Ratificar o acordo é confirmar o compromisso nacional com o meio ambiente sadio e equilibrado, com a proteção de defensores de direitos humanos

Foi apresentado uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); da Defensoria Pública da União (DPU), da Defensoria Pública do Estado de Minas gerais (DPMG); e da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES), para que o Congresso Nacional, em teor de urgência, aprove e, posteriormente, a presidência ratifique a promulgação do acordo regional sobre acesso à informação, participação pública e acesso à justiça em assuntos ambientais na América Latina e no Caribe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL (Acordo de Escazú).    

O significado do Brasil ratificar o acordo é confirmar seu compromisso com o meio ambiente sadio e equilibrado, assim como com a proteção de defensores de direitos humanos em questões ambientais, por exemplo. Este princípio já consta na Constituição Brasileira (art. 225), mas precisa de garantias da sua implementação, por meio da assinatura de acordos internacionais e a sua confirmação pelo parlamento. São etapas necessárias para executar o que foi previsto desde a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Eco-92, no Rio de Janeiro, e fortalecido em Escazú, Costa Rica, em 2018, no Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe. 

O Acordo Regional é um instrumento jurídico pioneiro em matéria de proteção ambiental, mas também é um tratado de direitos humanos.  

O documento é elaborado a partir de considerações acerca de diversos outros marcos históricos, políticos, legislações nacionais, internacionais e outras normas, do campo ambiental, para a garantia de direitos aos cidadãos e cidadãs frente a conflitos relacionados a questões ambientais como, a Agenda 21, a OIT nº 169, a Declaração de Estocolmo, os desastres da mineração em Mariana – MG, Brumadinho – MG e Maceió – AL.   

Para fins práticos, o documento de recomendação, dá força política e jurídica a diversos pontos da realidade que as pessoas atingidas vêm denunciando constantemente às Instituições de Justiça – IJ’s, compromitentes e em outros espaços de participação, bem como as qualificações de perfis sociais e a desproporcionalidade de danos coletivos e individuais que atingem cada perfil. A exemplo: direitos das mulheres, racismo ambiental, vulnerabilidades socioeconômicas e falhas nos mecanismos jurídicos para garantia da reparação socioambiental.  

A adoção pelo Brasil ao Acordo de Escazú é fundamental para fortalecer e ampliar a proteção aos direitos da população atingida ou ameaçada por desastres socioambientais, considerando sua força jurídica e abrangência regional. E corrobora no sentido dos direitos e previsões aprovadas na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), Lei 14.755 de 15/12/2023, no sentido da mitigação, reparação e proteção integral destas populações e do meio ambiente.   

O Acordo de Escazú é amparado no Marco de Sendai, importante referência para a consolidação do conceito de Reparação integral de populações em risco e/ou atingidas por desastres socioambientais, e do qual o Brasil já é signatário.  

O Marco de Sendai é resultado da Terceira Conferência Mundial sobre a Redução do Risco de Desastres [realizada em Sendai – Miyagi, no Japão, em 2015] com o objetivo de sistematizar diretrizes para um novo marco global na redução do risco de Desastres. Isso mostra sua redação a necessidade de ações focadas nos sujeitos atravessados pelos Marcadores Sociais da Diferença, como raça, gênero, vulnerabilidades econômicas e tradicionalidade.   

Defensoria Pública de Minas Gerais   

Carolina Morishita, Defensora Pública de Minas Gerais, nos esclarece a importância da ratificação do Acordo de Escazú para o Brasil:

“Essa palavra é difícil, ratificação, que quer dizer internalização. É pegar essa norma internacional e passar por um procedimento no Congresso Nacional e depois na presidência da República para que valha como uma legislação interna. Isso no Acordo de Escazú é muito importante, inclusive para os territórios atingidos pelo rompimento, porque a gente fala de temáticas muito importantes, fala do acesso à informação, então que tudo aquilo que tiver relacionado ao meio ambiente, danos, potenciais danos, riscos, medidas necessárias de reparação, alternativas, tudo isso precisa ser amplamente divulgado”, explicou a defensora pública.  

Para Morishita, a defesa do Acordo de Escazú é defender também a adoção de medidas de participação mais efetivas:

“É necessário que se construa espaços decisórios também, espaços em que as pessoas não são apenas ouvidas, em que elas não podem simplesmente acessar informação, acompanhar o que está acontecendo, mas que elas façam parte da construção das decisões relacionadas ao Meio Ambiente, que é entendido como um direito humano”, pontuou. 

Ela ainda reforçou a importância do Acordo de Escazú para as comunidades atingidas por barragens:

“São pautas que estão presentes em todas os espaços e demandas das pessoas atingidas e que são importantes também para outros casos de conflitos socioambientais e grandes empreendimentos no Brasil. O acordo, ele fala da necessidade de uma publicidade total das informações que estão relacionadas ao meio ambiente, potenciais impactos, medidas que são necessárias para uma reparação, recomposição, alternativas que podem ser criadas e que essas informações têm que ser usadas num espaço de construção de decisão sobre as questões ambientais, assim criando espaços também de uma devida reparação. Ele fala de acesso à justiça para que a reparação efetiva seja obtida, seja conquistada. Ele é um acordo muito importante e ele fala do fortalecimento, da necessidade, de enfrentamento, investigação de todas as ameaças, todos as violências que são cometidas contra defensoras e defensores de direitos humanos, porque só assim a gente consegue efetivar de forma mais plena tanto o acesso à informação, quanto a participação nas decisões. “, finaliza.  

