Atingidas e atingidos do Paraopeba reivindicam Auxílio Emergencial e protestam contra a precarização das ATIs
Nos diálogos, as pessoas atingidas apresentaram questionamentos, reivindicações e críticas ao processo de reparação

Na última sexta-feira, 11 de julho, centenas de lideranças atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em Brumadinho, e que atingiu a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, estiveram novamente em Belo Horizonte para exigir respeito, reparação integral e o cumprimento de direitos básicos, ainda negligenciados seis anos após o desastre-crime causado pela mineradora Vale S.A.
Entre as principais pautas do ato, organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), está a reivindicação pela garantia das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) sem cortes e sem precarização do direito, pedido por transparência e por respeito às realidades das regiões atingidas.


Fotos: João Dias/Aedas
Os recursos destinados a assegurar o direito à ATI nas Regiões 1 e 2, dentro da execução do Anexo I.1, sofreram um corte de 61% após um estudo realizado pela Coordenação Metodológica Finalística (CAMF). O corte foi criticado pelas pessoas atingidas e pela Aedas, que identificou erros graves no estudo, condicionando as Regiões 1 e 2 a terem uma participação precária no Anexo I.1, visto que os valores da R1 e R2 representam menos de 30% somados do total.
É importante destacar que essas Regiões, assessoradas pela Aedas, possuem um número significativamente maior de pessoas atingidas, além de maior severidade dos danos, representando mais de 60% do público cadastrado no Programa de Transferência de Renda (PTR). Nessas regiões estão mais de 40 comunidades tradicionais, abrange familiares de vítimas fatais e residentes na Zona Quente (epicentro do desastre-crime) e, ainda, a Região 1 tem exclusividade no Anexo I.4. (Projetos de fortalecimento dos serviços públicos para Brumadinho).

Sueli Araújo, liderança atingida da comunidade dos Pires, em Brumadinho, estava presente no ato e comentou sobre a importância das ATIs na luta das pessoas atingidas por reparação: “A falta da ATI em nossas comunidades é uma perda muito grande. Tudo o que precisamos resolver em questão da justiça, reuniões, acompanhamentos, a ATI está junto com a gente — seja em audiências, seja com a Vale, tudo isso a ATI é muito importante. Então, a falta dela vai nos prejudicar no processo de reparação”.
Tatiana Rodrigues, liderança atingida da comunidade Vale do Sol, em São Joaquim de Bicas e integrante do MAB, reforçou a importância de voltarem às ruas de Belo Horizonte: “nós pedimos a CAMF para que seja ouvido nós e aumentasse o recurso das Assessorias Técnicas, que esse recurso que é fornecido hoje não é o suficiente. Como vocês querem que a gente tenha ATI com tantas limitações, com tantos desvios e cortes, sendo que a gente precisa de muito mais atendimento das assessorias técnicas? [nas regiões 1 e 2]”.
Outra pauta do ato no dia 11 de julho foi a reivindicação de um Novo Auxílio Financeiro ou a continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR). Importante lembrar que há uma ação judicial que solicita a retomada do valor integral do PTR ou de um Novo Auxílio Financeiro — reduzido em março deste ano — e a manutenção do pagamento até que a reparação dos danos causados pelo desastre-crime seja concluída. Relembrando, houve decisão favorável ao pedido das pessoas atingidas em primeira instância, mas, após recurso de agravo de instrumento da mineradora Vale S.A., acabou sendo suspensa pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Comunidades exigem respeito às decisões coletivas
As lideranças das 5 Regiões da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias reforçaram que não aceitarão qualquer boicote que prejudique o Anexo I.1, parte do Acordo Judicial de Reparação, que prevê recursos e o único ponto do Acordo que traz autonomia para a Governança Popular visando a execução de Projetos de Demandas Comunitárias, além de Linhas de Crédito e Microcrédito. As pessoas atingidas exigiram que as decisões tomadas coletivamente pelas comunidades sejam respeitadas por todas as partes envolvidas.
As lideranças também se reuniram com as Instituições de Justiça (IJs) para reivindicar que as IJs decidam sobre a divisão de recursos e a inclusão de comunidades elegíveis no Anexo I.1, enquadradas nos critérios de elegibilidade com base nos danos coletivos, conforme Edital da Entidade Gestora (EG) na elaboração da Proposta Definitiva, que contou com a participação de lideranças atingidas de todas as regiões, durante o Encontro de Bacia.
Como foi a jornada de luta do dia 11?

