Mesmo com avanços em 2023, comunidades atingidas relatam enfrentar dificuldades com a documentação para cadastramento no Programa.

Foto: Reprodução / Aedas

A Comunidade de Santa Ana, localizada no município de Igarapé, comemorou em agosto de 2023 uma importante vitória em sua luta para ser incluída no Programa de Transferência de Renda (PTR). A conquista foi alcançada após uma mudança no critério territorial do Programa, que passou a contemplar também as comunidades situadas parcialmente na distância de 1km da margem do Rio Paraopeba.

Inicialmente, nos estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a comunidade de Santa Ana foi excluída do Programa, pois estaria, segundo a FGV, fora da faixa de 1km do Rio Paraopeba. No entanto, a comunidade, com apoio da Aedas, contestou a metodologia aplicada e apresentou novas evidências para inclusão da comunidade no PTR o que resultou em uma mudança da análise territorial e levou a FGV a revisar sua metodologia. 

Com essa nova abordagem, foi confirmado que parte da comunidade de Santa Ana está dentro da faixa de 1km, critério essencial para acesso do PTR. Essa revisão, motivada pelo pleito de Santa Ana, também possibilitou a inclusão de outras comunidades da Região 2, que anteriormente haviam sido excluídas do PTR.

Relembre o caso:

Novas Poligonais: Comunidades de Santa Ana e Boa Esperança serão atendidas pelo PTR | Brumadinho – PTR (fgv.br)  

Instituições de Justiça aprovam dez novas poligonais na Região 2 | Brumadinho – PTR). 

O pleito e a conquista coletiva 

A ampliação dos critérios do PTR, em relação ao antigo Pagamento Emergencial, é uma resposta às demandas das comunidades atingidas, que continuam a lutar por reconhecimento e reparação justa dos danos do desastre. Para a população de Santa Ana, a inclusão no PTR representa uma garantia de direitos em meio às dificuldades impostas pela perda do rio e os danos causados ao modo de vida local. 

A inclusão de Santa Ana é uma demonstração de que a mobilização coletiva e o apoio técnico de assessorias independentes podem gerar mudanças significativas na luta por justiça e reparação. No entanto, passado um ano dessa conquista, muitos moradores e moradoras ainda enfrentam sérias dificuldades para acessar o benefício. 

Foto: Reprodução / Aedas

Problemas atuais para acesso ao PTR 

Um dos principais obstáculos enfrentados pela comunidade diz respeito à dificuldade de comprovar a residência no território atingido. Muitas pessoas de Santa Ana, assim como das comunidades vizinhas Brejo e Bervely, têm problemas para apresentar os tipos de comprovantes aceitos pela FGV. Isso inclui moradores e moradoras que sempre viveram nas comunidades antes do rompimento da barragem, mas que não possuem a documentação necessária. Essa situação gera indignação, uma vez que essas pessoas, mesmo tendo direito ao PTR, podem ser excluídas simplesmente por não terem os comprovantes exigidos. 

O Edital de Chamamento Público do PTR, em seu item 3.12, destaca que é função da FGV “diligenciar para que as pessoas elegíveis pelos critérios do PTR não fiquem excluídas” e que a fundação deve “buscar alcançar o suporte comprobatório necessário para viabilizar o acesso ao cadastro e ao pagamento”. No entanto, a realidade encontrada pelos moradores indica que essa diligência ainda é insuficiente. 

Inconsistência Documental

Outro fator que complica a situação é a alteração dos nomes das ruas de Igarapé pela Prefeitura após o rompimento da barragem. Muitas pessoas têm comprovantes de endereço com os nomes antigos, o que gera demora na análise dos cadastros e, em alguns casos, até mesmo negativas. Além disso, há o problema da não aceitação de um mesmo comprovante de endereço para diferentes membros do mesmo núcleo familiar. Isso significa que um núcleo familiar que apresenta o mesmo comprovante, juntamente com certidões, pode ter alguns cadastros aprovados enquanto outros são negados ou marcados como tendo “inconsistência documental”. 

