no arquivo do relatório final da consultoria.
Rejeito e qualidade do solo
A análise do material coletado na área do rompimento indicou concentrações de ferro, manganês, alumínio e fósforo, além de sódio, cálcio, bário, magnésio, potássio, zinco, níquel, cromo, cobalto, cobre, chumbo, vanádio, lítio, estanho, cádmio, fluoreto, cloreto, nitrato, nitrito e sulfato.
As amostras do solo coletadas em diferentes profundidades, em 58 pontos de coleta, identificaram a presença do ferro, manganês, alumínio, sílica e fósforo. Quando comparados com a análise do rejeito, observa-se que estes metais também foram identificados nas amostras de rejeito coletado.
Por parte das comunidades atingidas, existe a percepção de que, após o rompimento, a estrutura do solo mudou, em muitas áreas ficou mais seco, mais fraco, com menos vegetação, menos minhocas e mais formigas, por exemplo. Algumas coletas previstas para análise de solo não foram possíveis por impedimento da Vale.
Água de consumo e subterrânea
Com 125 coletas em 78 pontos de água para consumo e subterrânea, o levantamento identificou elementos que não estão no padrão de água potável, são eles: coliformes, cloro residual livre, pH e turbidez. Outros metais em presença menor: alumínio, bário, chumbo, cobalto, cromo total, ferro, manganês, níquel, selênio, zinco, vanádio, lítio e urânio.
A mudança de cor, cheiro e sabor da água vinda de caixas d’água abastecidas pela Vale, o excesso de cloro na água fornecida pela Copasa e doenças de pele que podem estar relacionadas são alguns dos relatos feitos pela população, que questiona a falta de controle de qualidade da água pelos órgãos responsáveis. Os estudos feitos na água de consumo mostram uma condição não potável na maioria dos casos.
Água superficial e sedimentos fluviais
As águas superficiais analisadas também não se enquadram nos padrões técnicos aceitáveis para cursos d’água como do Rio Paraopeba, no que se refere aos níveis de manganês, níquel, chumbo, turbidez, fósforo, sólidos suspensos totais e coliformes, este último encontrado em 100% das amostras coletadas. No caso dos sedimentos do rio, apenas o alumínio foi identificado em níveis acima do aceitável.
Biota Aquática – seres vivos do Rio
Também foram realizados estudos sobre os impactos aos seres vivos, como peixes e microcrustáceos, do Rio Paraopeba e cursos d’água que irrigam a agricultura familiar e abastece as comunidades. O levantamento aponta 23 análises com resultado de toxidade aguda ou crônica em coletas de 14 pontos.
Ao longo da Zona Quente, os elementos que apresentaram maior concentração foram o ferro, manganês, antimônio, bário, cobre, estanho, magnésio, selênio e zinco. Dentre estes metais, somente o teor de antimônio está além do tolerado para o padrão de qualidade próprio para o consumo de pescado no trecho do rio próximo a Inhotim. A recomendação da proibição de pesca no Rio Paraopeba permanece.
Poeira nas casas e qualidade do ar
Na poeira coletada, houve a identificação dos metais que participam majoritariamente da composição dos rejeitos e dos solos alumínio, ferro e manganês. A quantidade de manganês verificada nas áreas próximas ao rejeito é bem maior em relação àquelas dos demais grupos de amostras, isso indica potencial relação direta com o espalhamento de rejeito a partir do rompimento.
Atingidas e atingidos relatam o constante acúmulo de poeira, além de doenças de pele (alergias, manchas no corpo, feridas e coceiras) e sangramento nasal. Os estudos revelaram também a ocorrência de níveis aumentados de partículas inaláveis em algumas amostras.
Destacamos, ainda, que os níveis de toxidade na água, solo e ar, para além dos danos socioambientais e à saúde, apresentam impacto direto na renda das comunidades agricultoras e com criação animal.
Mulheres mais atingidas
O rompimento e soterramento das barragens da Mina Córrego do Feijão gerou, e gera, impactos diferenciados nas vidas de homens e mulheres. Referências familiares, guardiãs das sementes, da agroecologia e da biodiversidade e, no entanto, vulnerabilizadas socialmente em decorrência de seu gênero, as mulheres enfrentam uma realidade desigual e consequências graves dos danos do desastre.
O aumento do tempo dispensado para a limpeza das casas, o intenso contato com as águas contaminadas, bem como o maior volume de trabalho de cuidado das crianças e dos familiares enfermos em decorrência do rompimento apontam tanto a sobrecarga de trabalho que tem afetado as mulheres, quanto seu potencial maior de exposição aos contaminantes. Há um impacto maior na vida das mulheres atingidas, já que elas são responsabilizadas pelos trabalhos domésticos e de cuidados.
Assim, as questões específicas das mulheres precisam ser consideradas no processo de reparação e indenização. As mulheres atingidas exigem o levantamento total dos danos específicos que impactaram suas vidas, o reconhecimento e a reparação integral e justa.
De acordo com a equipe de Monitoramento de Gênero da Aedas, “as mulheres atingidas sempre estiveram à frente no processo de luta pela reparação integral. Elas são a maioria nos Registros Familiares da Aedas, até 12/07 com 52% de um total de 23.368 pessoas, são protagonistas nos espaços participativos e atuam fortemente na mobilização de suas comunidades. Esse contexto pede atenção às suas particularidades e, consequentemente, à forma como elas sofrem os danos de maneira intensificada. Esse compreender esse processo é fundamental para que a reparação possa se dizer justa e integral”.
