A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) está fazendo uma série de entrevistas sobre o possível acordo que vem sendo discutido entre a Vale e o Governo do Estado de Minas Gerais, com próxima audiência marcada para o dia 9 de dezembro.

Até lá, as assessorias técnicas reafirmam, junto às pessoas atingidas das cinco regiões, que não concordam com a confidencialidade a que o acordo está submetido, e que querem mais participação. Em entrevista, Luiz Otávio Ribas, coordenador geral da Aedas na região 2 (São Joaquim de Bicas, Betim, Igarapé, Juatuba e Mário Campos), fala sobre a obrigação e necessidade da participação informada durante todo o processo da reparação integral. Veja a entrevista:

Repórter Aedas: A não participação informada dentro do acordo fere os direitos humanos, principalmente o princípio da centralidade do sofrimento da vítima? Fale um pouco sobre isso.

Luiz Otávio Ribas: De acordo com normas do direito internacional dos direitos humanos, as pessoas atingidas por um desastre desta proporção precisam ser consultadas sobre como a reparação deve ocorrer, especialmente as comunidades tradicionais, como as comunidades quilombolas, por exemplo. A consulta prévia é uma condição para a validade deste processo. Houve alguns julgamentos na América Latina que determinaram a obrigatoriedade da consulta às pessoas atingidas, levando em conta o princípio da centralidade do sofrimento da vítima, isto é, as pessoas atingidas precisam ser protagonistas do processo de reparação integral, total. Assim, a não informação sobre termos de um possível acordo, impede uma participação efetiva, violando esse direito humano. Além disso, é importante dizer que esse princípio já foi reconhecido dentro das ações coletivas movidas contra a Vale nesse processo de reparação.

Repórter Aedas: Da experiência que a assessoria tem, até agora, nos espaços participativos, como as/os atingidos/as deveriam participar do acordo?

Luiz Otávio Ribas: O Governo de Minas Gerais precisa respeitar as leis e garantir a consulta às pessoas atingidas, como uma condição para que qualquer acordo feito tenha efetividade e não seja descumprido. Envolver as pessoas atingidas na participação implica em criar espaços de participação na tomada de decisões sobre o acordo, sobre a gestão do orçamento da reparação e no monitoramento das medidas adotadas. Para que esses espaços ocorram, é preciso que a população tenha plena ciência dos termos do acordo, e das consequências desse possível acordo. Isto tudo precisa ser feito com tempo, para que o maior número possível de pessoas possa expressam suas opiniões e construir consensos, num processo democrático e efetivo de consulta à população atingida. As assessorias técnicas podem contribuir com os espaços participativos já existentes, como os grupos de atingidos e atingidas, as reuniões das comissões da bacia do Paraopeba, entre outros espaços que podem ser criados especialmente para o debate de um acordo.

Repórter Aedas: Como a Aedas compreende o processo coletivo e o processo individual a partir do que vem sendo desenhado no acordo?

Luiz Otávio Ribas: Quando as assessorias foram convidadas pelo Governo de Minas para conhecer sua proposta de acordo, no mês de novembro, foi garantido que não haveria definição sobre as indenizações individuais. Uma das funções das assessorias técnicas é consultar as pessoas atingidas para criação de parâmetros comuns nas indenizações em toda a bacia do Paraopeba, para que estas indenizações individuais possam ser exigidas pelos atingidos com mais justiça e igualdade, em que as pessoas que estão em situações parecidas recebam valores iguais ou próximos. Não é justo que você receba um valor e seu vizinho outro, se estão na mesma condição. A força para garantir indenizações individuais justas está na negociação coletiva, fruto de um amplo processo participativo, que envolva o maior número de pessoas atingidas.

Repórter Aedas: O acordo surge a partir da necessidade de uma decisão saneadora. O que a Aedas acredita que já está pronto para ser decidido até aqui?

Luiz Otávio Ribas: É difícil pensar em novas decisões quando o que já foi decidido ainda precisa de efetividade. Por exemplo, o pagamento emergencial precisa continuar sendo pago, ou alguma medida equivalente, para que as pessoas atingidas que estão mais necessitadas continuem recebendo uma renda básica mensal. Outro exemplo é sobre o fornecimento de água para beber e para a produção. Já foi decidido em 2019 a obrigatoriedade do fornecimento pela Vale e agora as pessoas atingidas precisam que a Justiça defina critérios para contemplar as pessoas que estão sem água na pandemia.