Atividade organizada pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) reuniu cerca de 250 mulheres para debater a reparação integral, o acesso às políticas públicas de saúde e o fim da violência contra as mulheres

As mulheres atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho (MG) participaram do “II Encontro das Mulheres em Defesa da Vida”, no último sábado (14/09) na sede da CUT, em Belo Horizonte (MG). O evento contou com cerca de 250 mulheres de todas as regiões da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, da Bacia do Rio Doce e Itatiaiuçu, além de representantes das Instituições de Justiça e Assessorias Técnicas Independentes Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy. Na atividade organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foram debatidos temas como a saúde, acesso às políticas públicas e a reparação integral para a população atingida.
“Acho muito importante esse encontro, porque a luta maior ficou para as mulheres. As mulheres sofrem com muitas coisas. Se a comunidade inteira foi atingida, acho que as mulheres foram três vezes mais atingidas, porque as mulheres têm papel muito maior e fazem muitos manejos”, avalia Maria Santana Alves dos Santos Silva, atingida de São Joaquim de Bicas.
Valéria Carneiro, do Assentamento Pastorinhas (Brumadinho), destacou o protagonismo das mulheres nos vários espaços de luta. “Somos os mesmos rostos nas audiências públicas, nas marchas, nos encontros. Somos nós, mulheres, que nos deslocamos quilômetros e quilômetros para a luta”, reforça.
A coordenadora da equipe de Marcadores Sociais da Diferença da Aedas, Cecília Godoi, destaca dados da Aedas que mostram 70% de participação de mulheres. “Podemos afirmar que a participação informada depende da participação das mulheres. Se as mulheres, por algum motivo, disserem ‘não vamos mais participar’, nós teríamos um déficit de 70% de participação”, diz. Godoi também ressalta a importância da transversalidade da pauta de gênero durante o processo de reparação. “Nós entendemos que a pauta de gênero é interseccional a outras pautas como a pauta de relações raciais, de renda, geracional e de PCDs. A pauta de gênero e as definições para proteção do direito das mulheres devem estar representados nas propostas reparatórias que estamos acompanhando via implementação do Acordo e as questões relativas ao processo judicial”, afirma.

Protagonismo feminino na reparação
As mulheres atingidas relataram os diversos impactos do rompimento em suas vidas e cobraram respostas dos representantes do Ministério Público e Defensoria Pública de Minas Gerais.
“As mulheres discutiram sobre a pauta da sua vida, sobre a reparação integral e suas questões específicas. As mulheres trouxeram muitas denúncias do que elas vêm vivenciado nesse processo desde que rompeu a barragem, seja a reparação ambiental que não acontece, a falta de acesso à água, a falta de saúde pública nos municípios. Com o rompimento a saúde física e mental piorou”, resume a integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fernanda Portes.

Um ponto questionado por várias atingidas foi o recente comunicado da Instituições de Justiça sobre novo prazo para conclusão da análise da proposta definitiva do Anexo 1.1. Elas cobraram transparência e agilidade na execução do anexo, além da contemplação de pontos específicos para as mulheres.
Michelle Rocha, atingida da comunidade Monte Calvário (Betim) e integrante do MAB, conta que as mulheres são as responsáveis pela maioria dos lares e das famílias atingidas. “É primordial que o Anexo 1.1 aconteça o quanto antes e não nos boicotem mais uma vez. Acho que o Anexo 1.1 dentro desse processo de quase seis anos de crime da Vale significa conseguir pensar na possibilidade de se reinventar na sua comunidade, com tudo o que foi tirado com esse crime. Então, é muito importante ter uma parte específica voltada para essas mulheres para voltar ter renda dentro do lar e não só depender do homem”, defende. “No 1.1, nós mulheres vítimas desse crime podemos trazer a produtividade e renda familiar para dentro do lar”, finaliza.
Ciranda
Cerca de 14 crianças e oito adolescentes estiveram no encontro participando da Ciranda. “A proposta da ciranda como um espaço participativo, não é somente um espaço para ocupar as crianças e garantir a participação das mães, mas também um espaço de formação”, conta Mariana Barbosa, da Aedas. A atividade com os pequenos envolveu contação de história e criação de desenhos que trazem de forma lúdica o debate sobre gênero.

Já os adolescentes aprenderam sobre mulheres que são referências em diversas pautas. “A Maria Carolina de Jesus, por exemplo, foi uma mulher que estava na nossa exposição de biografias de mulheres e que contribuiu muito da cultura do nosso país”, diz João Nonato, mobilizador e educador da Aedas. “Conseguimos trabalhar bem o tema de gênero com eles, com conversas profundas, mas sem ser pesado. Vejo a potência desse espaço nesse sentido de os adolescentes conseguirem trazer a linguagem deles para o tema que estamos propondo”, finaliza.
Texto: Isis Oliveira e Júlia Rohden