
No dia 15 de dezembro, a Comunidade Quilombola de Gesteira, em Barra Longa (MG), realizou uma reunião para a apresentação pública do seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, construído coletivamente pela comunidade, e para o debate sobre os próximos passos do reassentamento de Gesteira.
Estiveram presentes membros do quilombo, representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF), do Consórcio Público para o Desenvolvimento do Alto Paraopeba (CODAP), do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), da Prefeitura de Barra Longa e do grupo de pesquisa GEPSA da Universidade Federal de Ouro Preto, além de assessores técnicos da Aedas e movimentos parceiros.
A promotora de Justiça Shirley Machado de Oliveira representou o MPMG, que atua no Núcleo de Reparação e Acompanhamento das Reparações por Desastre – NUCARD. O MPF foi representado pelo procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar. Também estiveram presentes o prefeito e secretários municipais de Barra Longa, bem como integrantes da Associação Quilombola de Gesteira e lideranças da comunidade.

Protocolo de Consulta: soberania, memória e resistência
A apresentação do Protocolo de Consulta marcou um momento histórico para o Quilombo de Gesteira. O documento é fruto de um processo coletivo e participativo realizado nos dias 17 e 18 de julho de 2025, em oficinas na sede da associação, com ampla presença da comunidade. Sua elaboração contou com o apoio da Organização Cooperativa de Agroecologia (OCA), da Escola Família Agrícola Paulo Freire (EFAP) e da Rede de Saberes dos Povos Quilombolas da Zona da Mata (Rede SAPOQUI).
Mais do que um instrumento jurídico, o Protocolo de Consulta representa um ato de soberania e continuidade da luta histórica quilombola, reunindo a experiência acumulada da comunidade diante do racismo ambiental, do autoritarismo de grandes empreendimentos, do descaso do Estado e da ausência de políticas públicas voltadas à proteção das populações negras. Cada trecho do documento expressa a resistência, a sabedoria ancestral e a esperança de um futuro digno.
Ao reafirmar o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, conforme previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Constituição Federal de 1988 e no Decreto nº 6.040/2007, o Protocolo de Consulta estabelece regras claras para qualquer governo, empresa ou instituição que pretenda dialogar ou intervir no território quilombola, fortalecendo a autonomia e o protagonismo da comunidade de Gesteira.
Reassentamento: urgência, dignidade e retomada
Durante a reunião, também foram debatidos os encaminhamentos relacionados ao reassentamento da comunidade, duramente atingida pelo rompimento da Barragem de Fundão, em 2015. O desastre-crime destruiu casas, roçados, memórias e modos de vida, mas não desfez a organização e a identidade do quilombo, que segue lutando pela reconstrução do território e da dignidade coletiva.
Para Simone Silva, representante da Comunidade Quilombola de Gesteira, a apresentação do Protocolo é um marco fundamental:
“Para nós é um passo importante apresentar o Protocolo, esclarecer sobre os direitos. O valor da repactuação caiu no caixa, e essas reuniões são muito importantes para a gente entender sobre isso. As pessoas não podem decidir sobre um valor que é para um coletivo. A prefeitura não pode tomar essa decisão. Esse protocolo hoje representa uma ferramenta da nossa luta contra as mineradoras e também fortalece a cobrança às Instituições de Justiça e ao Governo Federal, inclusive pela exclusão do quilombo de Gesteira do Anexo 3.”
Simone também destacou a urgência do reassentamento:
“Esse segundo momento representa um avanço sobre as obras, o recomeço de fato. As pessoas estão morrendo sem pisar novamente nos seus lugares, nas suas terras e nos seus territórios.”
Encaminhamentos e próximos passos
A promotora Shirley Machado de Oliveira avaliou o encontro como positivo, destacando tanto a apresentação do Protocolo quanto o debate técnico sobre as obras do reassentamento. Foram compartilhadas informações sobre custos, prazos e estudos existentes, com o objetivo de subsidiar a comunidade em suas decisões.
Um dos encaminhamentos discutidos foi a possibilidade de iniciar as obras do reassentamento nas áreas que não possuem rejeito, enquanto a comunidade segue refletindo internamente sobre a proposta, que prevê definições quanto ao cronograma para início da terraplanagem, marcação de terrenos e lotes, atualização dos rendimentos do recurso financeiro depositado desde 2023, da possibilidade de, em caso de atraso, realizar previamente a marcação dos lotes para permitir o início do plantio e da construção pelas famílias, entre outras questões importantes. Ficou acordado que a comunidade irá se reunir em janeiro de 2026 para deliberar e, posteriormente, dar um retorno às instituições. Caso haja concordância, o CODAP poderá iniciar a elaboração do termo de referência para contratação da entidade responsável pela execução das obras.
Também foram prestados esclarecimentos sobre a obra da Igreja Católica no reassentamento e a situação e os rendimentos dos valores financeiros já depositados.
Sobre esse recurso, foi informado que o acordo prevê diretrizes para sua utilização e que o Ministério Público irá apresentar, no início de 2026, uma proposta mais amadurecida de gestão e governança, incorporando considerações já feitas pela comunidade em momentos anteriores.
Outro anúncio importante foi o compromisso da gestão municipal de lançar, em janeiro de 2026, o Conselho Municipal de Acompanhamento da Reparação, considerado uma conquista fundamental para garantir transparência, controle social e participação direta dos atingidos na gestão dos recursos e das ações de reparação.
Resistir para existir
A reunião reafirmou a força política e organizativa da Comunidade Quilombola de Gesteira, que segue unida na defesa de seus direitos, de seu território e de sua memória. O Protocolo de Consulta se consolida como um instrumento de vida, justiça e resistência, fortalecendo não apenas Gesteira, mas a luta de todos os povos quilombolas e comunidades tradicionais por respeito, participação e reparação.



