A falta de ações efetivas é apontada como um dos fatores que agravam a saúde e as condições de vida das comunidades atingidas 

Audiência Pública na ALMG discute a saúde de atingidos | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Ontem, 29 de abril, foi realizada uma Audiência Pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater as condições socioambientais e de saúde das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem em Brumadinho, bem como os resultados dos estudos que avaliam a saúde da população. 

A audiência foi convocada pelo mandato da deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) em parceria com o Observatório em Desastres da Mineração. Ao abrir a sessão, Bella Gonçalves destacou que esta é a terceira audiência pública dedicada à discussão da saúde das pessoas atingidas. 

Foto: Felipe Cunha/Aedas

O encontro reuniu relatos sobre as vivências, a saúde e a relação com o meio ambiente das pessoas atingidas das cinco regiões da Bacia do Paraopeba, além de apresentar dados da pesquisa conduzida pela Fiocruz Minas, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde 2021. 

Chamado de Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, o estudo, financiado pelo Ministério da Saúde, é desenvolvido em duas frentes: uma voltada à população com mais de 12 anos (Saúde Brumadinho) e outra focada em crianças de 0 a 6 anos (Projeto Bruminha).  

Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho  

Você pode saber mais sobre o Projeto Saúde Brumadinho e acessar os relatórios publicados da pesquisa clicando aqui. Ao final da página, estão disponíveis os relatórios publicados sobre a pesquisa: Projeto Saúde Brumadinho 

Participaram da audiência representantes da Fiocruz, de parlamentares, membros da Secretaria de Saúde, do poder público, da população atingida das 5 regiões, Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento dos Atingidos e atingidas por Baragens (MAB) e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) Aedas, NACAB, Guaicuy e Insea que assessoram as comunidades da Bacia do Rio Paraopeba atingidas pelo desastre-crime ocorrido em janeiro de 2019, em Brumadinho, e que atingiu 26 municípios. 

Aedas defende fortalecimento das comunidades atingidas em audiência pública 

Cecília Godoi, coordenadora da equipe de Marcadores Sociais das Diferenças na Aedas | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Durante a audiência, Cecília Godoi, coordenadora da equipe de Marcadores Sociais das Diferenças na Aedas, destacou o papel da ATI no apoio às comunidades atingidas: 

“A Aedas tem assessorado as comunidades atingidas no diálogo com o poder público dos municípios, a partir das demandas comunitárias que nos chegam. A população tem relatado aos representantes da rede de saúde municipal que as ações do SUS têm sido insuficientes para dar conta das demandas de saúde que surgem e se agravam após o rompimento”, afirmou. 

Cecília também ressaltou a participação da Aedas no Grupo de Trabalho coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, responsável pela construção de um Plano Estadual de Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por Desastres Minerários e residentes em regiões mineradoras. 

Segundo ela, as comunidades atingidas reivindicam participação ativa nos processos decisórios, no acompanhamento da execução das ações e no monitoramento de estudos e análises relacionados aos impactos dos rompimentos. “Fortalecer a vigilância popular, a informação em saúde e garantir uma comunicação de risco clara, feita pelas autoridades sanitárias, é fundamental para a efetividade das ações voltadas às comunidades atingidas”, concluiu. 

Atingidos denunciam ausência do Estado e falta de ações efetivas 

Robson Oliveira, de Piedade do Paraopeba e liderança que representou os atingidos da Região 1| Foto: Felipe Cunha/Aedas

Robson Oliveira, de Piedade do Paraopeba e liderança que representou os atingidos da Região 1 (Brumadinho), levou à audiência pública demandas relacionadas à saúde e denunciou a distância entre os projetos anunciados pelo Estado, o Município e a realidade vivida pelas comunidades atingidas. 

“Me assusta quando o Estado traz inúmeros projetos, só que ter projeto não significa que está sendo executado e garantindo, de fato, aquilo que é necessidade da população. Ter gasto financeiro também não cumpre efetivamente com o direito básico à saúde”, afirmou Robson. Ele reforçou que é a população atingida quem sente na pele as falhas do sistema: “Quem usa o sistema público de saúde somos nós, a população atingida”.

Michelle Rocha, liderança atingida de Betim e representante dos municípios da Região 2 | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Michelle Rocha, liderança atingida de Betim e representante dos municípios da Região 2 da Bacia do Paraopeba, criticou a ausência da presença efetiva nos territórios por parte das autoridades. 

