Equipe da Aedas sistematiza, dados históricos, raciais, territoriais, socioeconômicos e culturais sobre comunidades tradicionais atingidas assessoradas.

A Aedas, por meio da Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), do Projeto Paraopeba, lançou o Dossiê com dados referentes ao Processo de Assessoramento aos Povos e Comunidades Tradicionais – PAR06-27.P1, documento que reúne uma detalhada sistematização produzida sobre os povos e comunidades tradicionais atingidos pelo rompimento das barragens B-I, B-IV e B-IV-A da Vale, em Brumadinho, em 2019.
O dossiê se apresenta como marco político, técnico e histórico da reparação. Com mais de 100 páginas, consolida históricos territoriais, indicadores sociais, danos ambientais, análises raciais e de gênero, práticas tradicionais, formas de organização comunitária e caminhos metodológicos adotados durante os 5 anos de trabalho direto da ATI Aedas nas Regiões 1 e 2 da bacia do Paraopeba.
Mais do que um registro técnico, o documento se fundamenta nos princípios da autodefinição, autodeterminação, escuta qualificada, participação informada e construção coletiva, colocando no centro a voz, a memória e os conhecimentos dos povos atingidos.
O que o dossiê apresenta:
Reconhecimento, diversidade e abrangência: quem são os povos e comunidades assessoradas
O dossiê apresenta um panorama robusto sobre as comunidades acompanhadas. Só em Brumadinho (Região 1), a equipe assessorou quilombos certificados, quilombos autodeclarados e comunidade ribeirinha.
Na Região 2 (Betim, Juatuba, São Joaquim de Bicas, Igarapé, Mário Campos e Mateus Leme), o assessoramento ampliou-se para mais de 46 Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) de povos de tradição religiosa ancestral de matriz africana (PCTRAMA). As UTTs são diversas nações: Angola, Angola-Muxicongo, Ketu, Jeje, Umbanda, Omolocô e Reinado
. Bem como apresenta o registro de assessoramento da
Comunidade indígena Aranã (Juatuba) e do
Quilombo Família de Zé Pretinho, quilombo autodeclarado em Mário Campos, acompanhado desde sua autodefinição
- A dinâmica territorial da Região 2 revela comunidades historicamente vinculadas ao rio Paraopeba pelo uso ritual, religioso, alimentar e cultural, razão pela qual reivindicaram e obtiveram seu reconhecimento enquanto atingidas.
Metodologia: o dossiê como instrumento político, técnico e pedagógico
O documento explicita sua concepção metodológica, fundamentada na ideia de dossiê como “recurso de revisão didática, compilação e reconstrução contínua do conhecimento”, seguindo a vertente do questionamento reconstrutivo de Demo (1997).
O caminho trilhado pela equipe se estruturou em três grandes etapas:
1. Levantamento dos temas e das fontes
Incluiu diagnósticos anteriores, Registros Familiar, Coletivo e Individual, estudos técnicos, relatórios de consultorias, escutas comunitárias, reuniões e dados territoriais.
2. Triagem e organização das informações
Os dados foram conectados às especificidades de cada comunidade, priorizando fontes originais e territorializadas.
3. Análise interseccional e integração dos marcadores sociais da diferença
Raça, gênero, território, ancestralidade, práticas culturais e espiritualidade tradicional foram tratados como dimensões estruturantes, e não complementares.
Históricos e caracterizações territoriais
O documento traz o contexto socio-histórico das regiões estudadas, descrevendo as formas tradicionais de uso do território e reforçando a importância da proteção às áreas tradicionais para a manutenção dos modos de vida e das práticas culturais das comunidades.
Racismo, território e danos ambientais
O dossiê destaca que, após o rompimento, os povos tradicionais sofreram graves danos ambientais e territoriais que atingiram profundamente suas formas de vida. A centralidade das mulheres: Gênero, corpo-território e desigualdades intensificadas
O dossiê evidencia que a dimensão de gênero é central para compreender os danos do desastre-crime e os caminhos da reparação, destacando o protagonismo de mulheres quilombolas, ribeirinhas e de terreiro no cuidado, na segurança alimentar e na sustentação comunitária. Entre mulheres de áreas rurais e quilombolas, os dados mostram baixos índices de escolarização, agravados após o rompimento, além do aumento na distância para acessar serviços e da sobrecarga de trabalho doméstico e produtivo. Já nos terreiros, a “cozinha do santo”, responsável pela segurança alimentar ritual, é liderada pelas Iyá-bàsè, guardiãs de saberes ancestrais, reforçando que os terreiros funcionam como territórios de proteção social e apoio comunitário diante da fome e da ausência do Estado.
Dados socioeconômicos: trabalho, escolaridade, transporte e serviços públicos
O dossiê organiza uma ampla base de indicadores sobre trabalho, escolaridade, transporte, serviços públicos, assistência social e gestão territorial, produzidos a partir dos Registros Familiar, Coletivo e Individual.Protocolos de Consulta Prévia, livre informada e de Boa Fé: instrumento central de defesa dos territórios
O dossiê apresenta os Protocolos de Consulta Prévia, elaborados conforme a Convenção 169 da OIT, destacando sua importância para garantir a participação legítima dos povos tradicionais, seus processos próprios de decisão e a proteção de seus modos de vida e territórios. Nas considerações finais, a equipe ressalta que o assessoramento aos PCTs foi essencial para que a reparação reconhecesse as especificidades dessas comunidades, especialmente sua relação com o território, a ancestralidade e os saberes coletivos.
O resultado é um documento que honra as memórias, denuncia violações, fortalece identidades e aponta caminhos de reparação justa e integral.
O Dossiê com dados referentes ao Processo de Assessoramento aos Povos e Comunidades Tradicionais é um produto final que simboliza um ciclo de trabalho intenso da equipe da Aedas, mas também marca o início de novas etapas de luta, articulação política e reconstrução da vida nos territórios atingidos.
Ele reafirma que os PCTs não são apenas grupos atingidos, mas guardiões de conhecimentos, práticas e modos de vida que sustentam a biodiversidade, a cultura e a história do território mineiro. A divulgação do documento busca ampliar seu alcance, fortalecer alianças e garantir que sua força ecoe entre movimentos, instituições e toda a sociedade comprometida com justiça social e ambiental.
Por Mona Lima Equipe Povos e Comunidades Tradicionais / Aedas



