Uma audiência pública em Juatuba, ocorrida nesta quinta-feira (29), reuniu representantes do poder público, de atingidos e atingidas e da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) para discutirem a destinação de recursos do acordo entre o Governo de Minas e a mineradora Vale para o município, no que diz respeito à reparação de danos causados pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em 2019. Para Juatuba, o Termo de Medidas de Reparação prevê a aplicação de R$ 116.583.336,58 em projetos.

A reunião virtual foi organizada e transmitida pela Câmara Municipal de Juatuba. Parte das pessoas que acompanharam a live reclamaram da qualidade da transmissão, do áudio e vídeo.

Em sua participação, o representante da Aedas, Luiz Ribas, contextualizou o trabalho realizado pela Assessoria Técnica Independente no processo de escuta e sistematização de danos identificados junto à população dos territórios atingidos, como as comunidades Satélite, Francelinos, Ponte Nova, Ocupação Santa Fé e Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA). Ele lembrou ainda que a Aedas não é responsável pela implementação de medidas de reparação, que a execução está sob responsabilidade da Vale ou do poder público juntamente com a empresa poluidora.

Ribas prosseguiu destacando o papel das partes na construção do acordo. “As ATIs, as comissões de atingidos e o Comitê da Bacia do Rio Paraopeba não participaram do acordo, não foram convidados para a mesa, para fazer o debate sobre o acordo e suas consequências. Mas não ficamos parados, as comissões, os comitês, os povos e comunidades tradicionais, os movimentos realizaram uma série de debates sobre a melhor reparação, como também um manifesto de crítica sobre a falta de participação popular. Todo esse trabalho pretendeu e pretende contribuir com o processo ”, disse.

De acordo com a Aedas, as comunidades atingidas na Região 2 – que abrange Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas – apresentaram 150 projetos como propostas a serem apresentadas aos compromitentes, Governo de Minas, Vale e Instituições de Justiça. O prefeito de Juatuba, Antônio Adônis Pereria, e o presidente da Câmara Municipal, Kelissander Saliba Santos, se disseram dispostos ao diálogo com atingidos, atingidas e assessoria técnica, em busca do reconhecimento de legitimidade e prioridade dos projetos das comunidades.

Marilene Alves, da Comissão de Atingidos e Atingidos Francelinos, relatou apreensão em torno dos projetos a serem realizados ou não como medida de reparação. “Não tivemos nenhum tipo de participação no acordo, vozes foram silenciadas. Estou aqui hoje para pedir ao município que não tenha o mesmo comportamento da mineradora. Façam valer o lugar que estão, da cadeira que ocupam representando o povo. Nós gostaríamos de fazer parte da construção dos projetos, temos propostas sobre educação, saúde e infraestrutura, por exemplo. Temos um olhar especial para a saúde e bem estar em todos os projetos que elaboramos. Temos prioridade para o meio ambiente. Nós queremos garantir água de qualidade”, pontuou a liderança, que também cobrou compromisso por parte dos poderes legislativo e executivo municipais.

Da Comissão de Atingidos e Atingidas Santa Fé, a senhora Canaã Farias reafirmou o desejo por respostas práticas que mudem a situação causada pelo desastre sócio-tecnológico. “Venho aqui pedir que nossos representantes nos olhem com humanidade, olhem com carinho para essa situação. O que nós queremos é viver dignamente. Vivemos uma situação difícil após o rompimento, com falta de água, por exemplo. Estamos enfrentando essa briga desde o começo, sempre buscamos nossos direitos. O que eu peço é moradia, é água, é dignidade. Precisa dar um fim a essa agonia que vivemos”, pediu Canaã.

Joelisia Feitosa, do bairro Satélite, diz que considera esta como uma luta incansável e incessante. Muitas pessoas passaram e passam necessidades de sobrevivência. “O crime da Vale matou pessoas e continua tendo consequência, continua matando o Rio Paraopeba, o meio ambiente. Perdeu o pescador, perdeu o agricultor, perdeu o comerciante, tiraram nossa qualidade de vida. Perdemos a nossa saúde física e mental, perdemos nosso lazer. Todas as pessoas aqui sofrem consequências com a má qualidade ou a falta de abastecimento de água. Nós temos segurança nem garantia de futuro, não podemos fazer planos. Queremos a oportunidade de apresentar nossas propostas que estão com base em muitos diálogos realizados pelo povo atingido”, pontua.

Além de listar problemas enfrentados na saúde, infraestrutura, produção agrícola, transporte público, saneamento básico e abastecimento de água, Babá Marcílio, dos PCTRAMA, falou da necessidade de se fortalecer as práticas culturais religiosas impedidas pela devastação causada pelo rompimento da barragem. Segundo ele, “o culto à natureza, as práticas alimentares tradicionais e o convívio comunitário foram inviabilizados” pelo desastre. Babá Marcílio também pontuou a recuperação do Rio Paraopeba e seu entorno como condição para a devida reparação integral.

Como encaminhamento, o presidente do legislativo de Juatuba, Kelissander Santos, solicitou ao executivo que envie à Câmara os projetos de sua autoria a serem enviados aos compromitentes para que estes sejam abertos à população numa perspectiva de se ampliar o debate.