2º Encontro de Agentes Multiplicadores: eixos temáticos da reparação e projetos comunitários são discutidos pelas pessoas atingidas no Médio Rio Doce
Encontro fortaleceu o controle popular e aconteceu de forma simultânea nos territórios do Vale do Aço e Leste de Minas

Com o compromisso de ampliar a participação social e fortalecer o controle popular sobre a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, a Aedas promoveu, simultaneamente nos territórios do Vale do Aço e Leste de Minas, o 2º Encontro de Agentes Multiplicadores (AGMs). A atividade, realizada no último sábado, dia 26 de abril, reuniu dezenas de pessoas atingidas que, de forma voluntária e comprometida, atuam atuam enquanto lideranças comunitárias e estabelecem pontes entre as comunidades e o processo de reparação. São “agentes multiplicadores” em seus territórios.
Como o novo acordo de reparação é extenso e envolve temas diversos, como: saúde, meio ambiente, trabalho, pesca, educação, mulheres, assistência social, povos e comunidades tradicionais, dentre outros, o Encontro fomentou a apresentação e o debate da proposta de organização dos Eixos Temáticos, coletivos que se reunirão periodicamente e que nortearão as discussões sobre os programas e medidas do novo acordo judicial firmado entre as instituições de Justiça, os governos e as empresas mineradoras responsáveis pelo desastre-crime.

Atingidos e atingidas acompanharão oito eixos temáticos, a partir da sua escolha e identificação com o tema, e debaterão sobre os diferentes anexos do acordo de forma específica, a fim de monitorarem as informações referentes ao processo e construírem propostas de reparação dentro das possibilidades estabelecidas em cada anexo.
Para Henrique Lacerda, coordenador Institucional do Programa Médio Rio Doce da Aedas, os agentes multiplicadores exercem um papel fundamental ao sistematizarem as demandas de suas comunidades e conseguirem promover a difusão de informações e a construção de propostas para a reparação no âmbito coletivo.

“Os Agentes Multiplicadores, formados por coordenadoras e coordenadores dos Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs) e por integrantes das comissões territoriais, são lideranças que se tornaram referência em suas comunidades. Eles desempenham um papel fundamental ao acompanhar de perto os temas ligados à reparação nos territórios e em toda a bacia do Rio Doce, funcionando como uma ponte direta entre as suas comunidades atingidas e o processo de reparação”, explica.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), organizado na região do Médio Rio Doce, esteve presente na construção dos espaços. Para Thiago Alves, da coordenação nacional do MAB, é necessário que os fundos coletivos, estabelecidos no acordo de repactuação, cheguem às comunidades, gerem trabalho, renda e fortaleçam a vida nos territórios.

“Os projetos devem gerar renda e trabalho para as mulheres, para os jovens e devem fortalecer a organização comunitária e a luta por reparação integral. Sabemos que os projetos não vão resolver tudo, porque temos muitos problemas nos territórios com a água, com a saúde, moradia e outras realidades que o crime da Vale, Samarco e BHP fizeram na nossa região. Mas agora é momento de esperançar: olhar para o que temos na repactuação, aproveitar o que foi nossa conquista e transformar em esperança”, destaca.
A divisão temática dos eixos temáticos
Durante o Encontro dos Agentes Multiplicadores da Aedas, as pessoas atingidas se organizaram em grupos, divididos por Eixos Temáticos, para compartilhar informações, debater as necessidades dos territórios e construir coletivamente propostas de projetos comunitários que fortaleçam a luta por uma reparação integral.
Reativação econômica

No grupo do Eixo Temático de Reativação Econômica, a metodologia participativa e colaborativa serviu para estimular a construção de propostas de projetos coletivos. A dinâmica começou com perguntas que possibilitaram uma reflexão sobre o conceito de reativação econômica e a importância da organização comunitária.
As pessoas atingidas puderam discutir propostas iniciais de projetos, como o monitoramento de espécies do Rio Doce, implantação de sistemas de aquaponia e unidades coletivas de beneficiamento de pescado. As propostas foram elaboradas a partir de demandas já identificadas nos territórios durante a realização de espaços participativos como os Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs), rodas de diálogo e seminários temáticos.
Saúde

Com base nas vivências das comunidades, no Eixo de Saúde foi aprofundado o debate sobre saúde em sua dimensão ampliada, reconhecendo-a como conquista histórica da luta popular, e de responsabilidade coletiva. Em momentos de trocas, através de dinâmicas e criações, as pessoas atingidas puderam dialogar sobre saúde como direito. A partir da construção de um mural colaborativo, foram realizadas discussões com reflexões sobre a organização comunitária para defesa da saúde nos territórios e o avanço na proposta de formação em Vigilância Popular em Saúde.
Mulheres

