Desde quarta-feira (17), um derramamento de lama proveniente da mineradora Mineração Ibirité Ltda (MIB) faz a população da comunidade do Córrego do Feijão acreditar que houve um “transbordamento do barramento da mina”. Próximo de completar dois anos e um mês do rompimento da barragem da Vale, Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho; que fez 272 vítimas fatais, 26 delas só no Córrego do Feijão, a situação preocupa moradores da comunidade. Em 18 de dezembro, na mesma mina da Vale, Júlio César foi soterrado enquanto prestava trabalho terceirizado para a mineradora.

Segundo o site Jornalistas Livres, como muitas pessoas são empregadas na mineradora ou trabalham para suas empreiteiras, ninguém quer falar a respeito, restringindo-se apenas a comentários e fotos nas redes sociais. Devido ao volume de chuvas na cidade, que se intensificaram na madrugada da quinta-feira (19), já é possível notar a invasão da água barrenta na vegetação e no asfalto que liga o Córrego do Feijão ao bairro Casa Branca.

Com forte coloração e densidade de lama sólida em alguns pontos, os ribeirões eram

utilizados para lazer, e em alguns pontos até para consumo próprio, segundo moradores. A equipe da Aedas esteve no local e pôde confirmar a informação de que a lama está sendo levada por alguns ribeirões, como o Casa Branca e o Jangada, até o Rio Paraopeba, que já recebeu 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro com o rompimento da barragem da Vale em 25 de janeiro de 2019. O fato fica ainda mais complexo pois, 400 metros antes de atingir o Paraopeba, a lama está caindo na estação Alonda, de tratamento de lama que a Vale instalou.

** Imagens de alguns pontos do ribeirão atingido, antes do derramamento de lama da MIB

Não – repetição

Não é a primeira vez que há vazamentos das mineradoras MIB e Jangada (da Vale), nos ribeirões da região do Córrego do Feijão. Em visita da Aedas à região, moradores dizem que a MIB já possui um histórico de deterioramento do patrimônio ambiental no local. “Nós tínhamos as nascentes das mulheres e a bica dos homens, com água bem limpa. A mineração destruiu tudo de uns dez anos pra cá. Hoje, o que temos, é barro e lama, e as bicas não dão mais água”, ressaltou morador que prefere ficar no anonimato, afirmando, ao se aproximar do rio de lama que a MIB causou “Sinto o cheiro do rejeito”. A olho nu, era possível ouvir o barulho dos peixes morrendo e ainda a densidade da lama no ribeirão.

A região, que concentra um complexo da mineração, da MIB e da Vale, é também cercada de sítios arqueológicos das épocas coloniais, pré-coloniais, Império e até de épocas mais remotas, sendo possível encontrar cerâmicas indígenas nas primeiras camadas de escavações, segundo relatos. Há diversos sítios privados, abandonados ou comprados pelas mineradoras. No Cantagalo, região rural do Córrego do Feijão, os ribeirões também foram afetados pela lama da MIB. No local, é possível ver o rio barrento na ponte sob o Rio Casa Branca. Mesmo estando ao lado do local do desastre da Vale, por onde a lama passou, moradores relatam que, ainda assim, não foram autorizados a receber água da mineradora Vale.

Para o coordenador territorial da Aedas na região 01 (Brumadinho), Lucas Vieira, a situação ocorrida no Córrego do Feijão, é bastante grave tanto do ponto de vista social, como ambiental. “Após todos os danos ocorridos com o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, é dever de todos, do Estado e das empresas privadas, um cuidado redobrado para que não ocorram novas violações de direito. O que vemos, são situações de repetição de danos e traumas, o que vai no caminho contrário à ideia de reparação integral, que inclui a necessidade de não-repetição”, alerta. Para ele, é necessário que as ações públicas envolvendo a comunidade de Córrego do Feijão passem realmente a incorporar os princípios da reparação integral, para condições mínimas de dignidade humana nas regiões atingidas.

Com o slogan “Segurança na MIB está em tudo”, a mineradora fica na fazenda Santa Maria e possui cinco barragens de rejeitos a uma distância de 800 metros da comunidade de Córrego do Feijão. Em 28 de janeiro de 2019, três dias após o desastre sociotecnológico que aconteceu na Mina Córrego do Feijão, da Vale, a mineradora teve suas atividades paralisadas por ordem da juíza de Brumadinho, Perla Saliba Brito.

A decisão, disponível no site do Tribunal de Justiça (VER AQUI), atendia pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pois a atividade minerária estava próxima ao local do rompimento da estrutura da Vale. O TJ determinou que a MIB adotasse medidas para impedir todo e qualquer carregamento de sedimentos para o Córrego do Feijão e Samambaia.

Sob pena de uma multa diária de R$ 1 milhão, em caso de descumprimento, a MIB ficava obrigada também, na época, a “garantir a estabilidade e a segurança de todas as estruturas existentes no empreendimento, assegurando-se a neutralização de todo e qualquer risco à população e ao meio ambiente”.

Em 23 de novembro de 2017, a mesma juíza já havia determinado que a mineradora deixasse de fazer desmontes por explosivos. O método para quebra de rochas causa grande vibração que pode causar danos às estruturas da barragem de rejeitos.

Denúncia

Ainda na sexta-feira (19), o Fórum dos Atingidos e Atingidas pelo crime da Vale; a Renser (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário); a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração); também estiveram no local e protocolaram denúncia às Defensorias Pública de Minas Gerais e da União, e aos Ministérios Públicos do Estado e Federal, pedindo “imediata apuração acerca de possível crime ambiental cometido por mineradoras nos arredores da comunidade do Córrego do Feijão”.

O documento solicita que os órgãos responsáveis apurem, punam, e apontem ações objetivas de reparação, como também, que a mineradora paralise suas operações, que colocam em risco pessoas e o meio ambiente, até que sejam levantadas as causas do problema.

De acordo com o site Estado de Minas Gerais, a Prefeitura Municipal de Brumadinho notificou, na manhã da sexta-feira (19/2), a MIB Mineração Ibirité LTDA pelo escoamento de lama do sistema pluvial da empresa e invasão da estrada que liga a comunidade de Córrego do Feijão à Casa Branca.

A prefeitura teria dado um prazo de cinco dias para que a mineradora apresente um relatório sobre as condições da área de mineração e das bacias de contenção, e que faça a drenagem da lama.

** Fotos: Carmen Kemoly e moradores do Córrego do Feijão