Após seis anos, era esperado que houvesse avanços na recuperação socioambiental. No entanto, essa não é a realidade observada nos territórios atingidos

Foto: Reprodução / Aedas
No dia 25 de janeiro de 2025, completaram-se seis anos do desastre crime em Brumadinho. Foram mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeito despejados no Ribeirão Ferro Carvão e espalhados ao longo da bacia do rio Paraopeba. Após 6 anos era esperado que houvesse avanços significativos na recuperação socioambiental dos locais contaminados. No entanto, infelizmente, não é o que se observa nos territórios atingidos.
Dentre as obrigações acordadas pela Vale S.A. e pelos Compromitentes no Acordo Judicial de 2021 estão os Programas de Reparação Socioambiental. O processo de reparação socioambiental é orientado pelo Anexo II e define ações como a dragagem e o manejo dos rejeitos, que estão nas calhas dos cursos d’água; os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico e monitoramento da qualidade das águas, sedimentos e do ar.
Em relação à dragagem do rio Paraopeba a Vale S.A. ainda não apresentou um planejamento detalhado da atividade. É importante ressaltar que são recorrentes os apontamentos feitos pela Aecom, empresa responsável pela auditoria dos projetos de reparação socioambiental, quanto à ineficácia da operação, sobre problemas técnicos e de planejamento – como o rompimento da tubulação de recalque, que paralisou a dragagem por 12 dias e afetou uma área em Alberto Flores, Brumadinho.
Em outubro de 2024, moradores da Região 2 da Bacia do Paraopeba relataram a ocorrência de centenas de peixes mortos às margens do Rio Paraopeba, na divisa entre Betim, Juatuba e São Joaquim de Bicas. Os peixes foram coletados e analisados pela Vale S.A., que afirmou, na “carta diretoria de reparação nº C.EXT.0002/2025”, em resposta a solicitação de esclarecimentos por parte da Comissão de Atingidos e Atingidas da Região 2, que o estágio avançado de decomposição impossibilitou determinar a causa das mortes e realizar análises de bioacumulação para identificar metais.
O Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) segue a mesma tendência. A finalização da primeira fase está prevista para 2025, período em que deveria ser concluído o estudo como um todo. O Grupo EPA, empresa responsável pela execução da fase 1 dos Estudos de Avaliação de Risco na área atingida pelo rompimento da barragem, tem sido alvo de diversas críticas por parte das pessoas atingidas, dos órgãos do estado e da própria auditoria, no que diz respeito à sua execução. Além disso, ainda não há informações concretas sobre como a população atingida poderá participar na escolha da instituição que assumirá a realização dos estudos na segunda fase, que deverá coletar amostras de solo, sedimentos, água, poeira, plantas e alimentos para investigação detalhada do meio ambiente.
Ademais, Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) têm seus direitos à participação e à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé violados na condução da reparação socioambiental. Algumas comunidades entre os PCTs não foram incluídas nas fases dos Estudos, enquanto outras estão sendo excluídas, mesmo estando na lista de referência, sem que haja respostas precisas por parte do Grupo EPA e da Aecom sobre o que de fato está ocorrendo, ainda que seja uma demanda frequente das comunidades atingidas.
Os resultados do monitoramento da qualidade do ar nas estações localizadas no Parque da Cachoeira, próximo ao depósito de rejeitos (DTR-10), em propriedades da Vale S.A., e no Córrego do Feijão, apresentaram queda na qualidade do ar, onde foi classificada como muito ruim de acordo com a Aecom na reunião de outubro de 2024. Segundo a Vale S.A., tal fato ocorreu por causa das queimadas nas proximidades. Porém, acende um alerta em relação à contaminação do ar, uma vez que as análises realizadas abrangem apenas a quantidade de partículas totais e inaláveis presentes no ar, sem incluir a quantificação de metais, como ferro, cobre, níquel, manganês, arsênio, antimônio e outros.
