2 anos do desastre | Rompimento agrava desigualdades entre homens e mulheres na região
Em 25 de janeiro de 2019, a barragem Mina Córrego do Feijão da mineradora Vale rompia na cidade de Brumadinho, deixando 272 mortos, sendo que 11 pessoas ainda não foram encontradas. Não restam dúvidas de que o desastre causou diversos danos à vida de todos
os atingidos e atingidas. Entretanto, o ocorrido aprofundou as desigualdades sociais e econômicas, de modo a colocar as mulheres atingidas em situação de maior e extrema vulnerabilidade.
Isso foi evidenciado durante os espaços participativos promovidos pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Assessoria Técnica Independente (ATI) que auxilia a população atingida pelo desastre, nas regiões 1 (Brumadinho) e 2 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas), e que sistematizou a Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais de cada região.
Nos documentos, que reúnem 219 medidas emergentes, levantadas pela própria população atingida em grupos virtuais e Rodas de Diálogo, realizadas entre julho e outubro de 2020, o que se constata é que a desigualdade estrutural entre homens e mulheres também persistiu e aprofundou danos na vida destas após o rompimento.
“As Rodas de Diálogos são espaços muito importante, onde as mulheres se sentiram à vontade para trazer um pouco da realidade em que vivem e perceber que os danos causados pelo rompimento da barragem não são só individuais, mas também coletivos”, explicou Rayssa Neves, da equipe de mobilização na região 1. “São problemas que acontecem nas suas casas, nas casas das suas vizinhas, amigas e familiares”, acrescentou.
São as mulheres as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados e pela reprodução da vida, por isso a situação da sobrecarga de trabalho delas foi ainda mais agravada. Somados a esses fatores, foi constatada ainda a perda da autonomia financeira
desse grupo, em consequência da desestruturação econômica das comunidades após o desastre sociotecnológico.
Esse é o caso vivenciado pela pescadora Merita de Jesus Oliveira, que perdeu sua fonte de renda com o rompimento da barragem da Vale, que contaminou com rejeitos tóxicos o Rio Paraopeba. Merita mora com o marido, a filha e quatro netos (de doze, dez, oito e seis anos), no bairro Cruzeiro, em Betim. Ela estava, inclusive, em seu barco quando a barragem Córrego do Feijão se rompeu em Brumadinho. A abundância de peixes sustentava a família e garantia o alimento na mesa todos os dias. “A gente pescava para comer, para vender para os amigos e vizinhos e para ajudar no sustento da casa. Quando eu pescava já mandava foto no WhatsApp. A gente vivia disso”. Hoje, Merita e a família sobrevivem com o pagamento emergencial.
Adoecimento de mulheres e cuidados com a família
Além disso, o impedimento à socialização e as perdas de espaços de lazer e culturais as colocaram em uma situação maior de adoecimento. Muitas mulheres relatam que o rio era o grande local de entretenimento da região, onde mulheres, crianças e homens podiam se divertir e trabalhar. Sendo assim, os cuidados com a família e a comunidade foram redobrados, principalmente pelo aumento de doenças físicas e mentais das crianças, jovens e idosos .
A vida e o território das mulheres atingidas em Brumadinho foram modificados. O que era antes uma cidade tranquila e turística, virou um celeiro de obras de reparação. Tais obras têm afetado diretamente a vida das mulheres, principais responsáveis pelo trabalho doméstico, sobrecarregando-as devido à presença constante de poeira. A contaminação e irregularidade do abastecimento da água também têm impactado negativamente na rotina das mulheres em seus afazeres domésticos. Além disso, um grande número de trabalhadores homens, vindos de diversos lugares do Brasil, passaram a viver na região após o rompimento e são responsáveis pelo aumento do assédio em diferentes espaços, piorando os casos de violência contra as mulheres.
Por outro lado, seus próprios companheiros, pais ou irmãos, que vivenciam a desestruturação de suas vidas após o desastre, respondem a violência sofrida com a perpetuação de um ciclo onde as mulheres são as principais vítimas. O crescente consumo de medicamentos, álcool e outras drogas em consequência da perda do emprego, de espaços de lazer e das relações afetivas, o estigma da contaminação e o medo de novos rompimentos são considerados catalisadores ou agravantes da violência doméstica.
Ainda assim, as mulheres são as principais lideranças comunitárias nas comunidades atingidas, principalmente nos territórios quilombolas, e relatam que o prejuízo no setor
turístico têm impedido, principalmente, as artesãs e produtoras das regiões de conquistar renda de maneira autônoma.
Mesmo diante das evidências da necessidade de ações e políticas direcionadas às mulheres, não há qualquer direcionamento de medidas a essa população em acordos, relatos ou decisões nos processos contra a Vale S.A. Sendo assim, o não reconhecimento das especificidades dos danos a esse grupo caracteriza a violação de direitos constitucionais fundamentais, pois reforça a continuidade da desigualdade social entre homens e mulheres.
Confira a íntegra da Matriz da R1:
Confira a íntegra da Matriz da R2:
