Aedas participa de live do MAB que debate a criação de um programa social para pessoas atingidas
Na noite da última quarta-feira (16), a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) participou de uma live com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que levantou o tema “O que será do auxílio emergencial?”, que foi vista por mais de oito mil pessoas no Facebook e Youtube.
O encontro virtual, mediado pela coordenação nacional do MAB, Joceli Andrioli, contou com a participação das três assessorias técnicas da Bacia do Paraopeba: a coordenação geral da Aedas na Região 1 (Brumadinho), Ísis Táboas; Ângela Oliveira, do Nacab; Ana Clara Amaral, do Guaicuy; o atingido Thomas Nedson; a atingida Joelisia Feitosa; além dos representantes da justiça, André Sperling do Ministério Público de Minas Gerais e Carolina Morishitta da Defensoria Pública de Minas Gerais.
Joceli Andrioli abriu o bate-papo colocando a proposta do MAB em relação aos novos critérios do Auxílio Emergencial, pago para as pessoas que moram a 1km do Rio Paraopeba, na região atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Segundo a coordenação do MAB, a proposta do movimento é que, dos 28 bilhões da Vale que estão sob pedido de bloqueio na justiça, pelo menos 8 bilhões sejam reservados para a continuidade desse pagamento. “O pagamento seria integral por pelo menos cinco anos. O objetivo é que se amplie o público e crie um programa social ousado, de cinco anos, que contemplaria as pessoas de baixa renda na Bacia do Paraopeba, que hoje são 80% da Bacia”, destacou.
De acordo com Joceli, já foram feitos vários pedidos para que o auxílio seja prorrogado durante o período da pandemia, por pelo menos 5 meses, até que se crie o programa social. “Dessa forma, as pessoas não teriam o trauma de ficar meses sem receber o dinheiro. Tudo isso seria construído com os atingidos que já estão fazendo vários reuniões pela Bacia. Os outros 20 bilhões iriam para programas coletivos”, apresentou a coordenação do MAB.
Após a sua exposição, Ísis Táboas, da coordenação da Aedas, falou sobre o trabalho que a assessoria vem desenvolvendo junto aos atingidos e atingidas da região 1 e 2 para a elaboração desses novos critérios do auxílio emergencial. Para isso, Ísis levantou dois pontos principais: “O primeiro deles é um dos princípios da Aedas, que tem a centralidade do sofrimento da vítima no processo de reparação, e do respeito à efetiva participação informada. A partir daí, demos três grandes passos, que foram o Registro Familiar, os Grupos de Atingidos e Atingidas e a Roda de Diálogos”, ressaltou.
Diante disso, a coordenadora do projeto na região 1 fez um levantamento do que significou esses passos. “Foram 739 registros familiares em Brumadinho e 1213 famílias foram registradas na região 2. É importante lembrar que os registros seguem abertos até o final do nosso projeto. Demos nosso segundo passo entre agosto e setembro, que foi a primeira rodada dos Grupos de Atingidos e Atingidas. Realizamos em Brumadinho 238 GAAs, contamos com a representação e a participação de 74 comunidades. Na região 2 realizamos 374 GAAs e contamos com a participação de 61 comunidades”, informou Ísis.
De acordo com ela, o número aproximado de participação nos Grupos de Atingidos e Atingidas foi de 2.300 pessoas na região 2 e 1000 pessoas na região 1. No terceiro passo, que foi a primeira Roda de Diálogos, a participação foi de 700 famílias. As RDs seguem acontecendo.
Para a Aedas, a reivindicação prioritária é de que ninguém perca direitos no contexto de crise sanitária, ou seja, que não tenha cortes até o fim da pandemia, para que as assessorias técnicas possam estar em campo após esse contexto, inclusive com as comunidades que não puderam participar no formato virtual.
Ísis também informou que, neste 17 de setembro, seriam entregues às instituições de justiça os 39 critérios levantados nos espaços participativos da Aedas; considerando principalmente as pessoas que dependiam do rio diretamente, como os pescadores e pescadoras, as pessoas desempregadas, os familiares de vítimas fatais e as pessoas que estão mais próximas da zona quente.
Por fim, a representante da Aedas também avaliou como bastante adequada a proposta de uma programa social a pessoas atingidas por barragens, pois vai de encontro a outro princípio da assessoria, que é a dinamização da economia, da renda e da vida na região, que possa garantir um apoio financeiro àqueles que mais precisam, até que a reparação possa ser garantida e distribuída. Além do que, segundo Táboas, um programa social direcionado para as pessoas de baixa renda não afeta outras rubricas, como as indenizações individuais.
Ângela Oliveira, gerente de participação e engajamento do Nacab, que assessora 10 municípios na calha do Paraopeba, ressaltou que não se deve perder de vista que estamos falando de umas das 5 maiores mineradoras do mundo, então a luta conjunta é essencial, defendendo uma unidade do território enquanto bacia.. De acordo com o Nacab, a população da região 3 é diversa, pois muita gente está além do 1km e sofre danos também, como as comunidades quilombolas da região.
