Entre as contas do Rosário e as raízes do quilombo: com apoio da Aedas, a Família de Zé Pretinho se autodeclara e reafirma o Congado como tradição viva
13 de novembro de 2025
Família de Zé Pretinho, em Mário Campos, mantém viva a tradição quilombola por meio das celebrações do congado da sua Irmandade de Nossa Senhora Aparecida
Foto: Jacqueline Martins – Equipe PCT/Aedas Paraopeba
O trabalho da Aedas junto aos povos e comunidades tradicionais é norteado pelo fortalecimento da autonomia, pela afirmação de suas identidades e culturas, e pela valorização dos modos de vida, defendendo que suas vozes sejam protagonistas nos processos de reparação e nas decisões que incidem em suas vidas. Para a Aedas, é premissa o respeito à autodeterminação dos povos e o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. Contando com uma Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais, no Projeto Paraopeba temos tido significativos avanços no processo de assessoramento contribuindo, ainda, na autodeclaração e na formulação de protocolos de consulta, que instrumentaliza a defesa de direitos e visibiliza a memória, a cultura e a história dos povos.
Nesse sentido, na Região 02, em Mário Campos, a família do Sr. José Izidio, também conhecido como Zé Pretinho (patriarca e mais velho da família) coletivamente deram um novo passo na sua história: autodeclaram-se como quilombolas, reconhecendo no Congado a tradição que liga fé, cultura, ancestralidade negra e território.
“Desde menino acompanho as festas do Rosário. Foi assim que aprendi o valor da fé e da união da nossa gente” (Seu Zé Pretinho, 77 anos, fundador do reinado. Relatoria Interna Aedas)
Foto: Jacqueline Martins – Equipe PCT/Aedas ParaopebaFoto: Jacqueline Martins – Equipe PCT/Aedas Paraopeba
Descendentes de um histórico Quilombo de Brumadinho, entre rezas, coroas, bandeiras e tambores, a Família de Zé Pretinho, em Mário Campos, mantém viva a tradição quilombola por meio das celebrações do congado da sua Irmandade de Nossa Senhora Aparecida. O congado no Quilombo Família Zé Pretinho é uma tradição que rememora e ritualiza, para essa comunidade, os modos de ser e existir enquanto quilombolas. Assim, padres-nossos e ave-marias, embalados pela negra cadência dos tambores e do gunga, são formas de lembrar quem são e afirmar sua trajetória. E essa tradição, assentada nas raízes negras, orientam os sentidos de ser Quilombo para Família Zé Pretinho, pois é essa a tradição que mantém acesa a memória dos seus antepassados, dando continuidade a reexistência das heranças quilombolas carregados nos corpos, no território, na cultura e na fé.
“A tradição das celebrações ao Rosário por pessoas negras, entre as quais estão inseridas as festas dos Reinados e Congados, refere-se a um elemento cultural mais antigo no território mineiro do que a delimitação das Minas Gerais enquanto fronteira administrativa. (…) As celebrações do Rosário, portanto, configuram uma tradição cultural rica, antiga e complexa. Entre os séculos XVIII e XIX, tais festas possibilitaram aos escravizados e pessoas negras livres estabelecer um território cultural de criação de uma identidade coletiva e afirmação de valores africanos a partir da coexistência cultural religiosa com o catolicismo, hegemônico devido ao monopólio da prática religiosa. E, como tal, um espaço de resistência ao cenário de opressão da sociedade estamental e altamente hierarquizada do Brasil colonial.” (IEPHA,2024, p. 35-50)
Desse modo, é que as tradições quilombolas são reafirmadas, mantidas e continuadas para o Quilombo Família Zé Pretinho, pela manutenção e preservação das práticas culturais tradicionais do congado. Em 12 de Outubro de 2025, o Quilombo Família Zé Pretinho em Mário Campos, celebrou mais festejo tradicional da Irmandade de Nossa Senhora Aparecida.
Foto: Jacqueline Martins – Equipe PCT/Aedas ParaopebaFoto: Jacqueline Martins – Equipe PCT/Aedas Paraopeba
A festa foi marcada pela manutenção das tradições culturais em que recria uma memória coletiva vinculada à ancestralidade negra. Dedicada à santa Nossa Senhora Aparecida, o festejo renovou votos ancestrais, acolheu guardas e reinados de outros municípios, celebrando divindades com música, dança e rezas, expressando a história de resistência do povo negro a opressão escravocrata colonial, renovando, mantendo e dando continuidade com tradições quilombolas.
A autodeclaração da Quilombo Família Zé Pretinho e manutenção da tradição do congado, são atos de resistência, mas, acima de tudo, é uma afirmação da continuidade de uma cultura negra própria, que reexiste a partir da ancestralidade e da memória de quem sempre lutou pela vida e pela liberdade!
Texto e fotos: Jacqueline Martins – Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais na Aedas Paraopeba
Referência:
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS (IEPHA). Dossiê para registro dos Caminhos, Expressões e Celebrações do Rosário em Minas Gerais. Belo Horizonte: Governo de Minas Gerais, 2024. Disponível em: DossieReinadoseCongados_Capa_Apendices_ago2024._1.pdf. Acesso 28 de Outubro de 2025