Aedas entrevista | Instituto Guaicuy comenta sobre insatisfações das regiões 4 e 5 frente ao acordo
A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) está fazendo uma série de entrevistas com as partes interessadas no acordo que vem sendo discutido entre a poluidora Vale e o Governo do Estado de Minas Gerais, com próxima audiência marcada para o dia 9 de dezembro. Até lá, as assessorias técnicas reafirmam, junto às pessoas atingidas das cinco regiões, que não concordam com a confidencialidade que o acordo está submetido, e que querem mais participação durante o processo.
Em entrevista, Carla Wstane, coordenadora técnica do Instituto Guaicuy, Assessoria Técnica Independente (ATI) que atua nas regiões 4 (Pompéu e Curvelo) e 5 (São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas, Biquinhas, Paineiras, Martinho Campos, Abaeté e Três Marias), falou sobre a violação de direitos fundamentais na Bacia do Paraopeba, como a água do rio contaminada por rejeitos do rompimento e ainda sobre a insatisfação dos moradores e moradoras dessas regiões. Os atingidos e atingidas da região 5, por exemplo, até hoje não recebem o auxílio emergencial.

Repórter Aedas: Nós queríamos dialogar um pouco mais sobre o acordo que vem sendo discutido entre a mineradora Vale e o Governo do Estado. Por que essa negociação, como vem ocorrendo, não é aceita pelas pessoas atingidas e tem gerado tantas manifestações contrárias?
Carla Wstane: É preciso que a sociedade, o governo e a Vale entendam que as pessoas atingidas não são contra um acordo justo e que defenda o interesse público. Mas são contra um mau acordo, um acordo que não contemple as necessidades urgentes das pessoas que foram atingidas. E pela forma como a negociação aconteceu até agora, a portas fechadas, a questão do sigilo e da confidencialidade, sem transparência e nem participação das pessoas afetadas, dá-se a entender que o acordo pode não ser bom para as comunidades e pessoas atingidas. Se o acordo vai decidir sobre a vida e o futuro da reparação integral, por que as pessoas atingidas não podem participar? É lamentável que até agora, elas sequer tiveram acesso aos termos do acordo.
Repórter Aedas: O que as pessoas atingidas reivindicam em relação a esse acordo nas regiões 4 e 5?
Carla Wstane: As pessoas atingidas das áreas 4 e 5, região do baixo Paraopeba e do entorno de Três Marias (pescadores, ribeirinhos, comerciantes, sitiantes, piscicultores e outros) têm muitas dúvidas sobre esse acordo e reivindicam a participação efetiva nas discussões que envolvam a reparação dos danos causados pelo desastre sociotecnológico da Vale; elas querem antes de mais nada a recuperação do rio, sua fonte de sustento, sua razão de estarem vivendo onde escolheram para viver; as pessoas atingidas querem receber o passivo do emergencial e querem a ampliação para aqueles que não receberam e que tiveram seu meio de vida e de sobrevivência afetados; elas querem que os projetos sociais e estruturais sejam desenvolvidos com a participação e voto das pessoas atingidas; que priorizem as questões locais; elas querem que os valores desse acordo sejam mantidos como nos pedidos realizados pelas Instituições de Justiça. As pessoas atingidas querem, além disso, justiça na bacia do rio Paraopeba
Repórter Aedas: Qual a posição do Guaicuy sobre o Programa de Direito à Renda?
Carla Wstane: As Assessorias Técnicas Independentes construíram junto com as comunidades atingidas, propostas para novos critérios para o pagamento emergencial. Apontamos os danos ecossistêmicos no rompimento da barragem da Vale, ou seja, não só Brumadinho foi atingida, mas toda a extensão do Paraopeba, até a represa de Três Marias. As pessoas da área 5, que moram no entorno do lago de Três Marias até hoje não têm direito a receber o pagamento emergencial, apesar de suas vidas terem sido radicalmente alteradas com o rompimento da barragem.
Então, construímos essa proposta para que todas as pessoas que tiveram sua renda afetada a partir do rompimento da barragem da Vale tenham direito a receber auxílio econômico. Esse é um ponto que acreditamos que deve ser considerado no Programa de Direito à Renda, incluindo todas as pessoas atingidas e dialogando com os critérios socioeconômicos que foram construídos pelas comunidades com suas Assessorias
Repórter Aedas: Como monitorar a reparação do meio ambiente na Bacia do Paraopeba, com danos tão complexos como o da água?
Carla Wstane: Uma das principais questões que a gente escuta das comunidades nas nossas regiões de atuação é em relação à insegurança da qualidade da água e se o peixe está ou não contaminado. Essa dúvida já foi o suficiente para impactar diretamente a renda de muitas famílias que deixaram de vender peixe, que trabalhavam com a dimensão do turismo e que agora diminuiu muito. Então, entender quais foram os impactos do rompimento da barragem é algo essencial e deve ser feito de forma transparente, com as pessoas atingidas e as assessorias técnicas podendo acessar análises, acompanhar atividades e resultados.
Mas isso leva um tempo. Um tempo técnico, porque é necessário fazer análises em diferentes períodos, em diferentes locais e considerando as particularidades ambientais de cada contexto e suas alterações ao longo do tempo. Outro tempo é político, que é de diálogo com as comunidades para o entendimento real dos impactos e de suas consequências para os modos de vida e as diferentes realidades.
Para poder monitorar a reparação do meio ambiente, precisamos primeiro entender quais foram os impactos. E, nós defendemos, que tanto a avaliação dos impactos quanto o monitoramento, devem ser feitos sempre seguindo esse diálogo com as comunidades. Dando a elas informações relevantes para a própria vida.
Repórter Aedas: Obrigada pela disponibilidade em conversar conosco Carla. É muito importante essa articulação conjunta de toda a Bacia do Paraopeba.
Carla Wstane: Agradeço ao espaço da fala; ressalto que um dos papéis fundamentais das assessorias técnicas é evidenciar as manifestações dos atingidos e das atingidas. Cada vez mais é preciso mostrar como as pessoas atingidas estão tendo seus direitos violados; como a Vale e o Estado estão lidando com esse processo de forma a leiloar a reparação integral a toque de caixa e sem participação dos reais sujeitos de direito. Em nome do Instituto Guaicuy eu cumprimento as pessoas atingidas que nos lêem e para as quais buscamos garantir a participação informada na reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale. Obrigada!