Outro elemento de constante preocupação para as comunidades atingidas é o acesso à água. Os rejeitos liberados com o rompimento comprometeram a qualidade e a disponibilidade da água nas regiões atingidas, tornando-a imprópria para consumo humano, irrigação e uso animal, além de intensificar os riscos sanitários associados ao desiquilíbrio ambiental. A interrupção no abastecimento de água potável, combinada com a dificuldade de acesso a fontes seguras, impactou diretamente a segurança hídrica e alimentar, resultando em danos significativos à saúde, à renda e às atividades de lazer e os modos de vida das comunidades atingidas. Ademais, o atraso na dragagem dos rejeitos amplia os danos causados pelas enchentes nas áreas atingidas, tornando o período de chuvas uma época ainda mais preocupante e estressante para as famílias atingidas que vivem próximas ao curso do rio, o que pode agravar, ainda, danos à saúde mental.
Somam-se a essa preocupação os diversos relatos de agravos e surgimento de doenças respiratórias e de pele, que são denunciadas sistematicamente pelas pessoas atingidas às equipes técnicas da Aedas. Essas e outras preocupações em relação à saúde continuam sem respostas ou perspectiva de serem respondidas para as pessoas atingidas e sociedade em geral. A falta de programas educativos e de conscientização sobre os riscos da contaminação agrava ainda mais a situação, deixando a população desamparada.
Apesar das narrativas divulgadas pela Vale S.A. em seus estudos e monitoramentos, que frequentemente minimizam os riscos associados ao rompimento da barragem em Brumadinho, a realidade da população atingida ao longo do Rio Paraopeba aponta para um cenário delicado de exposição contínua a metais pesados. Esses contaminantes, presentes no ar, na água, no solo, nos peixes e nos alimentos, representam uma ameaça à saúde humana, que podem gerar danos à saúde tanto a curto quanto a longo prazo. Estudos independentes, das assessorias técnicas, do Ministério da Saúde, da perícia judicial (UFMG) e de órgãos municipais e estaduais, assim como relatos da população atingida têm evidenciado sintomas e condições de saúde que podem estar diretamente relacionados à exposição a substâncias tóxicas, reforçando a necessidade de monitoramento mais rigoroso e de ações efetivas que priorizem a saúde coletiva e a reparação integral dos danos causados.
Passados 6 anos do rompimento, a insuficiência dos serviços de saúde para diagnosticar e tratar os agravos de saúde da população atingida, somada à demora na implementação de medidas de reparação ambiental e social, perpetua o sofrimento das comunidades atingidas, mantendo um ciclo de adoecimento físico, psicológico e social que reforça a vulnerabilidade dessas populações. Diante dessa complexa realidade, atingidos e atingidas seguem em luta por uma reparação socioambiental justa e integral, que propicie a qualidade de vida e o bem-estar social durante e após o processo reparatório, que segue com um cronograma com ações previstas até o ano de 2030.
O mapa abaixo demonstra a dimensão dos impactos causados pelo rompimento nas comunidades atingidas.

As obras de reparação e intervenções realizadas pela Vale apresentam um paradoxo: embora visem reparar os danos, frequentemente geram novos problemas, como por exemplo o fluxo intenso de caminhões, que aumenta a poeira, desencadeando problemas respiratórios e danos às moradias. A área de dragagem, pequena em relação à extensão da mancha de rejeitos, ainda apresenta atrasos no cronograma. Além disso, o buffer de 1 km é frequentemente ultrapassado com enchentes durante o período chuvoso, gerando problemas não previstos ou contemplados no acordo judicial.
Outro aspecto preocupante é a proximidade de outras barragens com risco de rompimento, algumas das quais possuem Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) e gera apreensão na população do território. A necessidade de participar de testes de emergência, somada ao medo constante de novos rompimentos, contribui para a revitimização de comunidades já atingidas pelo desastre crime ocorrido em 25 de janeiro de 2019.