A Aedas se compromete à transparência dos resultados das análises laboratoriais e de todos os estudos realizados sob acompanhamento da ATI por compreender tanto a importância da comunicação de risco às comunidades atingidas, quanto o dever de reparação integral pela poluidora-pagadora, Vale S.A. Assim, estimulamos que estes estudos sejam utilizados também enquanto ferramenta de luta por direitos pelas populações atingidas.



O que fazer para proteger a saúde dos atingidos e atingidas: medidas necessárias sugeridas pela consultoria especializada e direcionadas às Instituições de Justiça (IJs) – Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública de Minas.
- Tratar a água de consumo humano fornecida em caminhão-pipa e garantir a qualidade da água abastecida nos reservatórios comunitários;
- Tratar as águas subterrâneas provenientes de poços comunitários e/ou garantir o fornecimento alternativo de água para as comunidades;
- Realizar medidas de tratamento para a água de consumo humano proveniente de minas d’água e/ou fornecimento alternativo de água para as comunidades.
- Eliminar as contribuições de esgotos sanitários nas águas dos reservatórios assoreados; correções nos sistemas de drenagem para que não sejam carreados sólidos em direção aos corpos d’água;
- Fazer o desassoreamento dos reservatórios de água;
- Realizar intervenções técnicas e políticas públicas para retomar o uso recreativo dos lagos/lagoas;
- Realizar intervenções técnicas e políticas públicas para retomar o uso recreativo e condições de pesca no rio.
Aspectos jurídicos
A divulgação online dos resultados das consultorias de Danos Ambientais Fase 2 e Aditivo de Avaliação de Risco à Saúde Humana ocorre após diversas devolutivas desses resultados, apresentados em 3 etapas anteriores: a primeira, às Comissões de Atingidos e Atingidas, a segunda, às pessoas atingidas cujos imóveis faziam parte dos pontos que integraram o plano amostral e que permitiram a coleta em seus imóveis, e, por último, às comunidades de Brumadinho.
Durante as devolutivas individuais, foram relatados os resultados das coletas e se comunicaram os possíveis riscos à saúde humana, quando detectadas desconformidades aos padrões estabelecidos nas normas brasileiras. Durante as devolutivas coletivas, foram apresentados os resultados gerais e se realizou a comunicação dos riscos a partir das detecções de desconformidades identificadas em cada comunidade.
Esses relatórios, em conjunto com as demais provas produzidas no âmbito das Ações Civis Públicas, poderão ser utilizados pelos atingidos para ajudar na comprovação de danos e embasar demandas judiciais de indenização.
Para a divulgação dos resultados, a Aedas, em cumprimento às normas que regem a atuação da Assessoria, ao dever legal de proteção de dados e à relação de confiança com a população atingida, teve o cuidado de não incluir informações pessoais e ou sensíveis dos atingidos e atingidas, que pudessem identificar ou localizar pessoas a partir dos resultados.
Esse cuidado também se faz necessário para evitar a possível estigmatização das pessoas e imóveis (no caso da detecção de desconformidades), para evitar outras formas de revitimização da população atingida e para evitar a utilização dos resultados individuais sem a devida autorização dos atingidos/as para negar seus direitos (pois há casos em que não foram detectadas desconformidades a partir da metodologia das consultorias, mas que podem vir a ser detectadas por outros estudos mais aprofundados, e cabe aos atingidos que permitiram a coleta de amostras em seus imóveis e a escolha de utilizar ou não esses laudos na busca pelos seus direitos).
Importante destacar o escopo das consultorias, que se propõem a detectar de forma ampla no território pontos que indiquem a presença de contaminantes. Sendo detectadas desconformidades, os resultados poderão ser usados para indicar onde é necessário realizar análises mais profundas e minuciosas, que estão no escopo de outros estudos.
Por outro lado, a leitura isolada dos dados não é capaz de fornecer todo o panorama necessário para a comprovação dos danos. Ressalta-se que ainda há diversos outros estudos a serem finalizados e somente a leitura em conjunto de todos os resultados dos estudos, consultorias, perícias e bancos de dados comporão um corpo probatório mais forte para a defesa judicial dos direitos dos atingidos e atingidas.
Todos esses estudos serão levados em consideração para a consolidação da Matriz de Danos e de Reconhecimento que está sendo elaborada pelas pessoas atingidas com a assessoria da ATIs. Quando finalizada, a Matriz será uma importante ferramenta para a identificação, fundamentação e comprovação da existência dos danos, e também para o reconhecimento dos atingidos para reparação através de uma indenização justa.
As informações aqui divulgadas têm o objetivo de informar a população atingida sobre os resultados das análises para detecção de possíveis contaminantes em Brumadinho. Ressalta-se que esses estudos integram um conjunto probatório ainda em elaboração e que isoladamente não são suficientes para apresentar um quadro completo sobre a contaminação na região atingida.
Esse quadro completo será resultado da junção de diversos estudos, análises, perícias e bancos de dados em elaboração pelas ATIs, pelas Instituições de Justiça, pela perícia (UFMG) e por outras instituições. Assim, a Aedas, tendo tomado os cuidados já relatados para não divulgar dados pessoais e sensíveis, incluindo dados de identificação e localização de atingidos e atingidas, não se responsabiliza pelo uso indevido que possa ser feito dessas informações após a divulgação.
Por fim, os resultados apresentados com vistas a identificar ações necessárias para analisar, mitigar ou prevenir os efeitos na saúde humana. A Aedas permanece à disposição dos atingidos e atingidas para dúvidas e consultas que se fizerem necessárias.