Consulta prévia, livre, informada e de boa fé e titulação de terras fundamenta orientação

Centro de Lançamento de Alcântara; base espacial instalada em território quilombola – Foto: Warley de Andrade/TV Brasil

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) emitiu uma recomendação inédita ao Brasil, pedindo que o governo reconheça oficialmente o território das comunidades quilombolas de Alcântara e respeite o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada, conforme estabelecido na Convenção nº 169. Este é um passo significativo na luta contínua dessas comunidades pela afirmação e garantia de seus direitos.

Esta solicitação reflete uma luta histórica e mais ampla. Entre 1986 e 1988, durante a instalação do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) e o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre Brasil e Estados Unidos, mais de 312 famílias quilombolas foram removidas à força de suas comunidades originais e reassentadas em sete agrovilas.

O CLA ocupa uma área vasta, equivalente a cerca de 78 mil campos de futebol, abrangendo 108 comunidades. Desde a instalação, mais de 40 dessas comunidades enfrentam a ameaça constante de remoções devido à expansão da base, o que gera medo e incerteza, desestruturando a vida social e cultural dessa população e minando sua tradicionalidade.

Com a remoção compulsória de seus territórios, o povo quilombola não tem garantidas as condições necessárias para seu modo de vida, vivendo em condições precárias, sem assistência, com dificuldades de acesso ao mar, essencial para a pesca tradicional, e sem compensação adequada. Como resultado, as famílias vivem em situação de insegurança e vulnerabilidade.

O Estado brasileiro reconheceu que violou direitos dessas comunidades. Em 2001, o caso foi levado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Em 2019, os sindicatos locais denunciaram mais uma vez o descumprimento da Convenção nº 169 quanto à consulta prévia e à falta de titulação de terras quilombolas.

As comunidades de Alcântara esperam que o Estado cumpra as recomendações da OIT, não apenas para reparar o racismo histórico, mas como uma necessidade premente para corrigir as graves violações de direitos que sofreram ao longo de 40 anos, desde a instalação da Base de Lançamentos durante a ditadura militar. Leticia Marques Osorio, advogada dos sindicatos, destaca a necessidade de ações compensatórias pela violação dos direitos garantidos pela Constituição Federal e reconhecidos por organizações internacionais.

No Brasil, a aplicação da Convenção nº 169 é reforçada pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1986, que reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos. Esse reconhecimento legal, combinado com a Convenção nº 169, fortalece a proteção jurídica das comunidades quilombolas, garantindo-lhes a posse da terra e o direito à autodeterminação e à preservação de suas identidades culturais e sociais.

Segundo o Censo 2022 do IBGE, Alcântara tem a maior proporção de quilombolas no Brasil, com 84,6% dos moradores – aproximadamente 15.616 pessoas – se identificando como quilombolas. Esta estatística sublinha a importância de uma ação rápida e decisiva.

As recomendações da OIT simbolizam mais que um reconhecimento formal dos direitos das comunidades quilombolas de Alcântara; elas são uma exigência urgente para que o Estado Brasileiro tome medidas concretas e decisivas. É crucial que estas ações assegurem que estas comunidades possam viver com dignidade, segurança e em harmonia com suas tradições e direitos, respeitando e honrando as trajetórias e resistências de um povo que, assim como a terra, carrega em si a memória viva de seus ancestrais.

“[…] Nenhum acordo com o governo será possível, se não forem respeitados esses direitos. Falta o governo brasileiro fazer a sua parte. Titulação Já!” (Fátima Diniz Ferreira, militante do Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Alcântara – MOMTRA.)

Texto: Mariana Tavares – Equipe PCT Aedas