Por fim, a revisão de cadastros negada para os atingidos que se enquadram nos critérios do antigo Pagamento Emergencial (PE) também é uma preocupação. Muitas pessoas dentro do critério territorial do PE não conseguiram reverter suas situações, ficando sem acesso aos benefícios que têm direito. 

A comunidade clama por uma atuação mais proativa da FGV, para garantir que a população atingida tenha acesso igualitário ao PTR. É essencial que as particularidades de cada comunidade sejam respeitadas e que soluções efetivas sejam implementadas, de modo a assegurar que todos que vivem na região e que foram atingidos pela tragédia tenham a chance de reconstruir suas vidas com dignidade. 

Reunião com a FGV 

Em setembro, a pedido das Comissões de Santa Ana, Brejo e Bervely, com apoio da Aedas, foi realizada uma reunião presencial com a FGV em Igarapé. Durante a atividade, atingidos e atingidas tiveram a oportunidade de expor os principais problemas coletivos que as três comunidades enfrentam para acessar o PTR, mesmo estando dentro do critério territorial.  

A principal pauta debatida foi com relação à dificuldade enfrentada pelas pessoas atingidas para comprovarem o endereço que moravam na época do rompimento da barragem. Maria Goret, moradora da comunidade de Santa Ana, pontuou a grande dificuldade das pessoas para serem aprovadas no PTR, mesmo estando inseridas no critério territorial. “Muitos atingidos daqui de Santa Ana, do Brejo e de Bervely têm dificuldade para comprovar o endereço e, por causa disso, até hoje não foram aprovados no PTR. São pessoas que sempre moraram aqui nas comunidades, que estão aqui muito antes do rompimento da barragem, mas que não possuem nenhuma daquelas 20 opções de comprovante de endereço que a FGV aceita.”.

Ela também ressaltou que em 2019 as três comunidades não tinham acesso aos serviços prestados pela Copasa e que algumas famílias compartilhavam o mesmo padrão da Cemig. Essas especificidades contribuem para uma maior dificuldade das pessoas atingidas das comunidades de Santa Ana, Brejo e Bervely de apresentarem um comprovante de endereço nos moldes exigidos pela FGV.  

Após escutar os relatos, a Fundação relembrou que na época do Pagamento Emergencial existiam apenas duas opções de documentos que podiam ser utilizados como comprovante de endereço (conta da Cemig e conta da Copasa) e que agora, no PTR, há vinte possibilidades para comprovar o endereço na época do rompimento. As representantes da FGV aproveitaram o momento para retomar algumas dessas opções de documentos e explicaram que a FGV não tem poder para acrescentar documentos e que qualquer proposta passa por análise e deliberação das Instituições de Justiça que pode aprovar ou não a nova opção de comprovante. 

Veja aqui quais são os documentos e comprovantes aceitos: Manual de Demandas do Programa de Transferência de Renda (PTR) – Aedas (aedasmg.org)

Outras pautas também se fizeram presentes, como a questão da transmissibilidade das parcelas vencidas do PTR a familiares de pessoas que faleceram; a alteração dos nomes das ruas de Igarapé após o rompimento da barragem; e dúvidas sobre como serão pagas as parcelas do passivo do Pagamento Emergencial e do próprio PTR que superam, em alguns casos, o número de meses de duração do programa, por exemplo.  

Ao final da reunião, a partir de demanda das Comissões, a Fundação Getúlio Vargas se comprometeu encaminhar no dia seguinte, no atendimento volante agendado na comunidade, os casos de pessoas com cadastros parados ou sem retorno, no prazo máximo de 10 dias úteis. Além disso, a FGV se comprometeu a divulgar em seus canais, assim que deliberado pelas IJs, informações sobre a transmissibilidade das parcelas vencidas e da forma de pagamento das parcelas do PE e PTR após abril de 2026. 

Texto: Equipe Anexo I.2, I.3 e I.4 Aedas.