“A mesa da audiência está cheia de representantes dos órgãos públicos, mas é preciso que eles estejam no território, conhecendo de perto o que vivemos. Tem muito por nós, sem nós”, afirmou Michelle, reforçando a importância da participação direta das comunidades atingidas nas decisões. 

Ela também afirma que o SUS não está preparado para atendê-los e cobrou, urgentemente, a implementação do protocolo de saúde voltado para os atingidos. “O protocolo de saúde já foi criado, define quais exames devem ser feitos, as consultas necessárias, como o atendimento deve acontecer, mas ele não sai do papel. Os profissionais de saúde precisam saber o que fazer. Vamos esperar mais dez anos?”, questionou. Michelle defendeu ainda a construção de uma política pública específica de saúde para a população atingida. 

Falta de água potável e adoecimento seguem como realidade nas comunidades 

Capitã Pedrina, representante dos PCTRAMA da Região 2| Foto: Felipe Cunha/Aedas

Capitã Pedrina, liderança da Unidade Territorial Tradicional de Juatuba e representante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) da Região 2, criticou a falta de ações efetivas na área da saúde, mesmo passados mais de seis anos do rompimento da barragem. “Existe um sistema da doença. A primeira coisa que precisava ter sido feita, lá em 2019, naquele dia triste, era se preocupar com como as pessoas. Estamos em 2025 e ainda não há nada efetivo para combater o adoecimento. Resumindo: não existe transparência. Apesar de muita fala sobre saúde, não há respeito. É preciso respeito e seriedade para transformar o sistema de adoecimento em sistema de saúde”, afirmou. 

Josiane Ribeiro, atingida de São Joaquim de Bicas e liderança da Região 2 | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Josiane Ribeiro, atingida de São Joaquim de Bicas e liderança da Região 2, denunciou as condições precárias de acesso à água e os danos contínuos na saúde da população. “Dentro não só da minha comunidade, mas até Retiro Baixo, tenho certeza de que muitos estão usando água da cisterna porque não têm outra saída, de poços artesianos. Uma parte da comunidade é abastecida pela Vale, via caminhão-pipa, o restante não. Então tomamos água de barro, crianças com ferimentos, doenças que apareceram, não tem remédio que cure, não tem dor que acabe. Até quando? Isso eu pergunto para as nossas Instituições de Justiça”, afirmou Josiane. 

Maria dos Anjos, liderança atingida da Comunidade Tradicional Ribeirinha da Rua Amianto, em Brumadinho, pediu fala durante a audiência e destacou a importância do Protocolo de Consulta, lançado no dia 26 de abril deste ano, como ferramenta de proteção e acesso às políticas públicas. 

“O protocolo é nossa garantia para chegar nos órgãos de saúde, por exemplo, e eles falarem – a comunidade tradicional ela é na beira do rio, ela não está na zona quente, mas a lama foi até lá”. 

A liderança ainda relembrou como o rompimento da barragem alterou drasticamente o modo de vida da comunidade. “Antes, o rio nunca foi um problema. Hoje, acabou nosso quintal. As crianças não têm mais onde brincar”, disse.  

Deputada destaca importância do SUS no contexto da mineração  

Deputada Bella Gonçalves destacou a importância da atuação do Sistema Único de Saúde | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Durante a audiência, que durou quase seis horas, a deputada Bella Gonçalves destacou a importância da atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) diante dos desafios impostos pela mineração. Ela afirmou: “Nós estamos nessa luta para que o SUS consiga desenvolver políticas e protocolos em Minas Gerais orientadas para um contexto de intensificação da mineração no nosso Estado e nosso País”. 

O promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente em Belo Horizonte, Leonardo Maia, disse durante a audiência que o acordo judicial não abrange todas as questões de saúde. Por isso, estão sendo incorporadas ao processo as perícias judiciais realizadas pela equipe da UFMG. A deputada Bella Gonçalves declarou que irá solicitar ao Tribunal de Justiça a apresentação desses estudos. 

O assessor-chefe de Relações Institucionais, Luiz Fernando Miranda, destacou como iniciativas da Secretaria Estadual a publicação de um edital de pesquisa, o protocolo e a construção de um plano de ação. Já o subsecretário de Vigilância em Saúde, Eduardo Prosdocimi, explicou as etapas do relatório técnico em andamento e mencionou ações de capacitação e monitoramento da qualidade do ar e da água. 


Veja a audiência completa: 


Foto ao final da audiência | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas Paraopeba