Glossário
1. Dragagem: processo de remoção de materiais do fundo de corpos d’água, como rios, lagos, portos ou canais. Utiliza-se equipamentos especializados para escavar sedimentos, areia, lama ou outros materiais depositados. Nesse caso, trata-se de remoção dos rejeitos de minério que escoaram para o rio devido ao rompimento da barragem.
2. Manejo de rejeitos: conjunto de práticas e técnicas utilizadas para tratamento de resíduos gerados em processos industriais, minerários ou agrícolas. Nesse caso, trata-se do gerenciamento dos rejeitos coletados a partir da dragagem dos rejeitos.
3. Buffer: área de abrangência de ações ao redor da área atingida pela deposição do rejeito
Pagar não é reparar
Quando a Vale S.A. enfatiza números absolutamente expressivos e considera que apenas o depósito dos valores acordados ou estipulados pela justiça evidenciaria uma reparação adequada, gera uma percepção distorcida de que todas as obrigações de reparação estão sendo plenamente cumpridas de forma satisfatória e de modo a reabilitar a vida das pessoas atingidas em seus territórios.
Por exemplo, a empresa afirmou que desembolsou 75% dos valores previstos para o Acordo Judicial. No entanto, é importante dizer que os pagamentos já realizados representam apenas uma parcela das obrigações de reparação, uma vez que o Acordo Judicial tratou de parte da reparação dos danos coletivos. Dessa forma, existem danos que ainda não foram quantificados e qualificados, como os danos individuais homogêneos, os danos supervenientes e os danos ambientais.
Embora o pagamento pela obrigação assumida com o acordo judicial represente um marco relacionado a obrigações financeiras, não demonstra que a reparação foi concretizada de fato nas comunidades e na vida das pessoas.
Considera-se que uma reparação integral deve ir além do repasse de valores monetários, exigindo a implementação de medidas que restituam os direitos violados em sua totalidade. Isso inclui o compromisso com a reparação ambiental, a recuperação do rio e dos solos contaminados, o fortalecimento da saúde física e mental das pessoas atingidas, dentre muitos outros danos também individuais causados. Contudo, o que se vê na prática são os relatos de aprofundamento da situação de vulnerabilidade das pessoas atingidas que buscam reconstruir suas vidas nos últimos anos.
Segundo o artigo 5º da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), a Vale S.A. tem o dever de reparar integralmente todos os danos decorrentes do desastre-crime e de arcar com todos os custos para a implementação do Plano de Direitos para as pessoas e comunidades atingidas por barragens.
Conforme números também divulgados pela própria empresa, 14,3 mil pessoas foram indenizadas ao longo dos seis anos, no entanto o número de pessoas que sofreram danos é significativamente maior: se tivermos por base mínima o atendimento do Programa de Transferência de Renda, chegaremos a pelo menos 153 mil pessoas que foram atingidas. Isso equivale a 11 vezes mais pessoas do que aquelas que receberam indenizações individuais, revelando que o alcance dos pagamentos, bem como os valores pagos, estão longe de representar uma reparação justa e satisfatória
Por fim, é fundamental reconhecer que os direitos assegurados no processo de reparação são fruto da organização, luta e mobilização das pessoas atingidas em busca de dignidade e justiça. Reforça-se a importância de garantir a participação direta dessas pessoas em todas as etapas do processo reparatório. Soma-se a isso o direito às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), ferramentas indispensáveis nos processos de participação informada da população atingida, bem como no em garantir a centralidade do sofrimento da vítima, enquanto princípio básico e fundamental para a construção de qualquer processo. É urgente encontrar soluções para assegurar que todos os direitos, em todas as suas dimensões, que não foram abarcados pelo acordo judicial de fevereiro de 2021 sejam integralmente reparados.
Confira abaixo os mapas na íntegra
Texto: Equipe Marcadores Sociais da Diferença – Frente Saúde e Socioambiental