“Os atingidos estão de fora desse processo”. Essa foi a principal questão levantada por pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho durante uma transmissão ao vivo realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para debater sobre a possibilidade de acordo que vem sendo discutida judicialmente entre o governo do Estado de Minas Gerais, as Instituições de Justiça e a mineradora Vale S/A. A live aconteceu na noite da última quinta-feira (26), e a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) foi convidada para participar do encontro, bem como as demais Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) atuantes nas regiões da Bacia do Paraopeba.

A discussão foi iniciada por Joceli Andrioli, do MAB, que afirmou que o acordo proposto trata de “um dano moral coletivo e social”. “O MAB não é contra um acordo, desde que seja justo. Isto é, sem um valor rebaixado e com a garantia da participação do povo. Não tem essa de sigilo, muito menos de confidencialidade. É um assunto de interesse público”, frisou. Joceli lembrou, ainda, que foi a mobilização realizada pelas famílias atingidas durante a última audiência judicial, que pressionou para que o acordo não fosse assinado. No dia 17 de novembro, centenas de pessoas foram à porta do TJMG protestar por mais participação e informação a respeito das negociações do acordo em questão. A Aedas esteve acompanhando a manifestação junto às famílias, prestando assessoria.

Além do acordo, a live também teve o objetivo de discutir sobre o Programa de Direito à Renda proposto pelo MAB para promover a reparação dos danos ocasionados pelo rompimento. A iniciativa está focada na população de baixa renda e visa garantir a continuidade do pagamento emergencial integral para os atingidos e as atingidas pelos próximos cinco anos e o aumento da abrangência ao longo da bacia do Rio Paraopeba. Com isso, se espera garantir a dignidade das famílias atingidas e fortalecer a economia local.

Participação dos Atingidos

Após a introdução do tema, foram convidados ao debate pessoas atingidas das cinco regiões da Bacia do Paraopeba. A primeira a falar foi Nathalia Santos, moradora de Brumadinho, da Região 1, que enfatizou a falta de informação a respeito do que está sendo negociado e qual o destino terá o dinheiro pago pela Vale caso o acordo seja assinado. “Nós, atingidos, fomos surpreendidos com esse acordo, que não tem nossa participação, não consta nossa opinião, mas que decide nosso futuro”, protestou.

Em seguida, Thomas Nedson, morador de Betim, falou enquanto representação da Região 2. Thomas criticou o fato do acordo estar sendo coordenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e não pelo juiz Elton Pupo Nogueira, da 2ª Vara da Fazenda Estadual de Belo Horizonte, que acompanha o processo desde o início. Representando a Região 3, Patrícia Passarela, de Esmeralda, falou sobre as dificuldades que algumas famílias estão tendo para acessar o pagamento emergencial e denunciou o desabastecimento de água.

Em relação ao acordo, Patrícia falou que todos estão se sentindo “traídos” pelo poder público: “A gente pede, em nome de todos os atingidos, que os Direitos Humanos olhem por nós. Se existe a Justiça, que ela seja feita”. Concordando com os demais debatedores, Tatiane Menezes, de Pompéu (Região 4), falou que o sentimento comum é de estar sendo “vendido pelo Estado”. “Esse acordo veio só para trazer mais insegurança para todos”, lamentou. Último atingido a falar, Ormindo de Britto, de Felixlândia, Região 5, frisou que as famílias se sentem desrespeitadas pela forma como esse processo tem sido conduzido.

Através dos comentários, centenas de atingidos participaram da discussão denunciando falta de água, atrasos no pagamento emergencial, abusos econômicos, tentativas do governo do Estado de promover uma participação individual com o intuito de legitimar o processo, danos ao rio Paraopeba, a necessidade de união de todos os atingidos para enfrentar esses problemas, entre outras questões.

ATIs contribuem com o debate

Após os moradores representantes das regiões afetadas, foram convidadas a falar as três ATIs: Aedas (Regiões 1 e 2), Nacab (Região) e Instituto Guaicuy (Regiões 4 e 5). O coordenador estadual da Aedas Luis Shikasho iniciou sua apresentação falando que as ATIs também foram surpreendidas com o acordo anunciado em audiência judicial e que a participação dos atingidos está prevista, mas não está sendo efetivada, uma vez que não há direito à fala e nem acesso às informações do acordo por causa da confidencialidade, o que violaria os direitos dessas famílias. “Se não há acesso irrestrito à informação, não há que se falar em participação. As restrições ao acesso à informação e participação constituem historicamente nos primeiros direitos humanos sistematicamente violados cometidos sobre as populações atingidas por barragens ”, frisou.

Shikasho reforçou, ainda, que não é possível construir uma participação informada a respeito desse processo, uma vez que não há tempo hábil até a próxima audiência, que acontece em 9 de dezembro. No entanto, vai haver um esforço das ATIs em dialogar o máximo possível com todos os atingidos, para trabalhar as questões do acordo e construir um manifesto com linhas gerais, aliado a uma proposta dos atingidos. ”Os atingidos reivindicam tempo para construir seu entendimento e leitura sobre o acordo”, finalizou.

Em seguida, a coordenadora técnica do Instituto Guaicuy Carla Wstane apontou que as informações a respeito do acordo conhecidas pelas ATIs são as mesmas que as pessoas atingidas possuem e que existem temas que precisam ser aprofundados e debatidos com as comunidades. Neste sentido, foram criados cinco grupos de trabalho de assuntos a serem discutidos entre as assessorias técnicas e as famílias atingidas, são eles: Jurídico, Governança, Renda Emergencial, Fundo Paraopeba (valores para projetos socioeconômicos de iniciativas dos atingidos e políticas públicas) e Água, saúde e meio ambiente. Flávio Bastos, do Nacab, reforçou que é preciso denunciar nos meios de comunicação a forma como o acordo está sendo conduzido.

Também representando a Aedas, Luiz Ribas, coordenador da Região 2, lembrou que, paralelo a esse debate, muitas famílias têm enfrentado, também, problemas no abastecimento de água, seja por falta ou por má qualidade. Ribas lembrou que a Vale é judicialmente obrigada a fornecer água a todas as famílias atingidas e que as ATIs acompanharam visitas realizadas às residências para levantar as questões problemáticas que os territórios estão enfrentando. Ainda sobre esse assunto, Luiz Ribas falou que já existe um relatório realizado pelas assessorias em parceria com a PUC Minas em que são apontadas as questões emergenciais sobre a água e há, ainda, um documento que está sendo preparado junto às Instituições de Justiça (IJs) denunciando tais problemas.

Em relação ao Programa de Direito a Renda, as ATIs apontaram que foram levantados em todas as regiões os novos critérios adotados para a continuidade do pagamento emergencial e que o programa proposto pelo MAB dialoga com esses dados levantados. Além disso, foi frisado que deve haver tempo hábil para levantamento populacional e inclusão posterior de novas famílias. Também foi falado que é necessário garantir a gestão e cadastro por instituição idônea e independente, com controle social, de modo a não ser controlado pela Vale ou pelo Poder Público.