Assentamento Liberdade: 27 anos de resistência e luta no Vale do Rio Doce
Neste 17 de abril, Dia Internacional da luta camponesa destacamos a história do Assentamento Liberdade, símbolo da luta por direito à terra no Vale do Aço.

O Assentamento Liberdade, pertencente ao município de Periquito (MG), comemorou no dia 10 de março de 2025 seus 27 anos de existência. A data é celebrada desde a ocupação das terras em 1998, quando cerca de 350 famílias de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra ocuparam áreas improdutivas de propriedade da antiga empresa Acesita. A ocupação foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) que lideraram a busca do sonho por um pedaço de chão para produzir e (re)existir dignamente.
Dentre as muitas histórias de luta que encontramos no assentamento, Vânia Maria (coordenadora regional do MST) relata como sua vida foi atravessada pelas Barragens desde muito antes do Rompimento da Barragem de Fundão acontecer. Nascida em Alvarenga, ela e sua família tiveram que largar seu território por conta da construção da barragem de Cachoeirão e abandonar o modo de vida no campo, afetando sua relação com a terra. Vânia, como tantas outras, descobriu nas lutas seu propósito e a condição para uma vida digna, sendo parte de uma luta maior por reforma agrária, cujo objetivo é a redistribuição de terras para combater a desigualdade social e a fome, promovendo a aplicabilidade do princípio da função social da propriedade. (Inciso XXIII, art. 5º, CF/88)

Para Vânia Maria, coordenadora regional do MST, a luta pela terra e o Movimento Social é a única saída para os trabalhadores rurais viverem com dignidade. Ela diz que foi dentro da luta que reconheceu seu valor como sujeito e o significado de solidariedade.
A jornada de luta não foi fácil. João Valentim, que chegou ao acampamento localizado às margens da BR-381 no dia 10 de março de 1998, relembra as dificuldades enfrentadas no início, como os conflitos com a polícia e os vários despejos que sofreram e que custaram na perda das produções das famílias. Foi finalmente em 2005 que as famílias que resistiram debaixo das lonas conquistaram o reconhecimento das terras pelo INCRA. Quem resistiu e conquistou seu pedaço de terra acredita que foi a solidariedade que manteve a luta de pé.
Maria da Glória, que presenciou a ocupação junto de seu companheiro e três filhos, conta sobre a produção no Liberdade, que desde a sua fundação, tem se dedicado a produzir por meio da agricultura familiar uma diversidade de alimentos, com destaque para a produção de mandioca, hortaliças, leite e batatas. Ela, que se aproximou do Movimento através do setor de educação, relembra que na época de acampamento era prioridade garantir escola tanto para as crianças quanto para os Jovens e Adultos. Tendo o reconhecimento da importância da Educação, o acampamento desde que foi estabelecido na margem da BR contou com uma escola que chegou a alfabetizar muitos sem-terras. Essa evocação ao passado reforça ainda mais o sonho da comunidade em conseguir uma escola rural em seu território.

Mas, a luta do assentamento não parou por aí. Em 2007, a construção da Barragem de Baguari atingiu a comunidade, forçou a remoção de oito famílias e a perda de áreas comunitárias. Em 2015, o rompimento da barragem em Mariana trouxe ainda mais danos para o território, tornando seus moradores duplamente atingidos. Os agricultores e pescadores do Assentamento Liberdade sofreram com a contaminação das águas e com os danos à produção de alimentos. Além disso, a construção de uma adutora, em nome da reparação, afetou o lazer e as práticas religiosas da comunidade, tornando-se atingidos mais uma vez, só que agora pelo processo de reparação.
Para Moisés Gomes, membro da Comissão do Território 3 e presidente da Associação de Cooperação Agrícola do Assentamento Liberdade (ACOAL), além desses danos, o maior impacto do rompimento da barragem foi a perda da coletividade. Desde 2015, as relações comunitárias têm se modificado, e o processo de reparação não foi homogêneo, gerando dificuldades na reconstrução dos vínculos.

O aniversário do Assentamento Liberdade sempre foi uma data simbólica de celebração, reunindo as famílias assentadas para relembrar sua história de luta e deixar viva a memória de resistência. No entanto, também é uma data importante para reafirmar o compromisso com a agricultura familiar e a reforma agrária que só são possíveis através de políticas públicas, como o PNAE, PRONAF, PAA, entre outras políticas de incentivo a agricultura. Também se faz presente como bandeiras de luta e reinvindicação da ACOAL, o acesso a saúde, a criação de uma escola de educação no campo e projetos de apoio à juventude.

É importante destacar que o aniversário do Assentamento Liberdade ocorre perto de uma grande data: o Dia Internacional da Mulher, celebrado no 8 de março. Esta data marca a luta das mulheres por direitos e melhores condições de vida, é lembrada também pelas assentadas que reafirmam que não existe reforma agrária sem a luta das mulheres. Elas recordam o quanto foram fundamentais para que as famílias e seus companheiros resistissem na época da ocupação e garantem que “as mulheres fazem agroecologia nos seus quintais desde sempre”, cuidando da terra e garantindo a produção de alimentos de forma sustentável.

O Assentamento Liberdade segue sendo uma referência na luta pela reforma agrária no Vale do Aço e Leste de Minas, com a esperança de que, nos próximos anos, novas políticas públicas possam fortalecer ainda mais os laços entre as famílias e a terra. As famílias assentadas, após 27 anos de resistência, desejam aquilo que para eles é essencial: liberdade na luta e dentro da terra, para que ainda possam celebrar muitos anos de vida. Lutar! Construir reforma agrária popular!
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Texto: Sofia Barreto – Equipe de Patrimônio Cultural, Esporte, Lazer e Educação (PCELE) – Programa Médio Rio Doce