Atingidas de Barra Longa participam de Consulta para construção do Programa para Mulheres
A equipe da Aedas, Assessoria Técnica Independente que atua em Barra Longa, promoveu três Rodas de Diálogo com as mulheres atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Os encontros integram o processo de consulta que contribuirá na construção do Programa para Mulheres, previsto no Novo Acordo de Reparação do Rio Doce.
Esse programa é resultado da Ação Civil Pública (ACP), apresentada pelas Instituições de Justiça em junho de 2024 a partir de denúncias das mulheres atingidas. A ACP apontou a discriminação sofrida por elas no processo de reparação, especialmente nos cadastramentos e indenizações conduzidos pela Fundação Renova.

Sobre o Programa para Mulheres
O Programa para Mulheres tem como objetivo reconhecer e reparar as violências e injustiças enfrentadas por mulheres após o rompimento da barragem de Fundão, buscando garantir que seus direitos sejam respeitados e que elas sejam incluídas no processo de reparação. O valor total destinado ao Programa em toda a Bacia do Rio Doce, abrangendo desde Minas Gerais até o litoral norte do Espírito Santo, é de 1 bilhão de reais, a ser pago em treze parcelas, com a última prevista para 2036. No entanto, o Programa ainda se encontra em fase de estruturação.
O Programa para Mulheres é de responsabilidade das Instituições de Justiça
Dentro do Novo Acordo do Rio Doce, as Instituições de Justiça que participaram das negociações são o Ministério Público Federal (MPF) Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) Defensoria Pública da União (DPU) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES). São essas instituições, que na figura do NUCARD (Núcleo de Acompanhamento de Reparações por Desastres), são as responsáveis por gerenciar o recurso e decidir de que forma as mulheres serão reparadas. Para isso, solicitaram às Assessorias Técnicas Independentes dos territórios atingidos para aplicar, de maneira consultiva, um formulário com as mulheres de cada território. Nesta etapa inicial, as mulheres atingidas responderam, entre outras questões, se o Programa deve contemplar pagamentos individualizados, projetos coletivos, ou uma combinação de ambos.
Rodas de Diálogo em Barra Longa
Em Barra Longa, a Comissão Territorial de Atingidos e Atingidas decidiu ampliar o processo de escuta para garantir maior participação das mulheres. Assim, a ATI Aedas organizou Rodas de Diálogos, espaços importantes de escuta das mulheres, onde foram apresentadas todas as questões do formulário enviado pelas Instituições de Justiça. As mulheres presentes puderam responder a essas perguntas, além de terem espaço para exporem suas dúvidas e críticas.
Sendo assim, três Rodas de Diálogos foram realizadas: a primeira em 17 de setembro de 2025, com foco em mulheres da área urbana; a segunda em 24 de setembro, com foco na participação de mulheres de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs); e a terceira no dia 1º de outubro, com foco nas mulheres da área rural.
Estiveram presentes pelo menos 28 comunidades: Água Fria, Barreto, Barro Branco, Bico de Pato, Bonfim, Bonsucesso, Buieiê, Córrego das Quintas, Capela Velha, Caqui, Centro, Covanca, Cunha, Dobla, Felipe dos Santos, Fragoso, Gesteira, Laje, Matipó, Morro Vermelho, Paiol do Cunha, Pimenta, Pouso Alto, Rocinha, Rosário, Tabuões, Vila São José Operário e Volta da Capela.