O Eixo Mulheres propõe avançar nos debates iniciados pela Ação Civil Pública das Mulheres (ACP Mulheres), organizando temas prioritários nos territórios e propondo ações que dialoguem com a realidade das atingidas. Durante o Encontro, a equipe técnica da Aedas realizou um resgate de memória do processo de reparação, trazendo na linha do tempo fatos marcantes dos quase 10 anos desde o rompimento de Fundão. Entre diálogos e trocas, as mulheres puderam discutir o novo acordo de reparação de forma transversal, buscando visualizar propostas de incidência não apenas no Programa de Mulheres (proposto no capítulo II do novo acordo), mas em todos os anexos da reparação, com atenção aos recortes de gênero e raça.
Assistência Social

O Anexo 7 destina R$ 640 milhões para fortalecer a rede socioassistencial nos municípios atingidos, garantindo atendimento a populações em vulnerabilidade. No Encontro, foi construído com os agentes multiplicadores um panorama da situação dos territórios e diálogos sobre a construção de projeções para o anexo, através de uma “Mandala dos Sonhos Sociais”. Foi reforçado que a participação da sociedade civil nos Conselhos de Assistência Social é fundamental para acompanhar e decidir sobre o uso dos recursos previstos no acordo.
Socioambiental


O grupo do Eixo Temático Socioambiental adotou uma metodologia dinâmica construída a partir da realização de cartografia participativa. Em um mapa impresso da região, os participantes representaram os elementos naturais e sociais de seus territórios — como rios, plantações, animais e pessoas —, discutindo como o rompimento da barragem gerou danos nessas relações. A partir dessa construção coletiva, o grupo elaborou um conceito compartilhado do que representa o eixo socioambiental na reparação integral. Também foi reforçada a importância da ocupação dos espaços de controle social, como comitês de bacia e conselhos municipais, como parte fundamental do acompanhamento e da incidência sobre as ações previstas no novo acordo de reparação.
Eixo Temático Povos e Comunidades Tradicionais

O grupo do Eixo Temático de Povos e Comunidades Tradicionais optou por uma metodologia centrada no fortalecimento da identidade coletiva, na autodeterminação e na recuperação dos vínculos territoriais e culturais. A partir da reflexão sobre quem são, como vivem e quais tradições mantêm, os participantes resgataram elementos essenciais de suas comunidades, conectando-os aos direitos coletivos, como o direito à consulta prévia, livre e informada. Durante as discussões, reforçou-se a importância da participação cidadã e do exercício contínuo da consulta comunitária para garantir uma reparação justa e alinhada às realidades locais.
Eixo Participação e Controle Social

Durante o Encontro, o grupo do Eixo de Participação e Controle Social desenvolveu uma metodologia voltada para resgatar a memória da participação popular nos processos de reparação e projetar novas formas de atuação a partir do novo acordo. O “Quiz da Participação” estimulou os participantes a refletirem sobre os espaços de controle social construídos ao longo dos anos. Projetos coletivos como o “Agentes de Projetos Sociais”, que propõe a capacitação de pessoas atingidas para a elaboração e gestão de projetos comunitários, priorizando grupos historicamente vulnerabilizados como mulheres, jovens, negros, pessoas com deficiência e povos e comunidades tradicionais, foram apresentados e debatidos.
Saiba mais sobre os Eixos Temáticos
Fortalecimento da organização comunitária
Entre os diversos temas debatidos no 2º Encontro de AGMs, a importância da unidade e da participação coletiva apareceu como um dos principais pilares para o avanço da reparação integral. Para as pessoas atingidas presentes, a informação e a interlocução com atores dos outros territórios têm sido fundamentais na luta por justiça.
Maura Lúcia de Araújo, atingida do assentamento Roseli Nunes, em Resplendor, quando questionada sobre a importância da construção coletiva, fez uma reflexão carregada de simbolismo e esperança.

