No Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado anualmente em 10 de dezembro, a população atingida, em conjunto com as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e a Comissão Metodológica e Finalística-CMF da Pontifícia Universidade (PUC Minas), promoveram a live: “Nós falamos, quem escuta? Direitos Humanos e as vítimas da mineração”.

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), com o objetivo de construir um consenso universal em torno dos direitos que deveriam ser reconhecidos, como uma exigência de justiça, a toda e qualquer pessoa, independentemente da diversidade cultural que distingue a humanidade.

O debate está disponível neste link:

A atividade contou com a participação do professor Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, da PUC Minas. “Temos que ter a coragem de nos opor a um Estado violador de direitos humanos como é o Estado brasileiro e como é o Estado de Minas Gerais, que foram capturados por grandes empresas mineradoras e que usam o Estado e o direito para aprovar os empreendimentos minerários mais predatórios e absurdos que promovem extinção das condições de vida e submetem as pessoas às condições mais brutais de violência, opressão e exploração”, analisou o professor Matheus

Confira depoimentos de pessoas atingidas das cinco regiões da Bacia do Paraopeba:

Eliana Marques Barros (R4 e R5)

“Nem em sonho a gente poderia imaginar que seríamos atingidos por uma barragem de rejeitos de minério. Nunca passou pela nossa cabeça. Hoje a gente perdeu muita coisa, perdemos renda, o local está muito empobrecido. As mulheres e as crianças vêm sofrendo muito.

Não temos mais a segurança de comer, de se alimentar daquele peixe. Hoje não temos segurança de tomar um copo de água. A realidade hoje é que nós tomamos lama.

A água fornecida pela Copasa é imprópria para o consumo, mesmo assim a Vale continua negando o direito à água em Cachoeira do Choro para o consumo e também para matar a sede de animais.

As crianças estão muito sofridas e feridas, crianças que estavam acostumadas ao banho de rio, que ainda não entenderam que não podem mais entrar. Não tem dimensão e continuam entrando na água e hoje ficam com a pele ferida. Não estamos só com a saúde mental prejudicada, mas também a saúde física.”

Tatiana Meneses da R4

Tiraram nossos sonhos, tiraram nossos projetos de vida. Aquela lama passou e passa em cima dos nossos projetos de vidas. A gente vive incertezas diárias.

Quando a gente pensa que a situação está melhorando é mais um golpe que os atingidos sofrem, como por exemplo esse acordo que a Vale está fazendo a portas fechadas com o Governo, sem a nossa participação, sem a gente saber o que contém ali. A gente achava que o governo estava para nos defender, tivemos a desagradável surpresa de saber que não.

Quase dois anos que a gente está falando, mas quem está disposto a nos ouvir? Quem pode nos ajudar? Cada dia que passa as pessoas estão sofrendo mais e estão mais desacreditadas. Não acreditam que possa ser feito Justiça, como não foi feito em Mariana e não está sendo feito em Brumadinho. Até quando vamos viver assim? Vamos deixar como está? E qual será a próxima tragédia-crime que a Vale vai cometer no estado ou no nosso país?

É revoltante ver uma empresa do tamanho da Vale, com o patrimônio da Vale, negar o direito a um auxílio emergencial para uma mãe ou pai de família que tirava seu sustento do rio. E ainda querer sair de boazinha que a reparação é ela que tem que fazer ou que ela está fazendo. Reparação ela está fazendo para ela mesmo, por que pra gente, não estamos vendo nada.”

Patricia Passarela da R3

“A mineradora Vale vem fazendo todo tipo de atropelo, vem cooptando as pessoas, jogando uns contra os outros, é um território de guerra. E o Estado que tinha obrigação de nos defender, ele quer simplesmente quer nos leiloar.

É isso que ele está fazendo: leiloando nossos direitos, sem a nossa participação. Sem ouvir, ou pelo menos conhecer o território. Porque ele não conhece o território e a situação de cada atingido.