O formulário final com as contribuições do território foi enviado em 7 de outubro de 2025 pela Comissão Territorial de Atingidos e Atingidas, em conjunto com a Assessoria Técnica Independente, Aedas. O documento inclui todas as observações, concordâncias e discordâncias expressas pelas mulheres nas reuniões.
Principais contribuições das mulheres
As seções 1 e 2 do formulário foram destinadas à identificação do território, da assessoria técnica e dados das Rodas de Diálogos realizadas com as mulheres atingidas, como locais e datas. A partir da seção 3, foram apresentadas as perguntas elaboradas pelas Instituições de Justiça sobre o Programa para Mulheres.
Critérios para execução do Programa – Contratação da Entidade Técnica de Apoio
Nesta seção 3, foram apresentados critérios fundamentais para a contratação da Entidade Técnica de Apoio e da Entidade Gestora, responsáveis pela execução do Programa para Mulheres. A maioria das participantes escolheu como prioritários os seguintes critérios:
- Experiência comprovada com populações em situação de vulnerabilidade social.
- Capacidade técnica e operacional para executar projetos sociais de médio e grande porte.
- Comprometimento com a participação das mulheres nas decisões organizacionais relacionadas ao programa.
- Transparência na gestão dos recursos e na prestação de contas.
Além disso, as mulheres atingidas manifestaram pela vontade de que novos critérios fossem incluídos, tais como:
Comprometimento da entidade gestora com a participação efetiva das mulheres nas decisões organizacionais e composição do corpo técnico da entidade gestora por pessoas atingidas e por mulheres de Povos e Comunidades Tradicionais.
Seção 4.1 – O que o Programa para Mulheres poderá prever?
A maioria das participantes das rodas de diálogo votou pela realização de pagamentos individualizados às mulheres consideradas elegíveis ao programa.
Seção 4.2 – Quais mulheres deverão ser incluídas no Programa?
Nesta etapa, a maior parte das participantes defendeu a inclusão de:
Mulheres com idade igual ou superior a 16 anos em 05 de novembro de 2015, cadastradas nas fases 1 ou 2 do cadastro realizado no âmbito do PG 01, como dependentes e que não foram indenizadas individualmente, bem como outros grupos, a depender de análise de viabilidade técnica, financeira e legal.
A inclusão de outros grupos de mulheres também foi amplamente defendida, tais como:
Faxineiras, mulheres do lar, bordadeiras, autônomas, sacoleiras e agricultoras.
Mulheres não cadastradas ou com cadastro negado.
Gestantes em 2015 e crianças nascidas após o rompimento.
Mulheres que receberam valores indenizatórios considerados insuficientes.
Mulheres que não conseguiram se cadastrar por falta de documentação na época.
Seção 5 – Qual será a ordem de pagamentos?
A maioria das participantes das Rodas de Diálogos votou a favor do início simultâneo dos pagamentos para todos os grupos de mulheres elegíveis ao programa.
Seção 6 – Quais devem ser os grupos com prioridade no recebimento dos pagamentos realizados pelo programa?
Essa questão não foi aplicada, pois a maioria das mulheres votou por não haver ordem de prioridade

Seção 7 – Vozes que ampliam o debate sobre o Programa – Demandas e reflexões além do formulário
Esta seção foi destinada para a inclusão de comentários e sugestões não incluídas no formulário. Entre os comentários e sugestões adicionais, destacam-se:
Garantir que mulheres reconhecidas em outros programas (ex.: Inglaterra) mantenham o direito de reparação sem quitação total.
Solicitação para incluir mulheres não cadastradas, não indenizadas ou com cadastros negados.
Sugestão de construir uma lista de mulheres residentes em Barra Longa, validada pela própria população, com apoio de agentes de saúde.
Pedido para que fossem incluídas no formulário questões referentes à saúde.
Discordância das perguntas serem apresentadas prontas, no questionário enviado pelas Instituições de Justiça.
Reivindicação de que conste a exigência de consulta livre, prévia e informada aos Povos e Comunidades Tradicionais, conforme a Convenção 169 da OIT, Decreto 6.040/2007 e Decreto 4.877/2003.
Exigência de que as Instituições de Justiça venham ao território para construir o Programa com os PCTs. Caso isso não ocorra, as comunidades afirmaram que irão pessoalmente às IJ levar suas exigências.
Solicitaram e reforçaram a necessidade da prevenção de fraudes e da necessidade de prestação de contas transparente.
Solicitaram e reforçaram que todas as mulheres devem ser reconhecidas independentemente da idade ou cadastro.
Afirmaram a necessidade de idoneidade da entidade gestora e que esta tenha conhecimento prévio do território.
Reivindicaram a representação de mulheres atingidas dentro da entidade, eleitas pela população.
Defesa da inclusão de todas as mulheres de Barra Longa, sem comparação com outros territórios.
Reivindicação de critérios próprios do Programa de Mulheres para Barra Longa.
Crítica ao envio de valores ao poder público, com defesa de gestão direta pelas mulheres atingidas.
Apresentaram críticas às questões do formulário e à percepção de que ele não reflete a realidade local.
As mulheres atingidas pediram respeito e rejeitaram os cursos oferecidos, afirmando que se tratam de propostas assistencialistas. Reforçaram que desejam reparação e dignidade, e não projetos paliativos.
Pediu-se que todas as mulheres acima de 18 anos sejam contempladas; sugeriu-se usar título de eleitor para comprovar residência e evitar fraudes.
Reafirmou-se o desejo de inclusão de todas as mulheres, crianças e adolescentes atingidos, com comprovação de vínculo territorial.
Por fim, as mulheres atingidas destacaram a importância de levar o diálogo sobre o Programa para Mulheres a todas as comunidades.
As contribuições das mulheres de Barra Longa reforçam a importância da participação popular e da escuta qualificada no processo de reparação. O envolvimento ativo das atingidas garante que não só o Programa para Mulheres, mas todo o Acordo de reparação reflita suas experiências, necessidades e expectativas para uma reparação justa.
Texto: Emilio Pio, Equipe de Comunicação Programa Barra Longa, com contribuição de Ana Carolina Porto – equipe Multidisciplinar.


