A vida das mulheres que vivem em Brumadinho e nos municípios da Bacia do Paraopeba mudou bruscamente após o dia 25 de janeiro de 2019 quando a barragem da mineradora Vale contaminou com rejeitos tóxicos a água do Rio Paraopeba. Projetos de vida, sonhos e modos de vida foram interrompidos e ainda não é possível dizer que as famílias atingidas conseguirão, no futuro, ter um reparação integral para mitigar tantos danos sofridos.

Neste 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) vai iniciar uma série contando a história de vida de mulheres atingidas que sentem no dia a dia as consequências sociais e ambientais provocadas pelo desastre sociotecnológico e também vai contar detalhes do trabalho da equipe “Monitoramento de Gênero”, dedicada a acompanhar a situação específica das mulheres.

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Liliam de Juatuba

O Rio Paraopeba passa no fundo da casa de Lilian Gonçalves dos Santos, de 43 anos, moradora do bairro Francelinos, em Juatuba. Ela conta que a vida mudou completamente após o rompimento da barragem da Vale. “O rio ficava cheio no final de semana, até era difícil achar um cantinho”, relembra. “Agora a gente está num abandono. Minha família e meus amigos vinham por causa do rio para pescar e hoje não vem mais ninguém”, lamenta.

O impedimento à socialização e as perdas de espaços de lazer e culturais colocaram as pessoas atingidas em uma situação maior de adoecimento, uma vez que há dificuldade de acesso a espaços culturais e de recreação. Nos espaços participativos da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) apareceram muitos relatos de mulheres de que o rio Paraopeba era o grande local de entretenimento da região, onde mulheres, crianças e homens podiam se divertir e trabalhar.

Liliam costumava pescar no Paraopeba e também usava a água do rio para criação de minhocas e produção agrícola. Plantava banana, milho, quiabo, couve, alface, mostarda e cebolinha. “São esses trens simples que a gente plantava para comprar outros tipos de verdura. Hoje ninguém quer comprar nada, as pessoas têm medo”.

Ela relata que já ficou uma semana sem água e convive com a incerteza de ter fornecimento para os usos domésticos em geral. Desde o rompimento, não consegue produzir sequer para sustento próprio e da família. “Vida ficou péssima, tudo ficou chato e difícil. Começou até a me dar um pouco de depressão, pois eu sempre gostei de trabalhar”. Viúva, ela é mãe de dois filhos, um de 14 e outro de 19.

Lilian vive uma realidade compartilhada por muitas mulheres atingidas, que além de serem a maioria das referências dos seus núcleos familiares, também são as únicas responsáveis pelo sustento da família. “De acordo com os dados extraídos dos Registros Familiares da Aedas, as mulheres são a maioria das referências familiares em relação aos homens. Um dos exemplos consiste no dado da própria comunidade de Lilian, uma vez que do total de 214 referências familiares, 146 são mulheres, ou seja, 68%”, contextualiza Jéssica Portugal, da equipe de Monitoramento de Gênero da Aedas.

ACESSO À ÁGUA

Lilian também é uma das pessoas atingidas que vem relatando contas abusivas de água cobradas pela Copasa. Ficou em choque ao receber faturas abusivas de até R$ 500. “Eu desesperei. Sou viúva e meus filhos estão desempregados. Como estou gastando se eu não tenho água? Ficamos o dia inteiro sem água. Tivemos que pagar para eles não cortarem”. Ela nunca recebeu água mineral da Vale ou da Copasa e hoje consome água da torneira no filtro de barro. “A promessa era vir essa água, mas não apareceu essa água aqui não”, protesta.

Na matriz da Aedas, uma das medidas para garantia do direito à água consiste na Redução de custos e isenção de tarifas de abastecimento de água para toda população atingida, uma vez que a falta de água em quantidade e qualidade suficiente tem sido um dos danos sofridos pelas comunidades em razão do rompimento, ou por ele agravado. “A falta de garantia de água confiável, em quantidade e qualidade suficientes, tem gerado um aumento de custo das famílias que se veem obrigadas a comprar água para consumo humano e seus demais usos, ou consumir água com qualidade incerta, inclusive com casos de morte de animais e plantas após sua utilização”, contextualiza Jéssica Portugal.

A garantia imediata de acesso à água consiste em uma das medidas reparatórias emergenciais. No documento elaborado pela AEDAS junto com as comunidades atingidas, considera-se necessário “destacar que a empresa Vale, enquanto poluidora pagadora, precisa dispor de recursos para reestruturação e reparação dos danos causados, seja por meio subsídios a COPASA e/ou criação de condições para a construção, a manutenção e a higiene de cisternas, poços artesianos, caixas d’água e tanques de armazenamento (individuais ou coletivos).

PAGAMENTO EMERGENCIAL

Mesmo morando a 300m da calha do Rio, recebe apenas 50% do valor do pagamento emergencial depositado pela Vale como medida de mitigação do desastre. “A Vale é uma firma que ganha muito dinheiro e matou o nosso rio. Como vai ser da nossa vida? Só devolvendo o Rio nossa vida vai voltar ao normal”.

Dados do Registro Familiar da Aedas revelam que na maioria das comunidades atingidas da Região 2 as mulheres que são referências familiares não recebem o valor do pagamento da Vale de forma regular. No caso da comunidade de Lilian (Francelinos, em Juatuba), de um total de 137 mulheres referências familiares que buscaram pagamento da empresa, 78% declaram receber apenas 50% do valor do pagamento.

“Diante disso, no que tange às medidas específicas para a garantia da reversibilidade dos danos aos grupos com vulnerabilidade social (dentre eles as mulheres), estão previstas, na matriz de danos a criação de programas focados na geração de empregos e renda para as mulheres e a criação e ampliação de espaços formativos acerca de Políticas Públicas de combate a violência contra as Mulheres”, explica Jéssica Portugal.