Pela manhã, as pessoas atingidas se concentraram no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), onde realizaram uma assembleia chamada “Porquê lutamos e seguimos resistindo – 6 anos do crime”, para debater e reforçar as razões de suas lutas e resistências diante das violações de direitos e atrasos na reparação.
Atingidos vão ao TJMG cobrar solução para Auxílio Emergencial

Em seguida, ainda pela manhã, as lideranças atingidas seguiram em marcha até o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2ª Instância) para protocolar uma nova pauta de reivindicações sobre o Auxílio Emergencial, durante uma reunião com a juíza Maria Dolores e o juiz auxiliar da presidência, Marcelo Fioravante. Na porta do tribunal, as atingidas e atingidos realizaram ato público para exigir a continuidade do auxílio — considerado essencial para garantir a dignidade das famílias enquanto a reparação não é concluída.

Confira abaixo os ofícios protocolados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e lideranças atingidas no TJMG:
A juíza Maria Dolores informou que o julgamento dos agravos relacionados ao Auxílio Emergencial será realizado no dia 25 de agosto deste ano. Também foi destacado o compromisso do TJMG em garantir estruturas técnicas para os magistrados, visando tornar o trabalho mais eficiente e célere.
Larissa Assunção, da equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação (EJR) na Aedas, participou da audiência e destacou: “As pessoas atingidas trouxeram elementos de suas realidades em relação ao corte do PTR e à finalização do auxílio emergencial. Recebemos a informação de que, no dia 25 de agosto, acontecerá a primeira audiência de julgamento do agravo relacionado ao auxílio, que vai definir se a ação seguirá nos termos da liminar já concedida ou não, além de criar uma jurisprudência. Minas Gerais é pioneira nessa questão e é fundamental que as pessoas atingidas estejam presentes e participem desse momento, que definirá os rumos futuros do auxílio emergencial”.
Maria Aparecida, conhecida como Paré, liderança atingida do Tejuco, na Zona Quente, comunidade de Brumadinho, perdeu o irmão que, assim como ela, era agricultor no desastre-crime. Durante a audiência, ela destacou:
“Brumadinho todo mundo conhece pela TV, mas de reparação não tem nada. Como é que vão cortar o PTR? O dinheiro que a gente recebe não dá nem pra comprar remédio — falo por mim, pela minha família, por todos. Depois da redução do PTR, Brumadinho virou um caos. O SUS não cobre todos os remédios. Desde 2019, quando tudo aconteceu, nossa vida perdeu o sentido, porque o que a gente era, a gente não é mais — e nem sabe se vai poder voltar a ser, porque foi a Vale que tirou. Ela tira tudo que é nosso e ainda não quer pagar o que deve?”.

Joelísia Feitosa, liderança atingida de Juatuba e integrante do MAB, também participou da audiência e falou sobre os altos índices de vulnerabilidade social: “É grande a dificuldade que estamos enfrentando para acolher o alto índice de vulnerabilidade social, que aumentou com a pandemia, com o desastre-crime e agora com o corte do PTR. O PTR é o único recurso de muitas famílias. As pessoas foram privadas de seus direitos. Essa possibilidade de dignidade foi retirada das pessoas depois do crime [da Vale]. Antes, as pessoas trabalhavam com turismo, com plantio, etc, e hoje não têm mais essa renda. Estamos diante de uma crise que só cresce ao longo de toda a Bacia”.

Atuação da ATI e Anexo I.1 são temas de reuniões no MPMG/NUCARD e no TJMG com o juiz Murilo Silvio de Abreu

