Comunicação que Reexiste: audiovisual e educação popular fortalecem territórios atingidos no Paraopeba
Documento síntese registra como cineclube, videoativismo e a Mostra Cine Paraopeba se tornaram ferramentas de resistência, memória e reparação para comunidades tradicionais

Fotos: Felipe Cunha/Aedas
“Quando o povo narra, o mundo escuta.
Quando o povo filma, a história não volta para o silêncio.” (Ailton Krenak)
Nos lugares onde a lama tentou calar a vida, a comunicação ressurge como gesto de resistência. Para os povos ribeirinhos, quilombolas, de terreiro e indígenas da Bacia do Paraopeba, falar, filmar e reunir-se em roda vai além do lazer: é uma estratégia de defesa. Nesse contexto, a comunicação popular, aliada à educação popular, consolida-se como um instrumento potente de visibilidade, memória e luta por reparação.
A elaboração do Documento Síntese da Participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba surge como um exemplo vivo dessas práticas, materializando um território de encontro onde comunicação, educação e audiovisual se anunciam como instrumentos de luta e da reexistência.
Quando apropriada pelas comunidades, a comunicação se transforma em uma ferramenta poderosa de educação popular e de fortalecimento da autonomia dos povos. Ela deixa de ser um simples instrumento de transmissão de informações e se torna um processo dialógico, de construção coletiva de saberes e de resistência. No contexto das comunidades atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, essa apropriação assume contornos de urgência e potência política. O documento síntese registra essa intenção pedagógica: construir conhecimento a partir da experiência e da vivência dos territórios, fortalecendo a autonomia e o protagonismo comunitário.
Para ler o documento completo, acesse:
A Mostra Cine Paraopeba: “Onde Eu Nasci Corre um Rio” foi um exemplo paradigmático da convergência desses elementos. Ela materializou a comunicação como ferramenta de educação e luta ao:
- Centralizar o protagonismo dos atingidos nos filmes exibidos;
- Integrar oficinas formativas de cineclubismo e videoativismo;
- Criar um território de resistência cultural por meio da arte e do debate;
- Promover o diálogo de saberes, conectando o conhecimento tradicional ao acadêmico em uma análise crítica da realidade.
Assim, a educação popular aliada à comunicação se revela uma prática política que constrói e disputa narrativas.
Nas sessões da Mostra, as exibições contaram, ainda, com rodas de conversa com atingidas e atingidos onde, a partir da troca de experiências, revelaram-se laços, dores e esperanças, com crianças, mulheres e anciãos assumindo o protagonismo das falas.
O material sistematizado pela equipe de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) da Aedas aponta que a Mostra de Cinema fortalece a organização comunitária. Quando a câmera está na mão de quem vive o território, a narrativa deixa de ser sobre o povo e passa a ser do povo. Essa prática se potencializa quando caminha junto ao ativismo, tornando-se videoativismo: uma ferramenta que, na prática, não se resume a recursos técnicos, mas se converte em caminho de memória, resistência e denúncia. Apropriar-se dessas linguagens transforma a câmera em um escudo simbólico, que fortalece o protagonismo das comunidades.
O documento produzido pela equipe PCT registra os objetivos claros da ação: contribuir com a visibilidade das produções das comunidades e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs); promover a circulação de saberes por meio de oficinas e debates; valorizar as culturas das águas e as tradições populares; e convidar a sociedade a escutar essas vozes. Esses objetivos colocam a comunicação popular no centro da estratégia por reparação e justiça.
O “Documento Síntese da Participação dos Povos e Comunidades Tradicionais na Região 1 e 2 da Bacia do Paraopeba – PAR06-25. P1” é o produto direto desse intenso processo vivenciado na Mostra Cine Paraopeba, atividade desenvolvida em conjunto com a equipe de Comunicação, da Aedas.

Fotos: Felipe Cunha/Aedas
O que é?
É um relatório detalhado que sistematiza as atividades, reflexões, falas e produções (como os filmes) da Mostra, com foco especial na participação e no protagonismo dos Povos e Comunidades Tradicionais atingidos.
Qual seu Objetivo?
Seu objetivo principal é registrar de forma sistematizada e crítica o evento, indo além de um simples relato. Ele busca:
- Preservar a Memória: Garantir que as vozes e experiências partilhadas não se percam, tornando-se um arquivo vivo da resistência.
- Fortalecer o Sentido Político: Reafirmar a Mostra como um ato político de denúncia e luta por reparação integral.
- Sistematizar Aprendizados: Organizar as reflexões coletivas sobre os impactos do crime da Vale e a importância da comunicação popular.
- Servir como Instrumento de Comunicação: Difundir as narrativas das comunidades, ampliando o alcance de suas demandas.

Qual sua Importância para os Atingidos?
Para os povos e comunidades tradicionais, este documento é:
- Reconhecimento e Visibilidade: A prova material de que suas histórias e resistências foram ouvidas e valorizadas.
- Ferramenta de Pressão: Um documento técnico e político para embasar reivindicações nos processos de reparação.
- Fortalecimento da Identidade Coletiva: A validação de suas experiências fortalece o sentimento de pertencimento e a unidade na luta.
- Legado para as Futuras Gerações: Um patrimônio histórico e cultural que assegura que a memória do crime e da resistência não será apagada.
Em suma, o documento PAR06-25.P1 é a materialização do ciclo completo da comunicação como educação popular e luta: parte da vivência comunitária, passa pela produção audiovisual e pelo debate coletivo na Mostra, e se consolida como um instrumento de registro, memória e ação política contínua.
Chega-se, assim, à conclusão de que a comunicação e a educação popular não são “acessórios”, mas estratégias centrais de resistência. Mostras, oficinas e produções comunitárias transformam a dor em memória ativa e denunciam injustiças com a força da própria voz do povo. O produto documenta essa força — e aponta caminhos: formar mais cineclubes, escutar mais rodas, apoiar redes de videoativismo e garantir que, nas decisões sobre reparação, a palavra dos atingidos seja sempre a primeira.
Texto: Mona Lima – Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas
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