“Olha, é como diz o ditado: ‘uma andorinha só não faz verão’. Quando a gente trabalha junto, tem mais coragem, mais força, mais energia e mais resistência. Esses dias, na casa da minha filha em Goiás, onde o solo é só pedra e areia, estou trabalhando com sistemas agroecológicos, usando as folhas das árvores do cerrado. Vi uma cena que me fez pensar muito: uma minhoca, sozinha, cavava a terra e conseguia entrar até mesmo nas pedras vermelhas. Depois, vinha outra e transformava aquela pedra em terra fértil. Outros bichinhos, como os tatuzinhos, também se juntavam. Era um trabalho coletivo, silencioso, mas poderoso, construindo vida onde antes parecia impossível. Se esses pequenos seres conseguem criar vida juntos, imagine nós, seres humanos, com toda a inteligência e capacidade que temos! Eu acredito nisso. Acredito nas pessoas. Acredito que, trabalhando juntas, podemos transformar muita coisa. Mesmo que seja difícil, eu não desisto. Um dia, dá certo.”, afirmou.

Um sentimento que atravessa a vida de Camila Daiane, do município de Ipaba, no Vale do Aço. Para ela, que é dona de casa, mãe, e sonha diariamente com uma vida mais digna para sua família e comunidade, a força do coletivo é transformadora. “A gente quando vem para esses espaços tem mais informações, consegue ver e lutar por coisas que podem melhorar nossa comunidade. Então, é muito importante somar forças para pensar juntos. Precisamos de oportunidade de renda e trabalho”, afirma.
Troca de saberes e a escuta ativa

Representando o distrito de Santo Antônio do Rio Doce, Nilda Maria Pereira Mendes participou do encontro trazendo as demandas que ainda seguem sem reparação em sua comunidade. Para ela, a organização das pessoas atingidas dentro dos eixos temáticos é uma oportunidade de unir forças e construir soluções e projetos de forma coletiva para os territórios.
“Esse encontro está sendo muito especial porque conseguimos trazer as demandas que ainda não foram reparadas nos nossos municípios. Com todo esse movimento, estamos juntando ideias para formar projetos que tragam benefícios coletivos para toda a nossa região”, destacou.

Ao refletir sobre a importância da construção coletiva, Nilda ressaltou a força da organização popular. “A gente fica por dentro dos assuntos, é assessorado por um grupo qualificado que vem nos ajudando, e assim vamos encontrar caminhos para trazer benefícios para nossos distritos também”, pontuou.
Para quem ainda não se envolveu no processo de reparação, Nilda deixou um recado cheio de esperança: “Eu sei que muitos perderam a esperança porque, no começo, era difícil ver resultados. Mas agora esses projetos são sérios. A gente vai conseguir. Então venham ajudar! A presença e a participação de vocês são fundamentais para que a gente conquiste a vitória.”
Portas indenizatórias ainda disponíveis

Ainda durante o encontro, a coordenadora de Diretrizes de Reparação Integral do Programa Médio Rio Doce da Aedas, Giovana Nobre, trouxe informações importantes para as pessoas atingidas sobre as portas indenizatórias ainda disponíveis para quem cumpre os critérios de acesso.
“É importante destacar que ainda estão acessíveis as portas indenizatórias PID (Programa Indenizatório Definitivo), com valor fixo de R$ 35 mil, e AgroPesca, voltada para agricultores familiares e pescadores artesanais, com valor fixo de R$ 95 mil. Vale lembrar que o sistema AgroPesca, previsto no Anexo 2 de Indenizações Individuais e gerido pela Samarco, é diferente do Programa de Transferência de Renda, previsto no Anexo 4, que será executado pelo Governo Federal”, explicou Giovana.
Ela também reforçou a importância de que as pessoas atingidas acompanhem atentamente as campanhas de comunicação realizadas pela Samarco, onde são divulgados os prazos, critérios de acesso e orientações detalhadas sobre como acessar as plataformas indenizatórias da mineradora.
Saiba mais no Portal do Usuário da Samarco
Grupo de Atingidos e Atingidas (GAA)
Os GAAs constituem a base do processo participativo, promovendo a auto-organização das famílias atingidas. Esses grupos são instrumentos de protagonismo, transparência e continuidade da mobilização nas comunidades, respeitando as particularidades de cada território.
Por meio de reuniões periódicas, os GAAs debatem temas como os direitos das pessoas atingidas, os danos causados pelo desastre-crime, estratégias de reparação e demandas específicas das comunidades. Eles também são espaços de difusão de informações técnicas e recolhimento de sugestões, garantindo a conexão direta entre a assessoria técnica independente e as famílias atingidas.


Texto: Thiago Matos e Glenda Uchôa – Equipe de Comunicação Programa Médio Rio Doce da Aedas