Após o ato, as pessoas atingidas retornaram ao INCRA para o almoço e, à tarde, seguiram para o Ministério Público de Minas Gerais, onde participaram de uma reunião com o Núcleo de Acompanhamento de Reparações por Desastres (NUCARD), presidida pelo promotor Leonardo Castro Maia e realizaram nova manifestação em defesa do Anexo I.1.
Joelma Pinheiro, da Aedas, participou da reunião no MPMG/NUCARD e repassou: “Os principais pontos foram a questão em relação à divisão de recursos do Anexo I.1 e a elegibilidade das comunidades para acessar os direitos coletivos pautados no Anexo. O MPMG trouxe o posicionamento de que as IJs não vão decidir em relação à questão da elegibilidade das comunidades e nem da divisão dos custeios, que as próprias pessoas atingidas serão que vão decidir sobre esses dois pontos. Também, em nome das IJs, o MPMG trouxe que segue aberto ao diálogo pra seguir conversando sobre essas e outras pautas e sugeriu uma próxima reunião para seguir com as discussões”.
Schirlene Gerdiken, liderança atingida da comunidade do Aranha, na zona rural de Brumadinho, comentou sobre a reunião com o Dr. Leonardo Castro Maia no MPMG/NUCARD. Para ela, há insatisfação e pouca perspectiva de apoio: “Trouxemos algumas questões, sobretudo sobre a divisão dos recursos destinados às ATIs para nos auxiliar na execução do Anexo I.1.Falamos da nossa insatisfação com a forma como essa divisão foi feita, do trabalho realizado pela CAMF, da falta de transparência e da desproporcionalidade na distribuição desses recursos. Ficamos de voltar para uma nova reunião (…) mas a impressão que tive é de que vamos ter que fazer tudo sozinhos. Se houver êxito, a responsabilidade será nossa, das pessoas atingidas — e, se houver erro, também. Eu senti que eles estão se isentando. Parece que estão jogando o problema nas nossas mãos”.
Para Lindaura Prates, liderança atingida da comunidade do Fhemig, em São Joaquim de Bicas, e integrante do MAB, que também participou da reunião no MPMG/NUCARD, ainda há muitos pontos sem avanço: “A discussão que levamos não avançou. Tudo o que ouvimos sobre as ATIs e o Anexo I.1 foram falas repetidas, dizendo que as Instituições de Justiça não vão intervir e que os atingidos é que ficarão responsáveis pelas decisões. Nós pedimos que as IJs nos apoiem em algumas instâncias. Também insistimos que é preciso rever os valores destinados às ATIs e considerar a quantidade de população atingida por território. Temos que seguir na luta para retomar essas e outras demandas que ainda não foram encaminhadas”.
Também à tarde, simultaneamente, uma comissão de atingidos se reuniu com o juiz Murilo Sílvio de Abreu, no TJMG, para cobrar celeridade nos processos e tratar dos recursos destinados às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) no Anexo I.1.

As lideranças atingidas reforçaram para o juiz a denúncia sobre o corte orçamentário para as ATIs, destacando a insuficiência de verba nas Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba, o que compromete o acompanhamento técnico previsto na Proposta Definitiva dos Projetos de Demandas Comunitárias e Linhas de Crédito e Microcrédito, além de reforçar a necessidade do novo auxílio emergencial.
Cláudia Saraiva, liderança atingida de Brumadinho, da comunidade de Ponte das Almorreimas, participou da reunião com o juiz e destacou: ‘Reforçamos a permanência das ATIs e dar condições para que elas trabalhem nos territórios, revendo o orçamento que foi pra elas colocados, que a gente julga insuficiente, elas [ATIs] também. Também falamos sobre o emergencial, que tem que dar mais celeridade”.

Diante da reivindicação da garantia da participação dos atingidos nos processos referentes ao Auxílio Emergencial e na discussão do Anexo I.1, o juiz assegurou que, no âmbito da instância que ele coordena, a participação dos atingidos será garantida em todos os processos, inclusive na liquidação coletiva.
Sobre a divisão dos recursos do Anexo I.1 e a definição das comunidades elegíveis, o juiz afirmou que aguarda o entendimento entre as Instituições de Justiça e a Entidade Gestora e, caso não haja consenso, tomará uma decisão para assegurar a igualdade entre todos os territórios. Por fim, destacou a necessidade de manter as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), previstas em lei, com estabilidade e planejamento garantidos.
Ciranda
A Ciranda da Aedas também ocorreu no ato do dia 11, sendo uma atividade voltada principalmente para crianças e adolescentes, realizada pela Aedas no contexto de suas ações de Assessoria Técnica Independente (ATI) junto a comunidades atingidas.
A Ciranda tem um papel pedagógico e de escuta, fortalecendo a participação das crianças, enquanto sujeitos de direitos, nos processos de reparação.


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Texto: Felipe Cunha / Conteúdo de campo: Júlia Rohden, João Dias, Diego Cota e Douglas Keesen