Histórias Atingidas: Nós existimos e vamos continuar existindo cada vez melhor!
Que nós, mulheres pretas, não percamos a esperança, não percamos a fé!

Maria Elizete Amorim, 52 anos, nasceu em uma cidadezinha chamada Claro dos Poções, na região de Montes Claros. Em busca de uma vida melhor, mudou-se para Belo Horizonte quando criança com seus pais.
Aos 27 anos, foi para Brumadinho, na região de Ponte das Almorreimas, ao conhecer seu companheiro: “Foi uma escolha minha viver aqui. Sempre gostei muito de Brumadinho, da tranquilidade, sempre admirei as escolas e a educação da cidade, que sempre foram muito boas, independentemente da gestão. Foi uma das coisas que mais me motivou a viver aqui e criar meus dois filhos”, conta.
Ao perceber a prática minerária ao se mudar para Brumadinho, Elizete expressa sua opinião:
“Sou contra a mineração irresponsável e gananciosa. Precisamos de uma mineração consciente, respeitosa com o meio ambiente e com a vida das pessoas”
Elizete faz uma reflexão sobre a atualidade: “A mineração chegou a um patamar absurdo. Se antes as pessoas não prestavam muita atenção nisso, hoje todo mundo vê o que o exagero da mineração tem causado, está incontrolável. Estamos chegando a um ponto em que estamos ficando sem água, com o ar poluído, contaminações e doenças. Nem temos uma ideia completa dos danos que a mineração causa. Depois do rompimento, nem se fala, o descontrole ambiental que isso causou é imenso”.

Sobre o Acordo de Reparação, Elizete diz: “O acordo é um desacordo, feito a portas fechadas, sem a opinião das vítimas e dos maiores interessados na reparação. Foi feito com terceiros. A empresa tenta se esquivar de tudo. O que vemos são propagandas bonitas na televisão; quem está de fora não sabe da realidade. A Vale gasta mais com propaganda e advogados para fugir das responsabilidades do que para reparar propriamente”.
Hoje, Elizete e sua comunidade lutam por reconhecimento: “Aqui em Ponte das Almorreimas, nossa luta é para sermos reconhecidos como Zona Quente. Os rejeitos tirados do outro lado do rio foram jogados todos para cá. É muita injustiça. Quem vê o asfalto novo pensa que é progresso. Isso não é progresso, é o mínimo. É para tampar o sol com a peneira, é paliativo”.
Ainda sobre o Acordo, Elizete diz: “Tudo o que a Vale fez a passo de formiga, foi porque foi obrigada, não porque reconheceu que errou”.
Sobre os impactos em sua comunidade, Elizete destaca o aumento excessivo da poeira. “Aconteceu tudo isso [referindo-se ao rompimento], o custo de vida aumentou, a empresa não parou de operar nem um dia sequer. Ficamos prejudicadas de várias maneiras, enquanto a empresa ficou mais rica. As pessoas adoeceram e continuam doentes, e a empresa continua lucrando”.

Além dos transtornos psicológicos e da interferência em suas alegrias e paz causados pelo rompimento, Elizete destaca a construção de uma adutora em Ponte das Almorreimas: “Essa obra mexeu demais com a vida da gente, encheu aqui de pessoas de fora. No início eram mais de 60 ônibus lotados de trabalhadores, todos os dias. Passar ali era uma coisa absurda. Você imagina uma comunidade rural, tranquila, e de repente vem um empreendimento que interfere e viola vários direitos. Essa obra não contribui para o progresso da região. Não gerou empregos para ninguém daqui. A construção da adutora foi violenta; meteram as máquinas e derrubaram muros centenários históricos, e a capela acabou com rachaduras. Mudou até a paisagem”.
Sobre a questão racial e de gênero, Elizete destaca: “Hoje, a mulher é a provedora da família e isso tem um peso, especialmente para as mulheres pretas. Nossa dificuldade já é maior em relação ao emprego e ao salário. Toda crise atinge mais as pessoas vulneráveis. As mulheres têm lutado para conquistar direitos iguais. Se antes já lutávamos por espaços, o rompimento e a luta pela reparação tornam tudo ainda mais difícil”.
Após o rompimento, Elizete afirma que o trabalho doméstico aumentou, com a mineração trazendo mais poeira e água mais suja, além da luta para conseguir água.
“Os danos do rompimento acarretam mais trabalho e preocupação para nós mulheres”


No quintal de Elizete, havia 800 pés de mexerica. “Deu uma ‘fuligem escura’ nas folhas e tivemos que cortar. Meu marido vendia. Acabou com a plantação de mexerica. Aqui em Ponte, toda semana o pessoal reclama da falta d’água. Como você vai ter uma horta? Com a falta de água e água contaminada, como a pessoa vai plantar para consumo próprio? Você tem que ir ao mercado também comprar. Algo que era comum nos quintais das pessoas, hoje não é mais.”
Da luta pela reparação, Elizete diz: “O que me levou a me engajar na luta foi justamente a necessidade de buscar melhorias e justiça. Se o povo não se mobiliza, as coisas não acontecem. A gente é atropelado sim. A necessidade de ver as coisas acontecerem, de ter reparação, de não deixar as coisas correrem soltas, contribuir para mostrar que estamos aqui e que queremos reparação, foi o que me motivou a entrar na luta.”
Em relação ao Anexo I.1, o único que prevê a participação das pessoas atingidas, Elizete faz um paralelo com as mulheres pretas: “Eu acho que pode favorecer muito as mulheres em geral e principalmente as mulheres pretas, que normalmente têm mais dificuldade para conseguir bons empregos. Sair dessa dependência da mineração, ter um olhar voltado para outras áreas. Para as mulheres pretas, o que sempre sobrou foi aquele trabalho mais braçal, mais subalterno”.

Elizete deixa uma mensagem em celebração ao Julho das Pretas, com o tema Reparação e Bem-Viver: “É muita coisa para ser reparada. A gente fala da reparação nas regiões atingidas pela mineração, mas a luta das mulheres pretas é longa, vem de longe. Que nós, mulheres pretas, não percamos a esperança, não percamos a fé. Nossa caminhada vem de longe. Não só as mulheres pretas, mas também as mulheres indígenas — é muita luta, muita dor. Que continuemos na caminhada. Não se dispersem. Procurem estar cada vez mais unidas e acolhendo umas às outras, porque vale a pena. Já foram muitas conquistas e haverá muitas outras. Não podemos desanimar, não podemos desistir. Nós existimos e vamos continuar existindo cada vez melhor!”
Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas
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