Desembargador pede vista para julgar recurso da Vale que tenta limitar atuação das ATIs
Em frente ao TJMG, atingidos se manifestam nesta quinta-feira (08) pelo direito à Assessoria Técnica Independente (ATI) e transparência dos resultados das perícias

A sessão de julgamento na 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que aconteceu na tarde desta quinta-feira (08), encerrou com o pedido de vista por parte do desembargador Marcus Mendes do Valle, solicitando mais tempo para analisar o caso. Três desembargadores estão responsáveis por julgar o recurso da Vale que tenta limitar os recursos e atuação das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), além de impor sigilo aos resultados de estudos realizados pela perícia judicial da UFMG e impedir a possibilidade de uso dos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico pelos atingidos na indenização pelos danos individuais.
Durante a sessão, a Procuradora de Justiça Dra. Gisela Portério Santos Saldanha (MPMG) manifestou contrária ao recurso da Vale e o desembargador André Leite Praça leu o relatório, em respeito aos atingidos presentes, e votou favorável às pessoas atingidas. Na sequência, o Desembargador Marcus Vinícius Mendes do Valle pediu vista e o desembargador presidente da sessão, Carlos Henrique Perpétuo Braga, afirmou que se manifestará após o colega.
“Não houve decisão final ainda, mas a 19ª Câmara começou o julgamento e o relator desembargador André Leite Praça defendeu o custeio das ATIs como direito garantido para as pessoas atingidas. Ele também foi favorável a divulgação das perícias para que as pessoas atingidas e a sociedade possam acessar o resultado das pesquisas da UFMG. Além disso, concordou que os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico sejam usados na fase de apuração dos danos que cada pessoa atingida sofreu de forma individualizada”, explica a advogada Gabriela Soares, da equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação da Aedas.
O pedido de vistas não tem prazo definido e a continuidade do julgamento foi marcado para o dia 29 de agosto às 13h30, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Atingidos manifestam em frente ao Tribunal
Enquanto a audiência acontecia, pessoas atingidas se manifestavam na defesa do direito à Assessoria Técnica e da transparência dos resultados das perícias.
Michelle Rocha, atingida da comunidade Monte Calvário, de Betim, lembra que o direito à Assessoria Técnica está previsto tanto na lei nacional pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), quanto estadual pela Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). “A Assessoria é um direito nosso, está na lei e agora a Vale quer sucatear a principal forma de trabalho que a gente tem enquanto atingido, que são as ATIs”, afirma. “São cinco anos de crime, muita coisa não foi resolvida, e ela [Vale] sempre tentando tirar o direito do povo nesse crime que devastou muitas vidas”, completa.

A integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fernanda Portes destacou que a reparação integral das pessoas atingidas está além do que é previsto no acordo firmado em 2021 pela Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça. “Na audiência, a Vale tentou argumentar para não custear o direito às Assessorias Técnicas Independentes na reparação integral da população atingida por barragem. Os atingidos sofreram muitos danos que só o acordo não dá conta de reparar. Tem o direito à indenização individual, o direito à reparação ambiental, temos atingidos que vivem a problemática de acesso e qualidade de água, e tudo isso faz parte da reparação”, reforça.
“A luta do movimento e dos atingidos organizados é que o direito à Assessoria Técnica, já previsto em lei, seja garantido em toda a reparação integral e não só nas ações do acordo. E mesmo nas ações do acordo, são necessárias as condições para que as ATIs assessorem os atingidos de forma qualificada, com participação e informação”, resume a coordenadora do MAB.
Entenda o caso
Em 31 de janeiro, a mineradora apresentou um recurso que defende a limitação do custeio das ATIs ao valor máximo de R$700 milhões previstos no Acordo para a contratação de estruturas de apoio que atuariam para a reparação dos danos coletivos e difusos. Na prática, as ATIs não teriam orçamento para assessorar as pessoas atingidas em outros direitos não previstos no acordo, como o direito à indenização individual e os direitos emergenciais em demandas como água e alimentação animal.
A Justiça já negou o pedido da Vale com decisão em primeira instância do juiz Murilo Silvo de Abreu, em novembro de 2023, afirmando que “se o Acordo não tratou dos pedidos principais relativos aos danos supervenientes, individuais e individuais homogêneos, é certo que as medidas processuais necessárias para a garantia do contraditório e ampla defesa efetivos em relação a tais pleitos não podem ser limitadas às disposições do Acordo”.
Outro ponto em destaque é a tentativa de a mineradora impor sigilo aos resultados de perícias realizadas pelo Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG) nos territórios atingidos. Em julho de 2022, o então juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Elton Pupo Nogueira, determinou que os estudos fossem publicados nos autos da ação judicial.
A Vale, no entanto, confrontou a decisão e pediu sigilo dos estudos. Uma nova decisão em primeira instância, desta vez em novembro de 2023 pelo juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Murilo Silvo de Abreu, reforçou a decisão do juiz anterior, afirmando que a publicidade dos resultados é uma forma de garantir os direitos à participação informada e a transparência. A Vale, então, recorreu e o caso está sendo julgado em segunda instância, na sessão de julgamento realizada ontem no Tribunal de Justiça.
Por fim, o terceiro ponto em destaque do recurso da Vale tenta impedir a possibilidade de uso dos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico pelos atingidos na indenização pelos danos individuais. Esses estudos avaliam o impacto do rompimento ao longo do tempo e são feitos em etapas, gerando dados que servem de base para quantificação do risco e avaliação da exposição à contaminação tóxica causada pelo rompimento da barragem.
Texto: Júlia Rohden/Aedas