Barra Longa: “Roda de Diálogo” sobre Moradia Temporária identifica violações no atendimento às famílias atingidas
A atividade teve como objetivo ouvir os relatos das famílias, registrar as situações de violação de direitos e coletar informações para a produção de uma nota técnica
Barra Longa (MG), 10 de setembro de 2025 — A equipe técnica da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social, Aedas, realizou uma Roda de Diálogo sobre Moradia no município de Barra Longa com a presença de famílias atingidas, especificamente aquelas em situação de moradia em aluguéis temporários. Além das famílias atingidas, a Roda de Diálogo contou com a presença da comissão territorial de atingidas/os de Barra Longa, liderança quilombola e representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A atividade teve como objetivo ouvir os relatos das famílias, registrar as situações de violação de direitos e coletar informações para a produção de uma nota técnica, que servirá de base para a incidência junto aos órgãos responsáveis pela reparação.
Relatos que escancaram violações
Os relatos dos moradores deixaram claro o cenário de insegurança, medo, adoecimento e instabilidade vivenciado por famílias que, quase 10 anos após o rompimento, ainda vivem em moradias temporárias precárias, sem qualquer perspectiva de reassentamento ou indenização justa.
A moradora Ernestina de Deus Evangelista, por exemplo, contou que vivia de aluguel em uma casa com problemas estruturais graves, e que recebeu aviso de despejo faltando apenas 30 dias para o fim do contrato. Sem recursos para pagar um novo aluguel, buscou ajuda com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e só assim conseguiram, após pressão, a garantia de permanência até dezembro de 2025. Apesar disso, destacou: “Não tenho condições de pagar um aluguel de R$800. Vivemos com medo de sermos despejados”.
Outras mulheres relataram que suas moradias atuais são instáveis, com problemas como infiltração, risco elétrico, presença de escorpiões, falta d’água e ausência de manutenção por parte da empresa responsável. Algumas delas se mudaram de casa diversas vezes, perderam móveis e objetos, e hoje vivem em condições que ferem a dignidade humana. A moradia, antes espaço de segurança e memória, passou a ser símbolo de incerteza e abandono.
A reunião também foi marcada por mobilizações para que o reassentamento coletivo volte à pauta, pois seria uma solução para o problema de muitas famílias. Além disso, as famílias denunciam que não foram todas que receberam a indenização de R$20 mil por deslocamento forçado na época do rompimento e que foi pago a outras pessoas em 2019.
Moradias inseguras e adoecimento das famílias
Pessoas atingidas presentes na atividade participativa relataram danos sofridos diretamente pela lama ou pelas ações de sua retirada. Essas ações causaram diversas consequências, como trincas, infiltrações e outras vulnerabilidades nas moradias. Além disso, a nuvem de poeira gerada durante essas ações impactou gravemente o aumento do trabalho de limpeza — especialmente para as mulheres — nas residências, bem como a saúde das pessoas atingidas. Nenhuma das famílias participantes permaneceu em suas casas após o rompimento, todas precisaram sair.
As condições precárias de moradia geraram, além de danos materiais, o adoecimento físico e mental das famílias. Foram relatadas manchas na pele, alergias respiratórias, dores de cabeça, sintomas de ansiedade e depressão. A ausência de um acompanhamento psicossocial, previsto no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), foi duramente criticado pelas famílias.
Reassentamento e futuro
As famílias expressaram o desejo de ter reassentamentos dignos, em locais seguros, com infraestrutura adequada e espaço para o convívio comunitário, além de compensações justas considerando todos os danos sofridos.
Projetos de fortalecimento coletivo, de resgate cultural e de valorização da vizinhança também foram sugeridos como caminhos possíveis para reconstruir o senso de comunidade que existia antes do rompimento.
Compromisso da Aedas
A equipe da Aedas encerrou a roda reafirmando seu compromisso de registrar e encaminhar todos os relatos e denúncias ao sistema de Justiça e às instâncias responsáveis. A nota técnica produzida a partir deste encontro terá como base as falas e demandas apresentadas, visando pressionar pela garantia do direito à moradia digna, à reparação justa e à não repetição das violações.
Ana Carolina Porto, assessora jurídica da Aedas, reafirmou o compromisso com os atingidos e ressaltou que a moradia é um direito constitucional previsto no próprio acordo de reparação. “Estamos escutando, registrando e vamos produzir uma nota técnica a partir de tudo que vocês trouxeram. Vamos dar os encaminhamentos necessários e construir caminhos junto com vocês.”
A nota técnica, que será apresentada à comunidade, reunirá os principais relatos, violações, reivindicações e servirá de base para atuação junto às instituições responsáveis.
A coordenadora da equipe Multidisciplinar da Aedas, Roseny de Almeida, reforçou: “O que ouvimos aqui é sério, é grave, e vamos lutar para que essa situação seja revertida. A moradia de vocês precisa ser reconstruída com dignidade, segurança e respeito.”
“Nossa casa não é feita só de paredes e telhado, mas de tudo isso que cada um trouxe aqui”, disse a facilitadora ao final da roda.