Já o Instituto Guaicuy, que assessora as regiões 4 e 5, e envolve todos os municípios do entorno da região das Três Marias, foi representado pela advogada popular Ana Clara, que fez uma avaliação dos seis primeiros meses de atuação da assessoria. De acordo com a advogada, os danos são complexos e não é simples determinar apenas um critério que seja justo. “Para nós, o critério unicamente territorial está descartado, pois ele não dá conta, é uma solução simplista para um problema complexo, assim como a questão documental, em um território marcado pela informalidade e com problemas de regularização fundiária ao longo de toda a região”, destacou.
Thomas Nedson, representante da Comissão de moradores da Colônia de Santa Izabel, em Betim, falou sobre a continuidade do emergencial enquanto pessoa que sabe da realidade de cada um que vive na região, de Brumadinho a Pompéu.
“O emergencial viria para minimizar os problemas, principalmente da água, mas também do corpo que não foi encontrado, da lama que ainda está no território. Todas as pessoas, inclusive as que moram fora do 1km, dependem do ecossistema limpo. O ar puro, a água pura, que foi o que a gente perdeu”, disse o morador e ativista.
Ele também trouxe a questão das enchentes (como é possível ver neste vídeo em que Thomas narra), que fez com que a lama entrasse em várias casas que não tinha adentrado ainda.
Thomas também ampliou o entendimento sobre região atingida, principalmente em uma pandemia, trazendo a questão da região metropolitana que bebe da água da COPASA.
Joelisia Feitosa, moradora de Juatuba, ressaltou que a Vale continua constantemente violando direitos básicos e fundamentais da população, acarretando problemas de pele, estomacais, alérgicos, tosse, em uma sobrecarga de problemas e despesas. Com isso, muitas pessoas estão indo embora do Paraopeba. “ A demora do processo de reparação, é um tempo muito longo pra quem está com problemas de direito à vida, ao trabalho e à saúde”, reivindicou, falando do agravamento dos problemas psicológicos, onde as pessoas recorrem mais e mais aos serviços de saúde.
Em relação à demanda das mulheres, Joelisia levantou o aumento da violência doméstica com a situação de caos na região, além da sobrecarga delas, que precisam se reinventar dando solução e alternativas de alimentação e cuidado para toda a família.
Para além disso, ela destacou a grande representatividade das mulheres na linha de frente dos movimentos, inclusive na representação das assessorias, que mesmo com o tempo insuficiente diante de tanto dano, ainda encontram maneiras criativas de lidar com o dia a dia da luta.
Após a fala das pessoas diretamente atingidas, foi a vez das representações das instituições de justiça fazerem suas colocações. O promotor André Sperling, iniciou sua fala dizendo que as assessorias técnicas têm sido fundamentais na organização e levantamento dos critérios emergenciais, colocando que as instituições de justiça tem até o dia 25 de outubro para apresentar os critérios levantados pelas assessorias técnicas ao juiz.
Ele destacou que a proposta do MAB é muito interessante, pois o futuro desse pagamento está conectado com as pessoas que sofreram impacto pelo crime cometido. “ A forma atual é ligada única e exclusivamente ao território e tem gerado distorções. Nós entendemos que todo mundo que sofreu dano tem direito ao auxílio. Todas as pessoas tiveram impacto, moral, econômico…Esse programa, que vai favorecer as pessoas mais pobres, em princípio, nós vemos com muito bons olhos, mas ele depende de uma condenação da Vale, e só poderia vir a partir disso”, negritou o promotor.
A defensora Carolina Morishitta relembrou e falou da vontade de ter de novo as assembleias com mais de 2 mil pessoas. Ela também destacou a importância das assessorias técnicas, “eu não consigo mensurar o quanto elas são importantes para se atingir a reparação”, frisou. “ As ATIs não vão criar critérios, mas mostrar a relevância desse pagamento, que é um valor essencial para que as pessoas possam colocar comida na mesa. O contexto do emergencial e esse trabalho das assessorias é trazer essas informações”, explicou.
De acordo com a defensora, o estado de Minas Gerais já viu, mesmo na pandemia, a Vale tentar cortar o auxílio de 7 mil pessoas no Rio Doce. “É possível que haja uma redução, mas existe a possibilidade de uma construção para além desse emergencial, que pode ter uma redução de pessoas, mas existem outras possibilidades nesse processo, como a construção desse programa, a partir da condenação da Vale pelo juiz. Esse programa não é o emergencial que vocês recebem, é um outro programa e nós vamos precisar entender quais são os valores, porque isso vai depender de quanto tempo e por quanto tempo ele vai atingir as pessoas”.
Para Morishitta, qualquer redução que seja feita deve ser feita de forma cuidadosa e responsável. “Todas as vezes que pensamos não haver uma saída, foram as pessoas atingidas que foram lá e a criaram”, afirmou a defensora.
O bate-papo virtual também levantou a questão das comprovações para recebimento do emergencial. Quem analisa os documentos? Quem os recebe? É a própria empresa ré quem está gerindo a sua própria pena? De acordo com o MAB e as assessorias técnicas presentes, a proposta é que não seja mais a empresa Vale quem administre esses recursos, e sim um Comitê de Pessoas Atingidas, que possam controlar e fiscalizar.
