Devolutiva da Consultoria IDAFRO sistematiza danos e reafirma os direitos dos Povos de Terreiro e de Matriz Africana na Bacia do Paraopeba
O dano ao bem-estar espiritual, ao patrimônio material e imaterial, à saúde física e psíquica, bem como o deslocamento forçado, a perda de serviços ecossistêmicos e o agravamento das violações de direitos, foram sistematizados pela consultoria

Em 2021, a Aedas contratou a Consultoria do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (IDAFRO), por meio do Termo de Referência nº 05/2021, a partir de demanda direta dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA). Essa contratação foi considerada histórica, pois respondeu a uma reivindicação antiga: que as especificidades socioculturais e espirituais dos povos de terreiro fossem reconhecidas nos processos de reparação.
Entre 2022 e 2024, a equipe multidisciplinar da IDAFRO — composta por advogados, arquitetos, sociólogos e historiadores — desenvolveu um estudo abrangente com 32 terreiros, reinados, irmandades e outras Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) da Região 2 da Bacia do Paraopeba, atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. O processo incluiu revisão bibliográfica, análise de dados da Aedas e de outras consultorias, escuta etnográfica, entrevistas, aplicação de questionários, visitas de campo, produção de mapas e registros audiovisuais.
Os resultados foram organizados em sete produtos: relatórios técnicos, diagnósticos, registros coletivos, cartilha, podcast e registro audiovisual, consolidados em um Relatório Final com 11 capítulos. Esse material subsidiou a devolutiva realizada em outubro de 2025, acompanhada de um documento-síntese em linguagem acessível, e mapas, garantindo o retorno das análises às comunidades envolvidas. A devolutiva é também um compromisso ético: devolver às comunidades o conhecimento produzido a partir de suas falas, dados e documentos, fortalecendo a participação e a memória coletiva.
Sistematização dos danos

Uma das principais contribuições da consultoria foi a organização de danos, que sistematizou violações em diferentes dimensões: dano ao bem-estar espiritual; dano ao patrimônio material e imaterial; danos à saúde física e psíquica; deslocamento forçado; perda de serviços ecossistêmicos; agravamento de violações de direitos.
A análise destacou ainda o papel central das mulheres e jovens na manutenção dos rituais após o desastre, assim como a forte presença de pessoas LGBTQIAPN+, reafirmando o caráter diverso e acolhedor dos terreiros.
Fundamentação jurídica e reparação integral

O relatório não apenas diagnosticou os danos, mas também construiu uma fundamentação jurídica robusta. A IDAFRO mobilizou normas constitucionais (arts. 215, 216 e 216-A da CF/88), a Convenção 169 da OIT, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e a Convenção Interamericana contra o Racismo (Decreto nº 10.932/2022), que possui status de emenda constitucional. Esses marcos reconhecem os povos e comunidades tradicionais como sujeitos de direito e determinam a proteção das manifestações culturais afro-brasileiras, mesmo quando não registradas formalmente.
Assim, os danos identificados não são apenas violações sociais ou ambientais, mas atingem bens jurídicos de elevada valoração constitucional e internacional — espirituais, culturais, comunitários, materiais e imateriais — cuja reparação deve ser diferenciada, integral e proporcional à sua importância para a sociedade brasileira.
Memória, dignidade e luta

Para a Aedas, os resultados da Consultoria IDAFRO fortalecem o processo participativo de reparação em curso na Bacia do Paraopeba, com dados já utilizados em instrumentos como o Anexo I.1 do Acordo Judicial, que trata dos danos coletivos. As considerações finais do relatório são categóricas: enfrentar o racismo ambiental é condição indispensável para que haja justiça.
Com os estudos, os Povos de Terreiro e de Matriz Africana reafirmam sua luta por memória, dignidade e reparação integral, garantindo que sua voz, seus territórios e suas tradições permaneçam no centro do processo.