Veja o documento: Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe

Veja o documento: Acordo de Escazú para Jovens

Pontos complementares  

A equipe de Marcadores Sociais da Diferença da Aedas considera os pontos abaixo como complementares ao trabalho que as ATIs desenvolvem junto aos territórios assessorados nas regiões 01 e 02, fortalecendo as pautas e demandas das pessoas atingidas sobre o processo de reparação socioambiental. São eles:  

  • O documento reforça que “…a sistemática de construção de sistemas de governança a partir de Termos de Ajustamento de Conduta (TTAC e TAC GOV) pelos atores públicos e privados envolvidos não teve capacidade de criar sistemas efetivos de participação e controle social, alijando a sociedade civil do processo de reparação”.  
  • Reafirma a situação dos territórios atingidos, destacando “…que as comunidades atingidas por conflitos ambientais e pela instalação de grandes empreendimentos demandam o reconhecimento dos seus direitos humanos procedimentais, isto é, direitos que visam a amparar e dar suporte à reivindicação de todos os direitos que compõem o seu patrimônio jurídico, como: o direito de acesso à informação, o direito de participação social e o direito de acesso à justiça”;  
  • Reconhece questões de racismo ambiental ao afirmar “…que os impactos ambientais atingem desproporcionalmente a população mais vulnerabilizada e que as pessoas atingidas se encontram em grave desigualdade econômica e tecnológica frente aos empreendimentos, cabendo ao Estado adotar medidas para superar o quadro de racismo ambiental”;  
  • Reconhece as questões de gênero ao apontar que “…desastres socioambientais atingem com intensidade diversa cada gênero e que estudos demonstram que as mulheres enfrentam maiores obstáculos para obter acesso à justiça e estereotipização na atuação como defensoras de direitos humanos, justamente porque têm relevante papel na gestão e promoção de ações para mitigação dos danos”.  

 

Relação do Acordo de Escazú com a PNAB  

O Acordo de Escazú foi assinado em 27 de setembro de 2018, por Mauro Vieira, como Representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas, e que atualmente é Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Por tratar de assuntos complexos e por criar custos financeiros, os próximos passos para a ratificação do Acordo de Escazú, e entrada em vigor dependem de sua aprovação no Congresso Nacional e a promulgação pelo atual presidente Lula.    

A importância jurídica do Brasil internalizar a norma internacional é de reforço das leis nacionais, já que é totalmente compatível com a Constituição. Também evita qualquer dúvida quanto à incorporação do acordo ao ordenamento jurídico brasileiro e consequente implementação das suas obrigações por meio de leis, decisões judiciais e políticas públicas. No plano internacional, o acordo já entrou em vigor, em abril de 2021, depois que 11 países o ratificaram.   

Enquanto o Brasil não ratificar o acordo, permanece o debate jurídico a respeito da vigência e obrigação de cumprimento, embora já esteja vigente internacionalmente. No caso de ratificação pelo Brasil, o acordo entrará em vigor nacionalmente após 90 dias do depósito da ratificação.  

O status desta nova lei ainda vai depender de debate jurídico na sua interpretação, uma vez que o tratado internacional de Direitos Humanos pode ser internalizado com status de norma constitucional ou com status de norma supralegal.  

Uma ou outra opção irá depender do regime de aprovação, pois se for aprovado uma vez, em ambas as casas (Câmara dos deputados e Senado Federal), por maioria simples, estaremos diante de uma normal supralegal. Por outro lado, se for aprovado duas vezes, em ambas as casas, com o quórum de 3/5 dos votos, então teremos uma norma com estatura constitucional.   

A relação do Acordo de Escazú com a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) é direta, como fonte de princípios e regras que foram implementadas por meio desta lei, garantindo os direitos à informação, participação pública e acesso à justiça em assuntos ambientais. Embora tenha limitações, a aprovação da PNAB foi um passo no sentido da implementação nacional do Acordo de Escazú, facilitando o cumprimento de obrigações derivadas do Acordo.  A PNAB contribui com densidade normativa para o Acordo de Escazú, avançando na implementação de direitos de acesso à informação ambiental (Art. 3º, XVII); participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais (Art. 3 XVIII, Art. 5 Parágrafo único, Art. 6º, Art. 7º); acesso à justiça em questões ambientais (Art. 3º, IV e V). A eventual ratificação do Acordo de Escazú, poderia fortalecer o processo de regulamentação da PNAB, no sentido de retroalimentar os princípios e regras que constam nos 2 documentos jurídicos.   


Texto: Equipe de Marcadores Sociais da Diferença (MSD) e Equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação (EJR)

Entrevista com Defensora (MG): Felipe Cunha, Equipe de Comunicação