Juiz atende reivindicação das pessoas atingidas e veta redução no valor das parcelas do PTR
Decisão foi fundamentada em direitos garantidos na PNAB e Peab e no atraso das ações de reparação, após petição do Movimento dos Atingidos por Barragens articulado com Atingidos e Atingidas das 5 Regiões

Direito das pessoas atingidas é garantido pela PNAB e Peab | Foto: Nívea Magno/MAB
A 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte concedeu liminar determinando que a Vale S.A. realize o pagamento de auxílio emergencial às pessoas atingidas da Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias. A decisão foi proferida pelo juiz Murilo Silvio de Abreu, na sexta-feira (28/03). A mineradora é a responsável pelo desastre-crime do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 2019, no município de Brumadinho.
A decisão atende a reivindicação do Movimento de Atingidas e Atingidos por Barragens (MAB) e das lideranças atingidas das cinco regiões que protocolaram, no dia 14 de março, uma ação em caráter de urgência solicitando o pagamento de auxílio emergencial, em função da abrupta redução das parcelas do Programa de Transferência de Renda (PTR) e seu encerramento anunciado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para janeiro de 2026.
Na prática, o juiz determinou que a FGV informe, em cinco dias a partir da intimação, a quantia necessária para a continuidade do pagamento do PTR nos valores correspondentes aos anteriores à redução iniciada em 28/02, considerando o prazo previsto para o encerramento do Programa (janeiro de 2026). Após manifestação da FGV, caberá à mineradora fazer o depósito judicial correspondente a 1/3 do valor indicado pela entidade, conforme trecho da decisão:
“Como o encerramento total do PTR está previsto para 2026, sob a gestão da FGV, por ora, caberá à Vale S.A. depositar em juízo o valor necessário para complementar os pagamentos, por ser ela a responsável por estarem os atingidos em tal situação, como por ela mesmo admitida, ao não recorrer da sentença que a condenou a indenizá-los.”
Tanto a ação civil pública movida pelos atingidos, quanto a decisão do juiz Murilo de Abreu, foram fundamentadas com base na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) – Lei 14.775/2023 – e na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab) – Lei 23.795/2021.
A PNAB garante o direito ao “auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes”, enquanto a Peab garante o “direito à reparação integral dos impactos socioeconômicos”.

Mobilização realizada pelas pessoas atingidas do Paraopeba no último 14 de março | Foto: Nívea Magno/MAB
Atraso nas ações de reparação foram destacadas na decisão
A luta das pessoas atingidas pela continuidade do PTR ou de um auxílio emergencial que supram suas necessidades básicas se baseia na realidade prática de que a reparação de danos decorrentes do rompimento ainda não é notável no território atingido. As pessoas ainda sofrem em seus cotidianos os danos que se agravam com o passar do tempo.
Em sua decisão, o juiz Murilo Silvio de Abreu trouxe dados que revelam o atraso das ações para reparação que estão previstas no Acordo Judicial, assinado em 2021 entre Instituições de Justiça, Governo de Minas e mineradora Vale. Entre eles estão os Projetos para a Bacia do Paraopeba (Anexo I.3) e os Projetos para Brumadinho (Anexo I.4) que tiveram seus prazos comprometidos em função da impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer pela Vale e posterior conversão dessa obrigação para as prefeituras.
Outro aspecto é o atraso nos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE). Sua execução e conclusão desses estudos “é essencial para que a população tenha ciência dos riscos à saúde a que está exposta em razão do consumo de água, vegetais e animais manejados na região afetada pelo rompimento”, apontou o juiz. Esse atraso leva ao território a sensação de insegurança e consequente inviabilização das atividades econômicas e dos costumes tradicionais.
O Anexo I.1 do Acordo foi abordado como uma lacuna que deve ser atendida para que seja viável a reparação. O anexo que prevê os Projetos de Demandas das Comunidades e Linhas de Crédito e Microcrédito ainda não foi executado no território. As atingidas ainda aguardam o início efetivo após meses de construção da Proposta Definitiva, aprovada em 2024.
Enquanto há o atraso nas iniciativas previstas no Acordo, no âmbito do Processo Judicial a proposta de Liquidação Coletiva dos Danos Individuais depende da construção de uma Matriz de Danos. Nesse ponto, o juiz destacou o intuito protelatório e anti-cooperativo da mineradora.
“A Vale vem resistindo a participar da construção de tal matriz de danos de forma cooperativa, apesar de sempre estimulada por este juízo, recorrendo de quase todas as decisões e das proferidas pelo egrégio TJMG, que sempre as mantiveram, interpondo tais recursos sempre no último dia de prazo, como forma de protelar, o máximo que pode, a construção de tal matriz de danos”, diz em trecho da decisão.
Diante desses aspectos, o juiz concluiu que “a reparação socioambiental e a reparação socioeconômica ajustadas no Acordo Judicial, além de não terem sido finalizadas, ainda estão severamente atrasadas […] vislumbra-se que a população atingida ainda não vive em condições equivalentes às precedentes ao rompimento das barragens”, apontou.

Foto: Nívea Magno/MAB
Confira as determinações da liminar:
I – Oficie-se a Fundação Getúlio Vargas para que, no prazo de 05 dias, apresente nos autos a quantia necessária para que os beneficiários do PTR continuem a receber o mesmo valor pago anteriormente à redução perpetrada em março/2025, considerando o termo final previsto para o encerramento do Programa.
II – Após, intime-se a Vale S/A para que, no prazo de 05 dias, realize o depósito judicial do valor correspondente a 1/3 do valor indicado pela Fundação Getúlio Vargas.
III – Feito o depósito, autos imediatamente conclusos.
Outras determinações
a) Dê-se vista ao Ministério Público. Prazo de 10 dias.
b) Intime-se a parte autora para, no prazo de 15 dias, aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final (art. 303, §1º, I, CPC);
c) Considerando o disposto no art. 303, §1º, II e no art. 334, ambos do CPC, intimem-se as partes para manifestarem se têm interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação.
d) Transcorrido o prazo previsto no item “c” autos conclusos.
Leia a decisão na íntegra:
Estudo da Aedas sobre o PTR apontou atrasos nas ações socioambientais
Em janeiro, a Aedas divulgou um estudo apontando a centralidade do PTR na vida dos atingidos, como fundamental para as despesas das famílias. Em contraste com a redução do PTR, foi destacada a morosidade da reparação de danos, em temas como o Plano de Recuperação Socioambiental e os Estudos de Avaliação de Risco.
Texto: Diego Cota