Nas comunidades a gente está passando necessidade extrema, de fome mesmo. Acabou-se o turismo, o meio de sobrevivência, o lazer, a paz e o sossego. A maioria da comunidade Taquaras comprou seu pedacinho de chão achando que era o seu pedaço de céu e hoje é o pedacinho do inferno.”

Joelisia Feitosa da R2

Esse acordo entre Estado e Vale, mais uma vez os atingidos estão de fora, não sabemos ainda o conteúdo total. Mas já sabemos que é um valor bem aquém do necessário. Achamos isso uma grande falta de respeito com o sofrimento da população atingida que está sendo ignorada para resolver o problema de balanço da Vale. Porque a Vale precisa pagar os seus acionistas, bilhões e bilhões, em cima do sofrimento, da fome e da miséria e da falta de saúde física e mental da população.

E o Estado, na sua incapacidade de resolver seus problemas financeiros, vem usar da morte, do sofrimento, da angústia, da população pobre e atingida, para resolver o seu problema econômico, para organizar uma campanha política no ano que vem, para ficar bem politicamente, prejudicando imensamente a população atingidos. Estamos atentos e vamos lutar com todas as nossas forças e energias, para que esse acordo só se dê se for para atender os interesses da população atingida.

O valor não pode ser menos do que o necessário para atender os danos e as perdas do Estado e dos atingidos que têm que ter a centralidade desse processo. Temos condições de realizar propostas efetivas. Ninguém melhor que os atingidos para saber o que realmente nós precisamos e para isso temos a assistência das assessorias técnicas, a qual nós recorremos para nos ajudar.

Fernanda Perdigão da R1

“A sociedade mineira também tem que ecoar o grito dos atingidos. No Dia dos Direitos Humanos, gostaríamos de estar comemorando essa data, tendo quebrado o termo de confidencialidade, coisa que não ocorreu na audiência de quarta (9).

Fomos mais uma vez marginalizados e deixados do lado de fora. Enquanto todos, numa mesa redonda, decidiam sobre a existência da vida de todas as comunidades afetadas pelo crime de Brumadinho e que se estende até Três Marias. Temos que conviver com a mentira da empresa que nos causou o dano, ao falar que o Rio Paraopeba não está contaminado, que a poeira não está contaminada com metais pesados…

A Justiça não chegou em Mariana após 5 anos, em Brumadinho caminhando para os dois anos, continua distante da realidade que precisamos para vida, para sobrevivência de um rio, de ribeirinhos, indígenas, quilombolas e comunidades rurais.

A sociedade mineira tem que ser enxergar como atingida pela mineração ou Minas será uma cava aberta sem uma gota de água potável com o Estado negociando a cada rompimento.”

Alexandra, da Avabrum

A Vale marcou nossas vidas da pior maneira possível. Perdi mais de 70 amigos, sou nascida em Brumadinho, perdi meu irmão. É uma coisa que a gente não vai esquecer. Além de levar nossos familiares, deixou nossos familiares doentes.

A Vale viola nosso direito quando ela não aceita pagar um plano de saúde, por um tempo, para os irmãos. Para os pais elas aceitaram, mas só mediante um pedido da Avabrum. Ela viola também o direito de 11 famílias de enterrar seus familiares. Tivemos que velar nossos parentes com caixão fechado, com tempo cronometrado.

O acordo emergencial paga 50% para alguns familiares e 100% para outros. O critério é que fizesse parte de um programa social da Vale. E nós sofremos com tudo que aconteceu no dia 25 e às vezes ameniza em um dia, outro dia volta mais forte.

Muitos fazem acompanhamento psicológico e psiquiátrico, tomam medicações. Pra gente tem sido muito difícil. A questão da indenização também. Somos julgados pela comunidade em função da indenização, mas quem dera que a gente tivesse os nossos familiares aqui.